domingo, 30 de janeiro de 2011

Uma Sessão Erótica no Cine Diogo

Durante dias não se falou de outra coisa, era o assunto da cidade.
O jornal católico “O Nordeste” fez uma declaração de guerra. Nas igrejas os sermões dos padres giravam em torno da imoralidade que vinha das telas, e ameaçava com as penas do inferno os fiéis que comparecesse a sessão.
Resistente às críticas, a Empresa de Severiano Ribeiro manteve-se firme em sua posição: marcou uma sessão especial, à noite, para exibir o filme Êxtase, no qual a atriz austríaca Hedy Lamarr, já então famosa estrela de Hollywood, aparecia nua. 
Êxtase teve lançamento recente em DVD
O histórico do filme dava asas à imaginação dos fãs de cinema e motivo para a indignação do clero e dos conservadores: 
feito em 1933, Êxtase entrou para a história por causa do escândalo - foi o primeiro filme exibido no circuito comercial normal a mostrar um nu frontal. 
No dia e hora anunciados, não houve medo de castigo divino, nem penas do inferno, nem vergonha de mostrar a cara nas filas do cinema, que impedisse a população, especialmente a população jovem, de comparecer ao Cine Diogo. 
Foi uma noite de descontrole total, gritos, empurrões, pancadarias, xingamentos. O salão de espera lotado, as bilheterias insuficientes para atender a demanda. A polícia foi chamada, e com a delicadeza de sempre, desceu o cacete para esfriar os ânimos.
Todos pareciam histéricos, tocados por uma curiosidade incomum, que afetava os sentidos e deixava os nervos à flor da pele.
Da multidão que compareceu, uma pequena parte ganhou a sorte grande de poder entrar no cinema. Enfim era chegada a hora de desvendar o mistério, de descobrir os atributos físicos e anatômicos de uma das deusas do cinema, numa época em que tudo girava em torno de astros e estrelas.
Êxtase é um filme sem diálogos, em que a fotografia de forte expressividade, narra a seu modo, a história sofrida de um homem maduro, já sexualmente em decadência, às voltas com uma ninfa de rara beleza.
E quanto à nudez... Uma cena rápida, apenas.
A personagem Eva monta em seu cavalo, galopa até um lago, nada nua; sai do lago quando seu cavalo se distancia dela, e então durante alguns minutos anda nua pelo campo; os seios são mostrados, mas de longe; as únicas tomadas em que ela aparece mais próxima com os seios à mostra são muito rápidas 


Uma frustração, um roubo!
Houve na platéia quem sugerisse quebrar tudo, seria uma forma de protestar contra a decepção.  A maioria saiu de cabeça baixa, sentindo-se lograda, sem perceber que acabara de ver uma obra-prima da sétima arte européia, que tinha como ponto alto, a força e a beleza das imagens.

Extraído do livro
Sessão das Quatro – cenas e atores de um tempo mais feliz,

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito dessa postagem, muito divertida a forma como contou a decepção dos cinéfilos.
Eu gosto desse blog porque não fala apenas da cidade Fortaleza, mais também conta um pouco da sua história, acontecimentos, e até esses fatos inusitados que a maioria até então não tinha conhecimento.

Fátima Garcia disse...

as confusões e molecagens dentro dos antigos cinemas de Fortaleza eram lendárias, todos os cronistas falam disso.