quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Jovita Feitosa a Heroína que (não) foi ao Paraguai


Antônia Alves Feitosa (Jovita era apelido caseiro) nasceu no Ceará, na localidade de Brejo Seco, região dos Inhamuns, em 8 de março de 1848. Aos 12 anos, ficou órfã de mãe, vítima de uma epidemia de cólera, e foi morar com um tio, na Vila de Jaicós, no Piauí. Aos 17 anos de idade, fugiu para Teresina, com o propósito de ir lutar na Guerra do Paraguai.


Ao tomar conhecimento da invasão de Mato Grosso, pelo exército de Solano López, Jovita decidiu se alistar no corpo de Voluntários da Pátria. Como ouviu dizer que mulheres não eram aceitas no Exército, cortou os cabelos, amarrou os seios com uma cinta, vestiu as roupas do tio e seguiu para se alistar em Teresina. Foi descoberta por uma feirante e denunciada.

Jovita foi presa e levada ao chefe de polícia. Interrogada, declarou que vestiu-se com roupas masculinas porque as pessoas a quem declarava sua intenção diziam-lhe que, como mulher não poderia se alistar no exército. E então, como fosse grande o desejo que tinha de lutar na guerra, cortou seus cabelos com uma faca, pedindo depois a uma mulher que os aparasse bem rente, tomou roupas de homem e foi assim apresentar-se ao Exmo. Sr. presidente da província, e rogou-lhe que a mandasse alistar como voluntária da pátria. Alegou ainda que sabia usar armas e estava disposta a aprender o que lhe fosse ensinado.  

Como não havia norma que proibisse, o comando militar piauiense não apenas a aceitou nos treinamentos, como lhe deu divisas de primeiro sargento. Passou a usar farda com saiote. O governo e o comando militar do Piauí logo perceberam que  a jovem poderia ser explorada como instrumento de propaganda pelo Império, como forma de incentivar a apresentação espontânea de voluntários. A notícia da jovem nordestina que havia se alistado no exército voluntariamente, logo se espalhou pelo país.

O navio que levava os novos combatentes do Piauí ao Rio de Janeiro, fez escala em Recife e Jovita foi recebida como hóspede de honra pelas autoridades locais, que organizaram um espetáculo de boas-vindas no teatro Santa Isabel. Por onde andava, ela arrastava atrás de si um cortejo de gente curiosa para vê-la. Os fotógrafos colocavam à venda retratos da voluntária, enquanto os jornais estampavam matérias sobre a jovem heroína. Ao chegar ao Rio de Janeiro, em 9 de setembro de 1865, Jovita já era uma celebridade.


Porém, em 16 de setembro de 1865, foi informada pelo Ministério da Guerra de que não poderia integrar o corpo de combatentes, mas sim, como qualquer outra mulher, poderia prestar os serviços compatíveis com a natureza do seu sexo. Jovita e seus apoiadores tentaram de todas as maneiras revogar a ordem. Em 18 de setembro de 1865, ela foi recebida pelo próprio imperador D. Pedro II. Mesmo assim, não conseguiu seu intento. O Secretário da Guerra sentiu-se obrigado a escrever a ela uma carta em que explicava que a sua compleição e o seu sexo eram o motivo para não poder suportar as fadigas de uma campanha.

Jovita recusou-se a ir para o Paraguai como enfermeira. Pouco a pouco, os jornais deixaram de se interessar por ela. Seus apoiadores organizaram um espetáculo beneficente para custear seu retorno ao Piauí. Meses depois, ao chegar à pequena vila de Jaicós, seu pai a recebeu friamente. Desgostosa, sem conseguir se encaixar novamente no mundo de onde viera, ela voltou ao Rio de Janeiro. Sozinha e sem trabalho.

Jovita caiu no anonimato e só voltou às páginas dos jornais dois anos depois. Em 9 de outubro de 1867, ela teria ido até a casa do engenheiro inglês William Noot, por quem era apaixonada, para confirmar a notícia de que ele havia voltado para a Inglaterra. No final da tarde, foi encontrada sem vida no quarto do amante; tinha "implantado obliquamente da esquerda para a direita e de cima para baixo, na região precordial, um canivete em forma de punhal, com cabo de madrepérola". No bolso do vestido de sarja preta que usava, havia um bilhete com esses dizeres: "Não culpem a minha morte a pessoa alguma. Fui eu quem me matei. A causa só Deus o sabe". Jovita contava 19 anos de idade.

Três dias depois, o Diário do Rio de Janeiro assim descrevia o enterro de Jovita: "Essa moça que tanto entusiasmo causou na província do Piauí e aqui na Corte, que tanto dinheiro deu a ganhar aos fotógrafos que com ela se empenharam para tirar-lhe o retrato e expô-lo à venda, ela que foi aclamada no teatro São Pedro de Alcântara, em uma noite quando apareceu em um dos camarotes vestida de vivandeira, seria ontem atirada na vala do cemitério do Caju, se uma mão benfazeja e caridosa não se estendesse a diversas pessoas implorando uma esmola para dar-lhe um enterro pobre em cova separada".

Mas existe outra versão: Jovita teria vivido um romance com o engenheiro Guilherme Noot, cuja casa pegou fogo em outubro de 1867. Dentro foi encontrado um corpo de mulher carbonizado, com um punhal encravado no peito. Jornais informaram que seria Jovita. Conforme as notícias, cometeu suicídio ao saber que Noot retornaria à Europa. Nunca ficou claro como reconheceram o corpo carbonizado e depois se soube que o engenheiro jamais tinha saído do Rio. Havia perguntas não respondidas, mas o assunto foi deixado para lá.

Há também quem garanta que o desfecho talvez tenha sido outro. Em outubro de 1865, Jovita escreveu carta publicada na imprensa na qual agradeceu ao carinho popular e informou que retornaria ao Piauí. Mas, tinha outros planos. Contou a Noot que pediria ao cabo Euzébio, que conhecera na viagem ao Rio, para levá-la ao front de batalha como sua mulher. Prestaria serviços de vivandeira, ajudaria com os feridos e cuidaria das coisas de Euzébio. Não há registros de que realmente tenha ido. Todavia, havia uma mulher combatente em campos paraguaios. Atirava bem, matava sem hesitar. Na maior parte do tempo, dedicava-se ao cuidado dos feridos, a quem levava para a brava enfermeira Ana Néri. Quando o cabo que a levou como companheira morreu, tomou a farda dele, manteve o cabelo cortado bem rente e passou a guerrear. Na batalha de Acosta Ñu, em agosto de 1869, a brava mulher morreu em um incêndio. Era chamada Maria ou, por vezes, Florisbela. Ou seria Jovita?

Sobre a Guerra do Paraguai

Solano López

A Guerra do Paraguai foi o maior conflito armado internacional ocorrido na América do Sul no século XIX. Rivalidades platinas e a formação de Estados nacionais deflagraram o confronto, que destruiu a economia e a população paraguaias. É também chamada Guerra da Tríplice Aliança.
A Guerra do Paraguai durou seis anos. Teve início  em dezembro de 1864 e só chegou ao fim no ano de 1870, com a morte de Francisco Solano Lopez em Cerro Corá. Desde sua independência, os governantes paraguaios afastaram o país dos conflitos armados na região Platina. A política isolacionista paraguaia, porém, chegou ao fim com o governo do ditador Francisco Solano López.
Em 1864, o Brasil estava envolvido num conflito armado com o Uruguai. Havia organizado tropas, invadido e deposto o governo uruguaio do ditador Aguirre, que era líder do Partido Blanco e aliado de Solano López. O ditador paraguaio se opôs à invasão brasileira do Uruguai, porque contrariava seus interesses.
Como retaliação, o governo paraguaio aprisionou no porto de Assunção o navio brasileiro Marquês de Olinda, e em seguida atacou a província de Mato Grosso. Foi o estopim da guerra. Em maio de 1865, o Paraguai também fez várias incursões armadas em território argentino, com objetivo de conquistar o Rio Grande do Sul. Contra as pretensões do governo paraguaio, o Brasil, a Argentina e o Uruguai reagiram, firmando o acordo militar chamado de Tríplice Aliança.

Não existindo mais homens adultos, crianças foram mandadas para a frente de batalha (Autor desconhecido. 1870). Estima-se que 4 mil crianças paraguaias perderam a vida durante a guerra. (Foto rede Brasil atual)

Antes da guerra, o Paraguai era uma potência econômica na América do Sul. Além disso, era um país independente das nações europeias. Para a Inglaterra, um exemplo que não deveria ser seguido pelos demais países latino-americanos, que eram totalmente dependentes do império inglês. Foi por isso, que os ingleses ficaram ao lado dos países da tríplice aliança, emprestando dinheiro e oferecendo apoio militar. Após este conflito, o Paraguai nunca mais voltou a ser um país com um bom índice de desenvolvimento econômico.

Sobre o Alistamento Militar Voluntário

No início do confronto o Brasil não tinha efetivos suficientes para a guerra, o Exército contava com 18 mil soldados, enquanto o Paraguai possuía perto de 100 mil combatentes. No primeiro ano de guerra teve um grande número de voluntários que se apresentaram espontaneamente, movidos pela chama nacionalista e as notícias sobre a invasão paraguaia, que estimulou a união e o amor ao país contra a agressão estrangeira.
Nos anos seguintes, com as notícias da dureza das batalhas, das baixas (mortos, feridos e mutilados), da alimentação precária, das baixas temperaturas, dos surtos de gripe e varíola, o número de voluntários foi drasticamente reduzido. O governo então iniciou uma verdadeira caça a pessoas para forçá-las a ir para a guerra. Esse recrutamento violento atingiu em cheio a população pobre, uma vez que a lei permitia que os recrutados pudessem ser substituídos (por escravos ou índios), ou dispensados mediante o pagamento de 400 mil réis, uma quantia acessível apenas à elite.
Estabeleceu-se um clima de terror na província. Acontecia um verdadeiro sequestro, no qual o sertanejo era algemado, preso e conduzido para Fortaleza e embarcado para o Sul, sob severa disciplina e castigos corporais. As convocações convulsionaram o Ceará, pois os recrutáveis fugiam e escondiam-se nas serras e matas. Senhores proprietários de escravos ocultavam seus negros e agregados para não perde-los para a guerra. Desorganizou-se a produção, pois as arregimentações tiraram os braços necessários à cafeicultura e à rentável lavoura de exportação do algodão (o ano de 1860 marcou o auge da cotonicultura cearense.)
A agricultura de subsistência foi igualmente atingida e em 1867 Fortaleza sofreu uma séria crise de abastecimento. Os trabalhadores ou estavam no Paragui, ou fugindo da caça governista. As autoridades cearenses eram pressionadas tanto pelo Império, que desejava cada vez mais soldados, como pelos latifundiários, que não aceitavam a perda de mão-de-obra.   

Fontes:
Farias, Airton. História do Ceará/Airton de Farias. Fortaleza: Edições Livro Técnico, 2009-5ª. Edição. 400p.