A tragédia já se anunciava
desde o ano anterior. O ano de 1876 foi chuvoso durante os três primeiros
meses, depois, de junho a dezembro, não caiu uma gota d’água. Em janeiro de
1877, apenas uma neblina e baixíssimos índices de pluviosidade nos meses
seguintes. Em março os sertanejos já estavam alarmados e em abril, perdidas as
esperanças de inverno, começou o êxodo de habitantes do sertão para o litoral.
O gado morria à falta de
aguadas, as lavouras se extinguiram e a provisão de viveres, conservada como
reserva de muitos sertanejos, pouco a pouco se esgotaram. De setembro em diante
a fome era geral, os socorros públicos, mal administrados, não chegavam regularmente
aos locais mais afetados. Quem possuía algum bem ou valor, desfazia-se dele em
troca de algum gênero de primeira necessidade.
As poucas aguadas, como açudes
e poços cavados nos leitos dos rios em épocas de chuvas, evaporaram-se. Mesmo
as pessoas consideradas mais abastadas, receosas de ficarem bloqueadas e sem
comunicação com o litoral, longe de qualquer auxílio, fugiram, abandonando suas
casas, animais e fazendas. O sertão virou um deserto.
O governo, totalmente
desarticulado, recusou enviar recursos para o interior, forçando desta forma, as
pessoas a procurarem o litoral. O êxodo tornou-se geral. Para Fortaleza,
Aracati, Sobral, Granja, Camocim e outros povoados, afluíram milhares de
pessoas. Em todos esses municípios, a população, de um dia para o outro, estava
multiplicada; e como faltasse casas para abrigar tanta gente, ficavam ao
relento, debaixo de árvores ou amontoados em sítios estreitos. As consequências
não demoraram: doenças, prostituição, vadiagem, saques, e todos os seus
efeitos, que se desenrolaram frente às cidades, antes tranquilas, agora em
estado de puro desespero.
O ano de 1878 chegou, e a
província continuava mergulhada no caos, mas com grandes esperanças que o ano
novo trouxesse de volta as chuvas que salvariam o Ceará. De janeiro a junho
caíram apenas 503 mm. A última chuva foi em 26 de junho. Depois dessa data, o
céu conservou-se sem nuvens, azul e límpido.
Perdidas as esperanças de
inverno, o abandono do sertão foi completo; vilas inteiras, lugares antes
prósperos, ficaram vazias ou com duas ou três casas habitadas, e estas mesmo
porque o governo, já mudado e melhor estruturado para lidar com o problema, envidara todos os esforços para
socorrê-las. (Júlio de Albuquerque Barros, foi presidente da província do
Ceará, de 08/03/1878 a 02/07/1880.
Fazendas de criação, com
200, 300 e 500 cabeças de gado, ficaram reduzidas a nada. Os fazendeiros que
tentaram a retirada do gado para o Piauí, acabaram perdendo para as moléstias,
furtos ou extravio. Pelas estradas morreram famílias inteiras de fome e sede, e
muitas que conseguiram atingir o litoral, chegaram tão fragilizadas, que caiam
agonizantes pelas calçadas e praças da capital e de outras cidades que
conseguiam chegar.
A emigração para o
Amazonas, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo foram incrementadas,
centenas e milhares de cearenses foram apinhados no convés de vapores e navios
que demandavam aquelas províncias, sem o mínimo de cuidados e sofrendo toda
sorte de privações.
Dos fins de 1878 até meados
de 1879, uma violenta epidemia de varíola atingiu proporções nunca vistas. Em
mais de um dia o número de vítimas na capital excedeu a 1000 pessoas. Muitos
mortos ficaram insepultos, não havia local nem quem realizasse os
sepultamentos. Havia então na capital cerca de 180 mil pessoas, 100 mil em
Aracati, e na mesma proporção, nas localidades próximas à Fortaleza, como
Pacatuba, Arronches, Granja e Camocim.
Havia esperança de que o ano de 1879 viria a por termo a tanto sofrimento, mas foi só mais um ano de terríveis provações. Como pouco ou nada restava no interior, a seca não teve grande repercussão. A atenção se concentrou na capital, nos auxílios do governo, na acomodação dos emigrantes, na busca de soluções.
A população ficara reduzida
talvez em um terço; cerca de 100 mil pessoas haviam falecido ou emigrado; o
governo gastara 72 mil contos, fora os subsídios da caridade particular. A
província ficou arruinada, sua principal atividade econômica, a criação do
gado, quase foi extinta; a população ficou dispersa e reduzida; a flora e a
fauna desapareceram em grandes áreas; só Fortaleza aumentou a população devido em
parte ao fluxo de emigrantes e ao desenvolvimento do comércio.
As esperanças se renovaram
com a chegada de 1880. Os dois primeiros meses foram desanimadores, o de março foi pouco chuvoso, em abril choveu bastante. A grande seca terminara.
Fonte: Documentos: Revista
do Arquivo Público do Ceará: Ciência e Tecnologia/Arquivo Público do Ceará, v 1
– 2005/Fotos Memorial da Democracia e ANPUR.