domingo, 27 de janeiro de 2019

Bairro do Papicu

fotos facebook - Google

Antônio Diogo de Siqueira, industrial ligado a diversas atividades econômicas no Ceará, adquiriu de seu genro Waldemiro Maia, uma grande gleba de terra, que compreendia a área limitada pelo Rio Cocó, por trecho do ramal ferroviário que se destinava ao Porto do Mucuripe e pelo Oceano Atlântico, do Mucuripe até a foz do Rio Cocó. Essa área em finais do século XIX representava uma enorme extensão de terras com finalidade agro-pastoril – local para criação de gado e salga de carne para exportação. A área tinha bom valor comercial pela existência de salinas.

Quando a lucratividade do negócio do gado começou a cair, a família Diogo vislumbrou a possibilidade de comercialização de grande faixa daquelas terras. Assim, na primeira metade do século XX, dois loteamentos foram lançados: o loteamento “Moderna Aldeota” situado onde hoje está a Avenida Santos Dumont, chegando à Avenida Engenheiro Santana Júnior e o bairro do Papicu, e outro loteamento junto ao Porto do Mucuripe, chamado "Praia do Futuro". O empresário Waldyr Diogo Vital Siqueira, filho de Antônio Diogo Siqueira, marcou o início da urbanização da região, com a primeira intervenção naquelas terras virgens através da construção da Estrada Dioguinho, ainda em 1949, que se tornou num marco de separação entre a Praia do Futuro e o Papicu.

Avenida Dioguinho, construída em 1949 - de um lado, Praia do Futuro; do outro, Papicu (foto Anuário do Ceará - 1979)

Até meados da década de 1960, a região do atual bairro do Papicu era uma extensa sequência de dunas – entrecortadas pelo Rio Cocó, por duas lagoas maiores, a do Papicu e a do Gengibre e várias outras, menores, temporárias. Nesse deserto de areias brancas e águas cristalinas, os soldados do quartel do 23º BC, praticavam tiro ao alvo e treinavam exercícios militares.

Hospital Geral à época da inauguração (foto: site do HGF)

O primeiro equipamento de porte a se instalar no loteamento "Moderna Aldeota" foi o Hospital Geral de Fortaleza, inaugurado em 23 de maio de 1969, com uma área construída de 15.000 m² e 200 leitos. Daquela época, os moradores mais antigos lembram que foi a Cialtra a primeira empresa de ônibus a interligar o HGF (antes denominado de INSS) a outros pontos da Capital cearense. A Lagoa do Gengibre ainda não tinha sido soterrada, e o Papicu ainda era contornado por uma densa vegetação e protegido por dunas gigantescas.

Cervejaria Astra/Brahma no Papicu - no entorno, dunas e lagoas
imagem facebook/LeandroMaia 

Logo depois instalou-se no bairro, a Cervejaria Astra, Empresa do Grupo J. Macedo, inaugurada em 1970, na Rua Lauro Nogueira, 1355. No ano seguinte, a Astra se associou à Brahma, que assumiu o controle acionário da marca. A instalação da cervejaria no Papicu trouxe benefícios ao local, pois para funcionar, tal indústria precisou de melhorias de infraestrutura no seu entorno, a fim de viabilizar suas operações. Entre essas melhorias, estão  abertura e pavimentação de ruas, a ampliação da rede elétrica, dentre outras. 



O terreno que pertenceu à cervejaria sendo preparado para receber o Shopping Rio Mar, com vista da lagoa e da favela do Pau Fininho. Fotos de 2012 - Fortaleza em Fotos

As instalações que serviram à cervejaria foram abandonadas e assim ficaram por longos anos, até serem implodidas em 2010, após o terreno ter sido vendido ao grupo econômico que construiu o Shopping Rio Mar no mesmo local

Mas o que deu ao bairro ares de endereço residencial foi a instalação do Conjunto residencial Cidade 2000, no ano de 1970. O conjunto foi construído com recursos do antigo BNH (Banco Nacional de Habitação), e inaugurado em 1970, numa região ainda despovoada, dividido em 46 quadras com duas alamedas cada uma, que levavam o nome de flores. A construção do loteamento destruiu dunas, aterrou várias lagoas, inclusive a do Gengibre - no período chuvoso as águas ressurgem no meio das ruas, assombrando os moradores, comprometendo a qualidade de vida e a segurança das moradias. 

A Cidade 2000 atraiu centenas de moradores para o local, povoou o Papicu com escolas, igrejas, linhas de ônibus, e pequenos comércios e motivou a realização das obras de prolongamento da Avenida Santos Dumont, que até então terminava no entorno do Hospital Geral. Em 1976, a Santos Dumont foi prolongada até a Avenida Dioguinho, na Praia do Futuro, para facilitar o acesso à Cidade 2000. 

Avenida Pontes Vieira, ao centro cruzamento com a Avenida Desembargador Moreira. A esquerda, o bairro Dionísio Torres: à direita, o São João do Tauape. Ao fundo, as salinas do Cocó e a Cidade 2000. Foto de Nelson F. Bezerra - 1973

Com essa facilidade de acesso, ocorreu uma expansão do sistema viário para o leste, e um acelerado processo de especulação imobiliária, abrindo-se novos loteamentos, sem nenhum acompanhamento do poder público municipal, e sem nenhuma infraestrutura, construindo-se residências de alto padrão em grandes lotes.

No início dos anos 80, o Papicu ganhou sua primeira favela, a comunidade do Pau Fininho, parte dela instalada na Área de Preservação Permanente – APP do Papicu. Trata-se de um conjunto de moradias precárias, sem esgotamento sanitário ou abastecimento de lixo, localizadas às margens da lagoa. A comunidade é constituída por cerca de 622 famílias, totalizando 1.861 pessoas.



Mas a região onde se localiza o Papicu é uma das que mais cresceram em face da especulação imobiliária.  O fenômeno que explicaria a grande movimentação imobiliária no Papicu estaria, em parte, no apelo do verde, e por outro lado, a existência de muitos terrenos vazios. A aproximação com o Parque do Cocó implica numa valorização do metro quadrado, que tem se aproximado de valores das demais áreas nobres da cidade. Embora haja uma predominância de construções com fins residenciais, houve também uma expansão da oferta de serviços e comércios, fazendo com que o lugar se tornasse ainda mais atraente para diferentes segmentos sociais.


O bairro Cidade 2000 foi criado oficialmente no dia 1° de julho de 2009, através do Decreto Legislativo n° 382.


Fontes:
Revista do Instituto do Ceará – As múltiplas facetas de um marchante: a vida empresarial de Antônio Diogo de Siqueira de Carlos Negreiros Viana 09/2009.
Uso e Ocupação do Solo  Futuro da Praia do Futuro – Dissertação de Mestrado Pedro Itamar de Abreu Júnior – UFC/Prodema 2005
Jornais O Povo e Diário do Nordeste
IBGE - Wikipedia - 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Jacarecanga e Benfica – Os Primeiros bairros elegantes de Fortaleza


Na Fortaleza de hoje temos os bairros do Meireles, Aldeota e alguns emergentes como Cocó, Guararapes e Lourdes como os mais valorizados e consequentemente, os mais elegantes da cidade, já que esse atributo – elegância – sempre esteve ligado, primordialmente, ao poder aquisitivo dos moradores e ao alto padrão das edificações.
Mas no início do Século XX, outros bairros detiveram esse status de “mais elegantes”, levando em conta os mesmos parâmetros usados hoje.



fotos Fortaleza em Fotos

Tudo começou quando o Centro da cidade, então local de moradia das classes mais abastadas, se afirmava como núcleo comercial e administrativo, e as elites elegeram novos espaços para construírem suas residências. Essa dinâmica foi possível graças ao surgimento do automóvel como meio de transporte daquele segmento da sociedade, que facilitou a mobilidade e possibilitou o surgimento dos dois primeiros bairros elegantes de Fortaleza: O Jacarecanga e o Benfica.

O Jacarecanga localizado na zona Oeste da cidade, próximo à área central, nasceu nas proximidades do riacho do mesmo nome, onde se aglutinaram em sobrados, os representantes das elites comercial e agrária, tornando-se um local privilegiado, com mansões e chácaras com plantas e fachadas copiadas de revistas e publicações especializadas europeias.  A partir do cruzamento com a Avenida Imperador, a Travessa Municipal formava um corredor diferenciado pelo seu conjunto de luxuosas residências. Era o início do bairro. A continuação da Travessa Municipal, depois Rua Guilherme Rocha é a atual Avenida Francisco Sá, antiga Avenida Demóstenes Rockert.   


Uma das mais suntuosas residências do Jacarecanga, foi construída em 1924, planta copiada de um imóvel de Portugal, em estilo art-nouveau, para moradia de Thomaz Pompeu Sobrinho. Tem 38 cômodos em quatro andares feitos com materiais importados da Europa. Tem porão habitável, salão de festas, quartos e salas com as dimensões de alguns apartamentos atuais. imagem Fortaleza em Fotos

Na Avenida Philomeno Gomes ainda resiste a residência da família do advogado Raimundo Pinheiro de Melo. Construída em 1920, é cópia de uma casa da Normandia, obtida de uma revista francesa. A casa continua praticamente inalterada, exceto o alto muro de proteção que hoje ostenta. A outra casa visível, uma mansão de três andares, era a moradia do empresário do ramo de transportes, Oscar Pedreira. Foto Arquivo Nirez

Na Rua Guilherme Rocha,1055, erguia-se um dos mais importantes símbolos dos tempos de fausto do Jacarecanga: a Itapuca Villa. Cercada por imenso jardim, com gradis artísticos, a vila foi erguida com dois pavimentos, copiados das construções inglesas, na Índia. A edificação tinha um vistoso trabalho em madeira: na parte superior existiam imensas varandas com circulação livre. Na edição de O Povo, de 11/11/1989, era noticiada a demolição do imóvel que se encontrava em ruínas. A Itapuca Villa pertencia ao comerciante Alfredo da Rocha Salgado. 
 Imagem: óleo sobre tela do artista plástico Tarcísio Garcia

na esquina da Praça Gustavo Barroso (Praça do Liceu) com a Avenida Philomeno Gomes, ficava a casa da família do advogado e professor Luiz Moraes Correia e Dona Esmerina. Depois que a família deixou o imóvel funcionou no local uma repartição pública.  Suas duas fachadas de ornamentos, sacadas e escadas, com tantos elementos decorativos não foram respeitadas pelas picaretas do progresso: a casa foi demolida para construção de um galpão. Foto Arquivo Nirez

Hoje, a maioria das residências construídas no período do apogeu, foi demolida,  descaracterizada ou se encontra em precário estado de conservação. O Jacarecanga perdeu sua condição de área nobre a partir de meados do século passado, quando a sua avenida principal, a Avenida Francisco Sá, começou a ser ocupada por uma série de indústrias de transformação e com a instalação do ramal ferroviário e das oficinas da Rede Viação Cearense. Os novos equipamentos atraíram vizinhos de menor poder aquisitivo, que se alojaram em vilas operárias ou ocuparam irregularmente as terras situadas entre a principal avenida do bairro e a zona litorânea, dando origem ao que viria ser a maior favela de Fortaleza, o Pirambu.


Imóvel na Avenida Francisco Sá (imagem Fortaleza em Fotos)

Quase que ao mesmo tempo em que o Jacarecanga se firmava como bairro dos ricos, o Benfica, bem mais distante do centro, também passou a ser cobiçado pelos que desejavam fugir do então agitado centro de Fortaleza. Antes da formação do bairro, o local era conhecido por sitio Benfica,  localizado na Estrada de Arronches, fora dos limites urbanos de Fortaleza. Começou a ser valorizado quando uma epidemia de cólera-morbus assolou a cidade. Devido a distância do núcleo urbano, as terras do sítio foram consideradas aptas para resolver o problema de abastecimento de água, por estarem distantes de qualquer foco de contaminação dos cemitérios e por contar com inúmeras fontes de águas limpas.

Igreja dos Remédios foto Arquivo Nirez

Em 1878, com o Benfica ainda com uma ocupação insipiente, foi iniciada a construção da primeira igreja do lugar, a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Mas quem verdadeiramente iniciou o processo de ocupação e desenvolvimento do Benfica foi o banqueiro e empresário José Gentil Alves de Carvalho, que em 1909, adquiriu de João Antônio Garcia, uma chácara localizada na Avenida Visconde de Cauípe (atual Avenida da Universidade), que remodelada em 1918, perdeu as feições rurais e virou palacete.



Casal José Gentil e Dona Melinha com seus 15 filhos em frente a casa antiga da chácara - 1909
e o Palacete de 1918, atualmente ocupado pela reitoria da UFC, proprietária do imóvel.  Fotos Arquivo Nirez 

Em torno da construção principal, José Gentil loteou terrenos e construiu uma vila moderna e aprazível, amplamente arborizada, com residências dotadas de esgoto e água encanada, que recebeu o nome de Gentilândia. Boa parte das construções do Benfica e da Gentilândia viriam a ser incorporadas ao patrimônio da Universidade Federal do Ceará.


Antigo prédio do Colégio Santa Cecília, na Avenida da Universidade, que foi adquirido e demolido pela UFC - acervo do MAUC

Na década de 1950, quando as famílias mais ricas estavam de mudança para a zona leste da cidade, e os imóveis estavam sendo colocados à venda, o palacete da família Gentil foi adquirido pela Universidade Federal do Ceará, que havia sido criada em dezembro de 1954, e estava se instalando em Fortaleza. Depois da aquisição do casarão dos Gentis, a Universidade comprou vários outros imóveis ao longo da principal avenida.


Rua N. S. dos Remédios - imagem Fortaleza em Fotos

A chegada da Universidade ao Benfica em 1956, repercutiu sobre o espaço físico natural e construído do bairro. Muitos imóveis de belíssimas arquiteturas que poderiam ter sido preservados, não o foram, e muitas árvores foram abatidas, inclusive para  construção da Concha Acústica, inaugurada em 1959. 


Fontes:
Lira Neto. História Urbana e Imobiliária de Fortaleza: uma biografia sintética/Lira Neto, Cláudia Albuquerque – 1ª ed. – São Paulo: Editora Braba, 2014.
Revista Universidade Pública ano 8 n° 45 – Set/Out 2008.