O Pirambu está localizado no
litoral oeste de Fortaleza. Sua origem remonta ao final do Séc. XIX, quando a
capital recebeu levas de flagelados que fugiam das secas que assolavam o
interior do estado. A população indigente foi se alojando em barracos, em terrenos
próximos à ferrovia, à zona de praia, no alto das dunas e às margens dos rios,
áreas desprezadas pelos grupos sociais de maior poder aquisitivo.
Rua do Pirambu - imagem Fortaleza em Fotos - 2011
Apesar de pequenos, esses
aglomerados começaram a se tornar visíveis a partir da década de 1930, quando
começaram a chamar atenção por se tratar de locais de extrema pobreza, moradias
precárias, alta insalubridade e altos índices de violência. O fato relevante
que contribuiu para rápido crescimento da região, foi a chegada de centenas de
retirantes, provenientes de várias localidades do interior do Estado, afetados
pela seca de 1932. O Pirambu, juntamente com o Arraial Moura Brasil, constituía
os dois bairros mais pobres da cidade, espremidos entre a linha férrea e a
região de praia.
Nessa época já existiam na
Avenida Francisco Sá, (com a denominação oficial de Avenida Demóstenes Rockert,
popularmente conhecida como Estrada do Urubu até 1936), nas proximidades do Pirambu, diversas
indústrias instaladas, como o empreendimento de Pedro Philomeno Gomes a Fábrica
de Tecidos São José, que se mudou para a estrada do urubu” em 1926. Logo
depois, em 1927, viria a Indústria Têxtil José Pinto do Carmo, e em 1934, a
Brasil Oiticica. Além dessas, havia dezenas de pequenos estabelecimentos. A
concentração de empresas atraiu a classe trabalhadora.
Avenida Demóstenes Rockert em 1927. A partir de 1936 foi pavimentada e recebeu a denominação de Avenida Francisco Sá. Foto Relatório da PMF
Nas empresas, os operários tiveram
contato e passaram a receber orientação de sindicatos e do Partido Comunista do
Brasil, com forte influência na zona oeste da cidade. E o Pirambu foi à luta.
Desde 1948 possuía uma sociedade feminina constituída para lutar contra a
ameaça de expulsão dos moradores do bairro e a favor de melhorias urbanas. A
maioria dos habitantes tinham seus casebres localizados em terrenos
de marinha.
As pessoas vinham em sua
maioria do interior, e com a interferência do comandante da Capitania dos
Portos, que ficava no edifício da Marinha, ou do capelão, que as avaliavam, as
famílias eram enviadas para a hospedaria que ficava na Rua Olavo Bilac
(hospedaria Getúlio Vargas). Havia uma comunicação entre hóspedes e moradores
do Pirambu, e os migrantes iam deixando a hospedaria, à medida que conseguiam
um terreno para se estabelecer na comunidade.
imagem: O Semanário (RJ)
O bairro não tinha nenhuma urbanização
nem contava com infraestrutura, os terrenos tinham preços mais em conta para as
massas, que em muitas oportunidades os ocupavam clandestinamente, daí o crescimento
irregular, com a propagação de lotes de tamanhos irregulares, casas modestas e
favelas, becos e ruas estreitas, tortuosas e sem saída, inexistência de espaços
públicos e áreas de lazer.
Os ocupantes do Pirambu já
contavam em torno de 5 mil pessoas, quando apareceram duas famílias alegando
que eram donas da área, os Braga Torres e os Carvalho. Pressionavam os
moradores para que desocupassem as terras ou vendessem os terrenos. Sentindo-se ameaçados, os
moradores começaram a se organizar, a se reunir. Mas não tinham uma liderança, não
queriam interferência política e não chegavam a um acordo sobre o que fazer.
Daí, convidaram o padre Hélio Campos, que havia pouco tempo tinha se formado
capelão da Marinha, e atuava na Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes. Corria
o ano de 1958. Descobriram que os Braga Torres e os Carvalho não eram donos da
área. E sob a liderança do padre, iniciaram um movimento pela manutenção da
posse da terra, pela melhoria das condições sociais e de moradia e contra novas
ameaças de expulsão.
A presença do padre deu uma
nova dinâmica e fortaleceu o movimento comunitário e desestruturou o trabalho
de conscientização política que o Partido Comunista vinha desenvolvendo junto
aos moradores do Pirambu. O motivo é que a Igreja era uma instituição
anticomunista. A maior prova foi evidenciada na própria marcha, quando os
operários ligados ao Partido Comunista foram absorvidos pela ação do Padre
Hélio, que deu ao movimento um caráter cristão, baseado nos princípios da
doutrina social cristã.
A marcha organizada pelos
moradores do Pirambu foi divulgada com reservas pela imprensa local,
principalmente quando o padre Hélio Campos afirmou que a mesma era uma
advertência aos poderosos do Estado. O movimento se concretizou no dia 2 de
janeiro de 1962, quando a população, após a celebração de uma missa no pátio da
Casa Paroquial, saiu em caminhando pelas ruas de Fortaleza.
A maioria foi a pé, mas havia
ônibus e carroças. Uma multidão incalculável, portando faixas, cartazes e
gritando palavras de ordem, seguiu em direção ao centro, onde os manifestantes, de forma pacífica, passaram a
ocupar a Praça da Sé.
A Praça da Sé nos anos 40 e a Catedral inconclusa dos anos 50
imagens Anuário do Ceará
Foram primeiro ao Palácio do
Bispo, onde foram recebidos por Dom Antônio de Almeida Lustosa; depois desceram
para o Palácio da Luz, na Praça General Tibúrcio onde uma comissão, inclusive o
Padre Hélio, foi recebida pelo governador Parsifal Barroso. A grande
aglomeração de pessoas assustou os comerciantes do Centro, que fecharam as
portas. Mas a situação se acalmou diante
da garantia de Padre Hélio de que se tratava de um movimento pacífico e
ordeiro.
Oito dias depois da marcha,
uma comitiva da qual Padre Hélio era parte, foi a Brasília discutir a questão da
desapropriação das terras da região do Pirambu. Lá descobriram que o Pirambu
não estava em terreno de marinha. A área que ia da Rua Jacinto de Matos até a
Rua Francisco Calaça foi desapropriada. Nos terrenos que se seguiam não foi
possível a desapropriação porque tinha terreno particular, da Prefeitura, do
governo Estadual e Federal e até da Igreja.
Por força do decreto nº 1058,
de 25 de maio de 1962, que declara tais terras de utilidade pública para
execução de plano habitacional em favor dos seus moradores, hoje, os terrenos
são considerados de propriedade comunitária.
Rua do Pirambu - imagem Tarcísio Garcia 2018
Embora tenha conseguido a posse
das terras, povo do Pirambu acabou perdendo uma de suas mais expressivas
lideranças. Pois, após os acontecimentos decorrentes do Golpe Militar de 1964,
os movimentos populares foram desarticulados e suas lideranças presas ou
exiladas. A Igreja e as forças da repressão trataram rapidamente da
transferência do padre Hélio Campos para o Estado do Maranhão, e o Pirambu foi
dividido em duas paróquias: Nossa Senhora das Graças e Cristo Redentor, originando,
então dois bairros.
Orla marítima do Pirambu - imagem Fortaleza em Fotos - 2011
De acordo com dados do IBGE,
com base no Censo Demográfico 2010, o Pirambu é o maior aglomerado urbano do
Estado. O bairro é também o 7º colocado em densidade populacional do país, com
um total de 42.878 habitantes. A falta de esgotamento sanitário é o principal
problema da comunidade, onde 19% da população não tem acesso ao serviço. A coleta de lixo é deficitária, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM), de apenas 0,391, e está entre os 10
piores dos bairros da capital cearense. Também são baixos os níveis de
escolaridade (0,293) e de renda média em salários mínimos do chefe da família
(0,062).
Decorridos 58 anos da
histórica marcha, o Pirambu ainda apresenta o maior número de moradores vivendo
em áreas de risco, em habitações sujeitas à ação do homem ou da natureza.
Nas favelas que ocupam a faixa de praia, as famílias estão expostas ao avanço
da maré, deslizamentos de encostas e outras questões de insegurança.
Fontes:
A Marcha sobre Fortaleza
(1962), de Raimundo Nonato Nogueira de Oliveira. Disponível em http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1370959544_ARQUIVO_AMARCHASOBREFORTALEZA_1962__Textorevisto.pdf
As lutas no Pirambu e por um
poder que venha do povo. Jornal O Povo
Disponível em https://www.opovo.com.br/jornal/paginasazuis/2017/04/as-lutas-no-pirambu-e-por-um-poder-que-venha-do-povo.html
A ESCOLARIZAÇÃO DA ALMA: A
EDUCAÇÃO POPULAR CRISTÃ, NO CEARÁ, ENTRE AS DÉCADAS DE 1950 E 1960, de Lídia
Eugenia Cavalcante* Universidade Federal do Ceará
Pirambu é bairro mais populoso
do Estado Disponível em < https://lidesealgomais.wordpress.com/2012/04/24/pirambu-e-bairro-mais-populoso-do-ceara/>