quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Tony's Bar e a Praia de Iracema dos anos 50

 

Nos anos 50 a Praia de Iracema já era reconhecida como área de lazer, com inúmeros restaurantes, bares, cabarés, boates e outros estabelecimentos ligados à prestação de serviços e à diversão. E os estabelecimentos se destinavam não só aos boêmios e noctívagos que enchiam as ruas do bairro, mas também aos frequentadores das praias e clubes das imediações.


Tony's Bar vizinho ao Iracema Plaza Hotel (foto Aba-Film/Arquivo Nirez)

Um desses estabelecimentos, bastante conceituado e bem frequentado era o Tony’s Bar, que também era restaurante e sorveteria. O proprietário era Antônio Montenegro Figueiredo, conhecido por Figueiredão, por ser alto e gordo. O dono do Tony’s era auxiliado por seu filho Marco Polo na gerência do lugar e costumava dirigir seu próprio carro, um modelo importado bastante antigo, que sequer tinha buzina. O Figueiredão afastava os pedestres que estavam no meio da rua, batendo na porta do carro, com a mão do lado de fora. Ninguém ignorava. Aos domingos o Tony’s tinha uma freguesia cativa para saborear o caldo que tirava a ressaca da farra da noite anterior.

Na década de 60 muitos cantores se apresentaram no Tony’s, que também funcionava como casa de shows e trouxe grandes atrações da época para a Praia de Iracema: Cauby Peixoto, Orlando Dias, Núbia Lafayette. O palco ficava do lado direito, vizinho ao Iracema PlazaHotel. Nas noites de shows o povo lotava a calçada do hotel em razão da proximidade com o palco do Tony’s. Memorável foi um show contratado pelo Tony’s em 1964, onde a atração era ninguém menos do que Roberto Carlos, então no auge do sucesso e do movimento denominado Jovem Guarda, do qual Roberto era o Rei. A casa ficou lotada rapidamente e não comportava mais ninguém. Então formou-se uma multidão nas imediações, que  assistiu ao show em pé, da calçada do hotel e da avenida em frente.  

  

Mas o Tony’s ficou conhecido por causa de um trágico assassinato ocorrido em suas dependências no ano de 1959. A vítima foi um jovem chamado Vicente de Castro Neto, conhecido frequentador da área. Na noite de sábado, Vicente de Castro esteve na boate Guarani, na Rua Barão do Rio Branco acompanhado de uma namorada, uma bonita aeromoça da companhia aérea Cruzeiro do Sul e mais um amigo gerente da Brahma. A boate ficava nos altos de um sobrado e era considerada um estabelecimento de luxo, com orquestra e mulheres bem-vestidas. Como todas as mesas estavam ocupadas, o trio ficou em pé, aguardando que surgisse uma mesa.

Palacete Guarany, nos altos, onde funcionou a boate Guarany

De repente a namorada assustou-se e reclamou que um homem lhe aplicara um beliscão nas nádegas. Vicente de Castro, temperamental e com fama de valentão, partiu para cima do atrevido que insultara a namorada, e disse “respeite mulher de homem”, em seguida aplicou-lhe um violento soco no rosto.

O homem que apanhou na cara se chamava Joaquim Romero de Frias, funcionário do Banco do Nordeste. No dia seguinte, o bancário foi esperar Vicente de Castro no Tony’s, porque sabia que era costume dele ir lá aos domingos. As 9 horas Vicente chegou em companhia de sua namorada de Fortaleza, estacionou sua camionete e foi comprar Coca-Cola no Tony’s. Ele subiu as escadas e se dirigiu ao balcão. Quando se virou para sair recebeu vários disparos com arma de fogo e já caiu sangrando. 

Os tiros foram desferidos pelo bancário Joaquim Frias. Um amigo de Vicente de Castro que presenciou o incidente, colocou o ferido em seu carro e levou-o para o SOS que ficava na Praça do Coração de Jesus. Mas ele já chegou morto. O crime alcançaria grande repercussão, ocasionando um dos julgamentos mais memoráveis de Fortaleza. Frias foi absolvido no primeiro júri – a defesa alegara legítima defesa – mas a promotoria apelou e no segundo julgamento o réu foi condenado. Cumpriu pena na velha cadeia pública da Rua Dr. João Moreira, que hoje abriga a Encetur.

O Tony’s Bar continuou em atividade por toda a década de 60; tempos depois surgiu no local a Boate Veleiro.   

No bairro Cais do Porto, na região da Praia do Futuro tem uma avenida chamada Vicente de Castro, mas não identificamos nenhuma relação de parentesco com a vítima de assassinato.

  

Publicação Fortaleza em Fotos/extraído dos livros A Praia de Iracema dos Anos 50/Jaildon Correia Barbosa/Sábado Estação de Viver/Juarez Leitão/blog Fortaleza em Fotos.com.br Fotos do Arquivo Nirez



segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Os Casarões do Centro

 

A maioria foi demolido, virou estacionamento. Casarões em perfeito estado, carentes de manutenção, é fato, mas perfeitamente recuperáveis. Uma mão de tinta, um remendo no piso, uma correção na fiação elétrica, uma atualizada nas instalações sanitárias, a conservação correta do teto, e pronto. A maioria dos poucos sobreviventes foram construídos em fins do século XIX/primeira metade do século XX. Os materiais empregados, eram importados (louças, pisos, telhas, madeiras, sacadas de ferro, azulejos etc.), e já não são mais empregados nas construções modernas. Tampouco existem peças de reposição disponíveis no mercado. As tintas também eram escassas pelo menos nas cores. Usava-se o cinza nas residências e amarelo nos prédios públicos.  


casarão da Família Gondim: demolido

segunda sede da Fênix Caixeiral: demolida 

Casarão da família de Joaquim Miranda, ultimamente Casarão dos Fabricantes: destruído num incêndio


Esses materiais de acabamento não eram produzidos no Ceará, daí a necessidade de importação deles. Aqui se fabricavam tijolos em quase todo o Estado, enormes, bem-feitos, ligados com massa de areia, cal de ostras e óleo de baleia quando em zonas de praia. Nessa arquitetura do tijolo, entretanto, verificou-se insistência do emprego da argamassa de barro e areia, cujos resultados tantas vezes negativos, punham em risco boa parte das obras, que se rachavam, ora sob o peso dos telhados, ora por acomodação do solo, ocado por formigueiros. Essa particularidade construtiva, comum em outras regiões do País, era notada pelos visitantes, que denunciavam as condições aparentemente pouco estáveis de igrejas, edifícios públicos e moradas de gente importante. Essa técnica de fabricação pode ter sido responsável pela perda de muitos imóveis antigos.  

A arquitetura também é típica daquele período, fachadas rebuscadas, com entalhes, relevos, pórticos, soleiras, lajes com pedra de lioz, importada de Lisboa. Os construtores eram verdadeiros artesãos, com figuras e acabamentos feitos à mão, caprichosamente desenhados, reproduzidas de plantas adquiridas no Velho Mundo. Os ornamentos internos falavam de seus moradores: políticos (sim, sempre foram ricos) ou homens em sua maioria enriquecidos com os lucros do algodão, das fazendas de café, e do comércio, portadores de títulos de nobreza, com título e brasão assinalados nas portas das residências.

Os belos casarões estão sumindo do centro de Fortaleza. O esvaziamento e a falta de novos empreendimentos ou propostas para requalificação da área, contribuem fortemente para essa cultura de apagar o passado. Para incentivar a recuperação e a ocupação, o governo municipal poderia conceder algum incentivo fiscal como a isenção de IPTU ou oferecer parceria na recuperação por um determinado período. Mas sem incentivo, sem interesse, sem valor comercial, muitas vezes produtos de heranças, com vários herdeiros, os imóveis acabam sendo demolidos. Mais fácil, mais barato, menos complicado.

Dos que ainda sobrevivem, ainda que só restem os traços da fachada está a antiga mansão da família Távora, em pleno centro da cidade na esquina das ruas Sena Madureira e Visconde de Saboia. Construído pelo coronel José Pacífico, rico cafeicultor da Serra de Baturité para sua filha Cândida. No velho casarão cinzento da Praça dos Leões nasceu o ex-governador Virgílio Távora, no dia 29 de setembro de 1929, filho de Carlota Augusta de Moraes (filha de Cândida) e do Dr. Manuel do Nascimento Fernandes Távora, militante do movimento tenentista do final da República Velha e plantador de café do Maciço de Baturité.


imagem Marciano Lopes
fachada do Solar dos Távora
a frente do imóvel é parcialmente encoberta por essa estrutura preta que piora a aparência e enfatiza o ar de decadência. 


A fachada como era comum às construções de fins do século XIX/início dos XX exibia inúmeras janelas guarnecidas de sacadas e portas de ferro. As linhas arquitetônicas eram exuberantes com figuras em relevo e arcos de meia volta.  A decoração interior do solar era das mais requintadas, com a utilização de objetos importados da Europa e do Oriente. Hoje, totalmente descaracterizado é utilizado em parte por uma loja de materiais de construção. A outra parte, inclusive a parte que contém um primeiro andar, está desativada e com a fachada preservada. As portas do andar inferior foram fechadas, talvez para evitar ocupações ilegais do imóvel.    

Outro imóvel de grande relevância histórica é o Palacete Carvalho Mota, na esquina das ruas Pedro Pereira com General Sampaio. O casarão foi construído em 1907 para residência da família do coronel Antônio Frederico de Carvalho Motta, comerciante ligado ao comércio de exportação presidente do Banco do Ceará, mais tarde Deputado Estadual; ocupou o cargo de 3° vice-presidente do Estado e chegou o ocupar o cargo de governador de 24 de janeiro a 12 de julho de 1912.



Palacete Carvalho Mota - imagem IPHAN




O palacete está situado na antiga Rua da Cadeia, atual General Sampaio esquina com a Pedro Pereira, em terreno medindo cerca de 700 m². Possui estilo eclético, numa mistura de elementos neoclássicos e art nouveau. Tem dois andares com janelas e portas em arco batido. A família ficou pouco tempo no local em razão de uma tragédia familiar.


Ao longo dos anos o palacete abrigou as instalações da IFOCS, posteriormente DNOCS, vindo a ser desocupado, apenas, ao final da década de 70 com a construção da nova sede da Diretoria Regional no Ceará. Em 1983, o imóvel foi restaurado com base em projeto elaborado pelo IPHAN, para a instalação do Museu das Secas, o qual abrigaria o acervo da instituição. Sem a devida manutenção o Museu das Secas que viria a ocupar uma área relativamente pequena do prédio, terminou por não ter condições de atender ao público que buscava visitá-lo. Ainda sobreviveu entre 1985 e 2004. Depois disso o prédio ficou desocupado, e desde então, está fechado. Hoje é um casarão triste e degradado.  

 

Fontes:

Mansões, Palacetes, Solares e Bangalôs de Fortaleza, de Marciano Lopes. ABC. Fortaleza.2000.

História Abreviada de Fortaleza e Crônicas sobre a Cidade Amada. Mozart Soriano Aderaldo. Fortaleza;/ UFC/Casa de José de Alencar, 1998.  

Virgílio Távora e a transição para o desenvolvimento do Ceará, de Juarez Leitão. Revista do Instituto do Ceará – 2013

Arquitetura no Ceará. O século XIX e algumas antecedências. José Liberal de Castro. Revista do Instituto do Ceará – 2014

http://www.fortalezaemfotos.com.br/2020/01/carvalho-mota-o-homem-por-tras-do.html

fotos acervo Fortaleza em Fotos