Lampião surgiu no cenário dos
sertões nordestinos em 1921, quando entrou para um grupo de cangaceiros que
aterrorizavam a população do sertão, comandados por Sinhô Pereira. O jovem
Virgulino Ferreira da Silva, de 23 anos, teria muito a aprender, ao assumir a
liderança do bando no ano seguinte, quando Sinhô Pereira, se retirou do cangaço
e abandonou o grupo.
Durante anos a figura de
Lampião, o rei do cangaço, que assaltava cidades e fazendas, promovia saques,
matava gado e gente e escapava da caçada empreendida pelas volantes, era presente
no imaginário das gentes simples do sertão e das autoridades. Até que dia esses
personagens ganharam rostos, aparências e vestimentas, graças a ousadia de
alguns fotógrafos, que adentraram a caatinga, em busca da confiança e das
imagens desses homens rústicos, famosos pela violência que empregavam nas suas
atividades ilegais.
No Ceará, o autor da façanha
foi o sírio Benjamin Abrahão Calil Botto, nascido em 1901, em Zahle (na época,
cidade na Síria e, atualmente, do Líbano), de acordo com familiares. Segundo o
próprio, havia nascido em Belém, local de nascimento de Jesus Cristo. Em 1915,
Benjamin desembarcou no Recife, fugindo do alistamento militar da sua cidade,
que recrutava soldados para a primeira Guerra. Passou a morar com parentes, que
atuavam no comércio de ferragens.
Depois de dois anos
perambulando pelo sertão, atuando como caixeiro viajante, ele se deparou com um
grupo de romeiros que ia a Juazeiro para receber a bênção de Padre Cícero. De
Juazeiro tinha conhecimento de que era um ótimo local para o comércio, e do
padre tinha ouvido falar nos milagres e no prestígio. Decidiu se juntar aos
romeiros e partiu para a cidade dos milagres. A presença do gringo, alto e meio
alourado no meio dos milhares de nordestinos, chamou a atenção do padre.
A beata Mocinha (Joana
Tertuliana de Jesus, secretária e tesoureira do padre Cícero) se aproximou, a
mando do padre, para saber de onde vinha o forasteiro. Foi aclamado quando
disse que vinha da Terra Santa. “Padre Cícero se dirige aos fiéis e diz: meus
amiguinhos, Benjamin que está aqui é conterrâneo de Jesus”. Bastaram 15 dias para Abrahão se
converter e ser nomeado secretário pessoal do padre.
A morte do padre em 20 de
julho de 1934, aos 90 anos de idade, deixou o sírio órfão. Todas as suas
atividades e seus conhecimentos decorriam da ligação com o padre Cicero. Benjamin
trabalhou para o padre Cicero entre 1917 e 1934, e após a morte deste, lançou-se
em nova profissão: a de fotógrafo. Para começar, filmou o enterro do padim e
ofereceu a filmagem a Ademar Albuquerque, que no mesmo ano fundou a Aba Film.
Depois, procurou a empresa fotográfica para um novo projeto: uma sessão de
fotos e um filme sobre Lampião e seu bando, que à essa altura já era notícia
até no "The New York Times". Adhemar Albuquerque forneceu a Benjamin equipamentos
e filmes, junto com as instruções de básicas de como utilizá-los.
Benjamin já conhecia Lampião
porque o cangaceiro havia visitado o Padre Cícero no Juazeiro, em 1926, no
polêmico encontro entre o padre e o cangaceiro que gerou muita controvérsia e
acusações de que o padre protegia bandidos.
Durante 18 meses Benjamin
perambulou pela caatinga, viajou pelo sertão de Alagoas, Bahia, Paraíba,
Pernambuco e Sergipe, e encontrou-se duas vezes com Lampião. O chefe dos
cangaceiros não apenas fez pose para a foto como chamou o bando de todo o
Nordeste para se reunir nas fotos. O fotógrafo Benjamin pode registrar vários hábitos dos cangaceiros, como a reza da missa de domingo, celebrada pelo próprio
Lampião, o almoço e a maneira de se vestirem e se comportarem. Revelou também
que Maria Bonita, devido a uma promessa não trabalhava aos sábados, domingos e
segundas-feiras. Fascinado por cinema e pela oportunidade de aparecer nas
telas, muitas vezes o próprio Lampião assumiu a direção da filmagem. O
resultado: Noventa fotos de qualidade
heterogênea e um filme de 35 mm (hoje restam 15 minutos dele na Cinemateca
Brasileira) em que Lampião é transformado em garoto propaganda da Bayer, que
patrocinou o filme.
Ao longo do ano de 1937, o
material produzido por Benjamin foi divulgado pelos Diários Associados. As
fotos e detalhes da vida no Cangaço foram divulgadas por diversos órgãos como o
Jornal O Povo, Diário da Noite, Diário de Pernambuco, e a revista o Cruzeiro. Nas
matérias escritas, sempre havia questionamentos sobre o fato de Lampião e seu bando
continuar solto, já que podiam ser encontrados para fotos e reportagens
As fotografias dos cangaceiros em poses que transmitiam orgulho e segurança irritaram o presidente Getúlio Vargas, fato que impulsionou o definitivo esforço de repressão que exterminaria os bandoleiros do sertão. Além disso, o documentário sobre Lampião foi apreendido. O filme foi exibido no Cine Moderno, em Fortaleza, em sessão exclusiva para autoridades policiais do Estado.
Benjamin Abrahão foi assassinado com 42 facadas, em Águas Belas, hoje Itaíba, no interior de Pernambuco, em 7 de maio de 1938. Saiu do bar rumo à pensão onde se hospedava quando as ruas principais da cidade ficaram às escuras. Foi atacado, gritou por socorro e seu amigo Antônio Paranhos foi ao seu encontro, mas foi detido pela voz de um desconhecido que o avisou “Arreda, cabra, que é encrenca”.
As hipóteses vão desde a
possibilidade de um crime passional até a de queima de arquivo, já que ele
sabia do envolvimento de autoridades com Lampião. Em sua missa de sétimo dia,
só estava presente o padre celebrante, Nelson de Barros Carvalho. Com seu jeito
malandro de ser, Benjamin Abrahão conviveu e ganhou a confiança de duas das
figuras mais notórias da história do Ceará: padre Cicero e Lampião.
A divulgação de fotos e a
propaganda sobre o Cangaço contribuiu para acirrar a perseguição aos
cangaceiros, e em 28 de julho, pouco mais de 2 meses depois da morte de Benjamin,
na grota de Angico, em Sergipe, o bando de Lampião foi cercado por uma força
volante comandada pelo tenente João Bezerra da Silva. Além de Lampião, foram
mortos sua mulher, Maria Gomes de Oliveira, conhecida como Maria Bonita, e os
cangaceiros Alecrim, Colchete, Elétrico, Enedina, Luiz Pedro, Macela,
Mergulhão, Moeda e Quinta-feira. Foram todos decapitados.
As cabeças decapitadas dos
cangaceiros, após exposição nas escadarias da prefeitura de Piranhas em
Alagoas, seguiram para a capital, Maceió. De lá, seguiram para Salvador, onde
ficaram no Museu Nina Rodrigues. Em 1969, as cabeças de Lampião e Maria Bonita
foram enterradas no cemitério Quinta dos Lázaros, na mesma cidade.
Fontes:
Lampião e outros cangaceiros sob as lentes de Benjamin
Abrahão<disponível em> https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?tag=padre-cicero
Benjamin Abrahão, Entre Anjos e Cangaceiros. Frederico
Pernambucano de Mello. Ed. Escrituras. 352 páginas.
Benjamin Abrahão, o homem que iludiu o sertão. <Disponível
em> https://blogs.oglobo.globo.com/prosa/post/benjamin-abrahao-homem-que-iludiu-sertao-482892.html
Jornal O Povo
Fotos: Brasiliana Fotográfica, O Globo, Aba Film