Mal Pero Coelho de Souza havia
se retirado da região, derrotado pelos ataques indígenas e pela violenta
estiagem que ainda assolava a capitania do Siará Grande, quando em janeiro de
1607, dois religiosos portugueses da ordem dos jesuítas, se assentaram na
capitania, dispostos a conquistar os indígenas, não pela força das armas, mas
pelos ensinamentos cristãos. Os padres Francisco Pinto e Luís Figueiras tinham
o Maranhão como destino, onde pretendiam enfrentar os franceses e organizar uma
missão religiosa da Companhia de Jesus, destinada a catequizar os nativos.
Vindos de Pernambuco e tendo
desembarcado em Mossoró, os dois religiosos acompanhados de cerca de 70 índios
cristianizados, caminharam até as dunas do Mucuripe, onde se estabeleceram
depois de fazerem as pazes com um morubixaba de grande prestígio na região, o
famoso chefe Amanai, nome que os historiadores traduziam por Algodão. Pregando habilmente
os ensinamentos cristãos, converteram inúmeros selvagens e, auxiliados por
eles, fundaram aldeamentos juntos às tribos dos Aratanhas, Caucaias e Parangabas,
dando início ao núcleo de evangelização que serviriam de base para pequenos
povoados nas imediações da futura cidade de Fortaleza.
Fundaram no seio das tribos das
redondezas, que acampavam às margens de lagoas ou na aba das serras próximas,
quatro aldeias ou reduções que ainda hoje figuram na toponímia local:
Pitaguari, na Aratanha, Caucaia, Paupina e Parangaba, antigos aldeamentos, hoje
integrados à Fortaleza ou à sua Região Metropolitana.
Os aldeamentos representaram
uma forma diversa de violência, às vezes mais sutil, mas não menos prejudicial
à integridade dos povos indígenas. Os missionários, imbuídos da necessidade de
ensinar aos nativos a verdadeira religião cristã, escandalizavam-se com os
hábitos e costumes locais, que incluíam as práticas pagãs, a nudez, a
poligamia, encaradas como satânicas e pecaminosas. Deu-se então o inevitável
confronto entre duas culturas desiguais.
Os jesuítas não entendiam que
a relação dos nativos com a terra era bem diferente da visão mercantilista do
mundo europeu. A maioria dos indígenas recusavam a delimitação da área do
aldeamento, e ao trabalho de cultivar a terra, preferindo a liberdade natural
de rios e matas.
Findos os trabalhos e deixando
essas reduções funcionando, os dois sacerdotes deixaram essas reduções e continuaram
sua marcha onde chegaram à Serra Grande ou Ibiapaba, reduto dos índios Ipus.
Depois subiram a serra e fizeram
contato com os índios da nação dos Tabajaras, que os apelidaram abaúnas (homens
pretos). Os jesuítas encontravam-se no seio da maior taba daquelas paragens,
espécie de capital das nações indígenas, aliadas aos franceses que haviam
enfrentado as tropas de Pero Coelho de Souza em 1604, e sido derrotados.
A indiada, ainda ressabiada com a derrota, recebeu-os com grande desconfiança, olhando com descrédito aqueles homens vestidos de preto e palavras mansas que lhe falavam de um Deus desconhecido. Alguns franceses que ainda permaneciam no meio dos gentios, os incitavam às escondidas contra os religiosos. Todavia, estes conseguiram com grandes esforços erigir uma capela, onde rezavam missa, pregavam e batizavam.
Da mesma forma que ocorreu com
Pero Coelho, a história não acabou bem para os dois jesuítas. Padre Francisco
Pinto foi flechado e morto a golpes de tacape em janeiro de 1608, enquanto
rezava uma missa na capela que ajudara a construir na Ibiapaba. O padre Luiz Figueira escapou do ataque, e
ajudado por alguns indígenas, varou os sertões inóspitos, alcançou as aldeias
do litoral, onde o foi acolhido pelo chefe Algodão. O padre continuou sua
missão evangelizadora até 1637, quando também foi morto por indígenas na
Amazônia.
Fontes:
História urbana e Imobiliária
de Fortaleza, de Lira Neto e Cláudia Albuquerque.
À Margem da História do Ceará, de Gustavo Barroso
imagens da Internet