segunda-feira, 9 de setembro de 2024

A Saga dos Judeus no Ceará


Historiadores contam que a origem de muitas famílias que vivem no Ceará, pode ser judaica. Quando os reis católicos Fernando e Isabel unificaram o Reino da Espanha em 1492, expulsaram de suas terras os judeus que viviam na Península Ibérica, denominados Sefarditas. Os judeus espanhóis fugiram para diversos países, inclusive Portugal. Neste país, os judeus que desejassem permanecer, tinham de se converter ao catolicismo, através de um édito baixado pelo Rei Dom Manuel. Os judeus recém-batizados passaram a ser chamados de cristãos-novos.


família judia (imagem site da rádio universitária)

Um grande contingente desses cristãos-novos veio para o Brasil. Muitos continuaram a praticar secretamente os ritos judaicos, e não abandonaram a cultura dos antepassados, por isso sofriam discriminação. Outros absorveram totalmente o Catolicismo, mas nem assim escaparam das perseguições.

O Nordeste acolheu boa parte dos que emigraram para o Brasil, especialmente os Estados de Pernambuco e Paraíba. Um dos casos mais notórios é o de Branca Dias, nascida em Portugal, filha de pais judeus convertidos à força ao cristianismo. Branca Dias veio para o Brasil após ser denunciada em Portugal por praticar ritos judaicos,

No Brasil, Branca e seu marido, Diogo Fernandes Santiago, atuaram no ramo da cana-de-açúcar, com engenhos na região entre a Paraíba e Pernambuco. Branca formou uma família numerosa no Brasil e é considerada uma das primeiras professoras do Brasil - ela construiu uma escola para meninas e ministrava aulas de alfabetização.

Branca e Diogo Fernandes fundaram uma sinagoga em Camaragibe e lá se reuniam os criptojudeus da região. Muitas famílias cearenses são descendentes deste casal, sobretudo, comprovadamente, os provenientes de Agostinho de Holanda, um dos filhos do fundador da família, casado com uma neta de Branca Dias, Maria de Paiva.  

Após a morte de Branca Dias, o Brasil recebeu a primeira visita da Inquisição e a perseguição voltou a cair sobre sua família. Várias de suas filhas foram acusadas de “judaizar” condenadas a penas de prisão, multa e penitências espirituais. Após esta última devassa, os membros da família de Branca Dias se separaram e dividiram-se pelo Brasil.


A Inquisição Portuguesa ou Tribunal do Santo Ofício, foi uma instituição da Igreja Católica que atuou em Portugal a partir de 1536. Tinha como objetivo combater desvios da fé católica, em especial as práticas religiosas dos judeus recém-convertidos ao cristianismo e dos seus descendentes.


Sabe-se ainda que, muitos judeus que moravam no Recife vieram para o Ceará, quando representantes do Tribunal da Santa Inquisição de Portugal visitaram Olinda em 1594. Os judeus conseguiram uma grande infiltração nesse Estado, sobretudo nos lugares próximos ao litoral, propícios à cultura de cana-de-açúcar.

O Ceará, talvez por sua pequena população, pobreza de recursos e desinteresse dos inquisidores foi deixado à margem, enquanto Pernambuco e Paraíba receberam inúmeras visitas de representantes do Santo Ofício. Contribuiu este esquecimento das terras cearenses pela Inquisição, para incrementar as transferências disfarçadas de numerosas famílias cripto-judaicas, de outros Estados do Nordeste para o Ceará. Uma família paraibana teve 29 pessoas presas pela inquisição e levadas à Portugal. Uma mulher dessa família transferiu-se para o Ceará e casou-se com um cristão-velho.

(Há menções de historiadores de que o Ceará recebeu várias visitas de inquisidores do Santo Ofício, mas estas não estavam relacionadas aos judeus ou aos seus ritos, e sim a outras infrações consideradas graves como, negação de fé, bigamia, homossexualidade, adultério e outros).    

Com a conversão forçada, em razão da perseguição, muitos trocaram de sobrenomes para esconder a origem judaica. Os antigos registros feitos pelas igrejas estão repletos de documentos sobre as migrações de famílias, com seus sobrenomes originais, típicos dos povos da raça discriminada: Fonseca, Rego, Brito, Henrique, Nunes, Mesquita, Rosa, Antunes, Pinto, etc.

Os cristãos-novos encontrados no Ceará são de segunda, terceira geração. Um dos casos mais citados é o de Josefa Maria dos Reis, nome disfarçado de uma integrante da família Fonseca Rego, filha de cristãos-novos residentes na Paraíba, que foram condenados a hábito e cárcere perpétuo em 1731. O hábito perpétuo significava que o apenado seria obrigado a usar, pelo resto da vida, uma espécie de avental amarelo, com uma estrela de David. O aparecimento em público de alguém usando esse avental, era motivo de insultos e escárnios e as vezes até do emprego de violência.

A Josefa, acima mencionada, ainda criança deixou a Paraíba e foi trazida para a Vila de Aquiraz, no Ceará. Aqui se casou com o sergipano António de Freitas Coutinho, que chegou ao posto de alcaide, um cargo administrativo relevante no Brasil colonial. Ela viveu a maior parte da vida na pequena Vila da Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, que daria origem, mais tarde, à cidade de Fortaleza, atual capital do Ceará.

No Ceará, a perseguição antissemita seguiu os critérios de identificação que já eram usados em outros lugares. Como os cultos não eram abertos, e realizados de forma muito discreta, os denunciantes buscavam evidências para apontar a prática religiosa proibida. Para isso usavam de artimanhas, como convidar a família suspeita para almoçar, e servir carne de porco; se não comesse, era um indício; outra evidência, de acordo com os documentos, era o hábito de preparar a carne com bastante cebola e azeite – e não com banha de porco, como era costume à época, uma vez que judeus não consomem carne suina; outros foram denunciadas por se recusarem a trabalhar aos sábados (dia santificado do Judaísmo). E houve algumas denúncias por usos que fazem parte da rotina diária até hoje, como o hábito de varrer a casa da frente para trás – da porta para o quintal – um hábito de origem judaica.

As denúncias, muitas vezes, vinham de dentro da própria casa, partindo de amigos e parentes. As suspeitas eram comunicadas aos representantes diretos do tribunal, que gozavam de todo o poder e prestígio da Inquisição. Eram os “familiares”, nome dado aos civis que colaboravam com a Inquisição e agiam como espiões e denunciantes. Um dos casos mais famosos foi do militar português Antônio Borges da Fonseca, radicado em Pernambuco, que por mais de uma vez viajou à Paraíba para prender cristãos-novos por práticas religiosas. Foi recompensado com cargos políticos: foi governador da Paraíba, e seu filho Antônio José Victoriano Borges da Fonseca foi governador do Ceará, entre 1765 e 1782. A atuação de “familiares” como Borges da Fonseca formou as bases do funcionamento da Inquisição no Brasil.

Os cristãos-novos, em sua maioria integraram-se ao catolicismo e mudaram de sobrenomes para se tornarem invisíveis aos olhos de seus perseguidores.  


Fontes: Revista do Instituto do Ceará. Os Cristãos Novos na Formação da Família Cearense. Vinicius Barros Leal. 1975.    

https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2023/07/06/inquisicao-no-brasil-como-o-tribunal-do-santo-oficio-perseguiu-brasileiros-por-seculos.ghtml 


segunda-feira, 2 de setembro de 2024

A Praça do Ferreira no Tempo do Café Java

 

Praça do Ferreira atual

Os cafés eram uma tradição do centro da cidade: ponto de encontro de intelectuais, poetas, seresteiros e da população masculina em geral. Não era um espaço destinado às mulheres. Nos cafés se debatiam os assuntos que impactavam a cidade, os acontecimentos políticos e sociais, os últimos lançamentos literários, e até assuntos menos nobres, como a vida alheia. As vezes se acertavam diferenças e se confrontava as divergências. Servia-se café, aluá, licor, cachaça, vinho, refresco, caldo de cana, e o que mais fosse procurado.

Os cafés da Praça do Ferreira foram uma espécie de precursores desse tipo de ambiente eclético. Eram quiosques de madeira artisticamente trabalhada, ocupavam os quatro cantos da Praça do Ferreira e foram construídos em fins do século XIX. 


Café Java, famoso pelo proprietário Mané Coco e pela Padaria Espiritual

O pioneiro foi o Café Java, localizado na esquina noroeste da praça, famoso por ter acolhido a Padaria Espiritual, grupo de intelectuais de caráter inovador, organizado sob o comando do poeta Antônio Sales em 1892. Seu primeiro proprietário foi Manuel Ferreira dos Santos, vulgo Mané Côco, aracatiense emigrado para a capital. Naquele tempo, Mané Côco era o tipo mais singular de Fortaleza, alvo de imensa popularidade. Antônio Sales dizia sobre o dono do Java que, se estivesse em Paris, ele estaria a frente de um dos famosos cafés excêntricos de Montmartre. O Java passou depois para a propriedade de Ovídio Leopoldino da Silva e esteve durante algum tempo aos cuidados de Antônio Silva Lima, pai do escritor cearense Herman Lima.

Decorridos em torno 5 anos da construção do Java, outros dois quiosques foram levantados na Praça do Ferreira com autorização da Câmara Municipal. Seu construtor o negociante Pedro Ribeiro Filho subsidiou as obras com a condição de explorar o comércio por 10 anos, sem isenção de impostos e com sua entrega, findo o prazo, ao patrimônio do município. Estes quiosques foram batizados de Café do Comércio, e Café Elegante.

O Café do Comércio era o maior deles e pertenceu inicialmente a José Brasil de Matos, e depois passou por inúmeros donos. O Café Elegante, assobradado como o do Comércio teve várias denominações e foi também propriedade de diversos. Havia ainda no canto sudeste da praça, o Café Iracema, o mais procurado como casa de pasto.  Pertenceu a Antônio Teles de Oliveira e também passou por diversas mãos.


Café do Comércio  


Café Elegante - ao fundo o Cine Majestic


Café Iracema


Esses quiosques foram preservados pelo intendente Guilherme Rocha quando, no início do século XX, em 1902, embelezou a praça do Ferreira convertendo o logradouro num jardim. A parte mais central do quadro cercado de gradis, e no interior, floridos e belos canteiros cercados de bancos. Ao redor do vasto piso de cimento róseo, nos quatro lados, uma série de frades de pedras de lio.

Os cafés ganharam vida e puderam estender suas mesas e cadeiras ocupando uma área maior. A essa área cercada e ajardinada recebeu o nome de Jardim 7 de Setembro, inaugurada solenemente na data comemorativa dos oitenta anos da Independência do Brasil. No lado sul, entre os Cafés Elegante e Iracema, erguia-se um belo chafariz com quatro torneiras. No centro, um catavento puxava água para um depósito que abastecia oito tanques destinados à manutenção dos canteiros, situados nas partes em que se dividia o trecho central, cercado de gradis, cortados por dois passeios em forma de cruz, em cujas extremidades havia quatro portões de ferro.


Jardim 7 de setembro, inaugurado em 1902

Vinte e oito lampiões a gás iluminavam o jardim interno, enquanto fora deste mais vinte combustores clareavam toda a praça. Os quiosques concorriam para melhorar a claridade do ambiente, e consequentemente uma maior circulação dos pedestres. Este movimento cresceria com a inauguração do Cine Polytheama em 1910, dos bondes elétricos em 1913 e do Cine Majestic, 1917. A Praça do Ferreira nesse período tornou-se o lugar mais frequentado da cidade, uma pequena amostra do que Fortaleza queria ser no futuro: um local público bonito, confortável e iluminado, com jardins, estátuas e colunas, cafés, cinemas, transporte fácil, frequentado por pessoas bonitas e bem-vestidas.

No entanto, no ano de 1920, o prefeito Godofredo Maciel em sua primeira administração, mandou demolir os quiosques. Quando ao sair de uma sessão de cinema, o escritor Antônio Sales notou que os cafés estavam sendo demolidos, inclusive o seu querido Café Java e escreveu: esta noite, ao sair do cinema, parei defronte dos destroços fúnebres do Café Java, sacrificado à estética da Praça do Ferreira, que é o centro vital de nossa urbe. E nessa contemplação, veio-me uma grande tristeza e uma grande saudade. Ali reinou Mané Coco, o fundador dessa instituição popular que era o café, hoje desaparecido.


     depois da reforma do prefeito Godofredo Maciel

Além dos cafés, o prefeito também retirou as grades do jardim 7 de Setembro e mandou construir um coreto; as laterais receberam recortes para estacionamento de automóveis e bondes, desafogando o trânsito nas Ruas Major Facundo e Floriano Peixoto.


Extraído do livro “A Praça” de Mozart Soriano Aderaldo/Tipogresso/Fortaleza,1989. E outros/publicação Fortaleza em Fotos/Fotos do Arquivo Nirez, postal antigo e Fortaleza em Fotos



quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Praça Paula Pessoa (Praça do Mercado São Sebastião)

 



A antiga Praça São Sebastião, atual Praça Paula Pessoa está localizada no centro de Fortaleza, com a frente voltada para a Rua Clarindo de Queiroz. A denominação de Praça São Sebastião é anterior a 1880, uma vez que em sessão de 22 de janeiro de 1881 o logradouro recebeu o nome de Senador Paula Pessoa. Em tempos passados, como descreve o escritor Gustavo Barroso, que frequentava o local no seu tempo de menino, a praça era um areal vasto e desolado. Em suas memórias o escritor se refere ao lugar como Praça São Sebastião.  A vegetação era apenas uma mancha esverdeada e rala, com mata-pasto, salsa, pinhão bravo e um ou outro cajueiro.

A atração era o açude do padre Pedro, que se estendia por trás da casa onde morou o padre, com frente para a então Praça São Sebastião, perto do açougue na esquina da chamada Estrada do Gado (atual Rua Justiniano de Serpa) da feira da Parangaba, para o Matadouro.



No meio do areal, desaprumado diante de uns restos de paredes, havia um grande cruzeiro de madeira, sustentado por um desgastado pedestal de alvenaria. Era o que restava da antiga igrejinha de São Sebastião. Depois da morte do Padre Pedro que cuidava do templo, a igrejinha foi caindo aos poucos, completamente abandonada. Acabou sendo invadida por ladrões que numa noite roubaram o que podia ter algum valor lá dentro.

Depois, populares foram carregando o que ficou da edificação: portas, telhas, caibros e tijolos. Contam que na esquina do curral do açougue havia um estabelecimento comercial que tinha sido inteiramente construído com materiais subtraídos da igrejinha de São Sebastião. O comércio exibia na fachada o pomposo título que que revelava um momento de entusiasmo político: “Viva o resplendor do Partido Liberal”.

Com o passar dos anos o cruzeiro foi pendendo cada vez mais até encontrar-se com o areal onde fora abandonado. O seu último vestígio há muito desapareceu. Depois a Igrejinha de São Sebastião foi erguida na Rua Justiniano de Serpa, onde a autora da página conheceu o prédio já desativado como templo católico, onde eram ministradas aulas de catecismo às crianças da paróquia Nossa Senhora das Dores.

Mais tarde o areal da praça passou a ser ocupado pelos circos que visitavam a cidade, que aproveitavam aquela área imensa para montar suas lonas. Quando não estava ocupada pelos circos, a praça virava campo de peladas.  

A Praça Paula Pessoa, ainda é conhecida por praça São Sebastião, principalmente porque abriga o imenso Mercado São Sebastião, onde se encontra de tudo e mais um pouco. É muito conhecido da população e bastante frequentado. O mercado ocupa praticamente toda a área da praça. O açude do Padre Pedro foi aterrado e dele não resta nenhum sinal.


Vicente Alves de Paula Pessoa que deu nome à praça, foi umas das maiores culturas jurídicas do país. Natural de Sobral era filho do também Senador Francisco de Paula Pessoa (conhecido como o Senador dos Bois) e de dona Francisca Maria Carolina Pessoa. Era sobrinho do coronel João de Andrade Pessoa (Pessoa Anta, um dos mártires da Confederação do Equador). Formado em Direito pela Faculdade de Olinda, exerceu a magistratura em Sergipe, no Ceará e no Rio Grande do Norte.

Foi nomeado Desembargador e Presidente do Pará em 1878. Foi vice-presidente do Rio Grande do Norte e 2° vice-presidente do Ceará. Foi chefe do Partido Liberal depois da morte do Senador Pompeu e escolhido senador na vaga do seu pai em 1881. Faleceu em Sobral a 31 de março de 1889.


Fontes: Coração de Menino/Gustavo Barroso/Livraria José Olimpo Editora/Rio de Janeiro: 1939/Praças de Fortaleza/Maria Noélia Rodrigues da Cunha/Imprensa Oficial do Ceará/Fortaleza:1990. E outros. Publicação Fortaleza em Fotos. Imagens Arquivo Nirez/Wikipédia e Fortaleza em Fotos 


          


quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Registros da Violência no Centro da Fortaleza Antiga

 

Como lugar antigo da cidade, a Praça do Ferreira e sua vizinhança vivenciaram inúmeros acontecimentos que ficaram registrados na memória da cidade. Nem todos os acontecimentos foram felizes, muitos foram negativos, com triste repercussão naqueles que participaram. Os fatos registrados em épocas diversas, mostram que a violência exercida em locais públicos de nossa cidade, não é exclusividade dos agressivos tempos atuais. 


esquina Rua Guilherme Rocha/Major Facundo

Em 1904 o tenente Heitor Ferrás foi assassinado no Café Fênix, no local, durante algum tempo designação do Café Elegante. O assassinato ocorreu durante agitações políticas ocorridas no governo do Dr .Pedro Borges.

Em 1912, na última fase do governo do Comendador Nogueira Accioly, morreram duas crianças que participavam na Praça do Ferreira, da passeata cívica em prol da candidatura do Coronel Franco Rabelo. Os tiros que atingiram as crianças partiram de policiais que se encontravam nas imediações do Café Iracema. A passeata infantil tinha à sua frente a jovem Eloá de Paula Pessoa, e esse episódio desencadeou a revolta urbana que destituiu o governador Accioly e aboliu a sua oligarquia.

Outro assassinato que abalou Fortaleza ocorrido na Praça do Ferreira, foi o de Alda Osório Sampaio, bela moça de família de classe média; seu namorado pertencia a família residente na rua Barão do Rio Branco, quarteirão entre as ruas Liberato Barroso e Pedro Pereira. Corria o ano de 1913, quando a moça foi assassinada a tiros pelo namorado de nome Newton, motivado por ciúmes, em plena batalha de confetes no jardim 7 de setembro, que era cercado de gradis de ferro, o que acarretou enormes dificuldades na fuga desordenada do povo em pânico.


jardim 7 de setembro - Praça do Ferreira

No ano de1914 na Praça do Ferreira teve início o incidente que resultou no assassinato de José Nogueira, à noite em sereno de festa que acontecia no Clube dos Diários, na esquina das ruas Barão do Rio Branco e Senador Alencar. O autor do crime foi Xisto Bivar.

Na noite de 22 de julho de 1921, Olavo Rego tirou a vida do poeta Mário da Silveira por motivos passionais. A antiga namorada do morto havia rompido seu relacionamento com ele, por pressão da família, e passara a gostar do futuro assassino. Uma pilhéria dita pelo rejeitado, ao passar em sua frente o novo par, determinara a ação de desagravo. A praça dispunha então do gradil central, com  quatro portões, cada um voltado para os lados do logradouro. O assassinato ocorreu precisamente nas proximidades do portão virado para a face norte da praça. 

Apesar do prestígio político e do cargo de deputado estadual que ocupava, o coronel Gustavo Augusto Lima, líder politico de Lavras da Mangabeira, filho da poderosa Fideralina Augusto Lima, foi alvejado a tiros de revólver, na Praça do Ferreira em Fortaleza, a 28 de janeiro de 1923. Na ocasião o coronel Gustavo achava-se em companhia de duas filhas, Luisinha e Maria Luísa, e tomava assento no bonde do Outeiro para se deslocar à sua residência na Avenida Dom Manuel, quando tombou vítima de disparos deflagrados por Raimundo de Eusébio, vindo a falecer quatro dias depois, a 1º de fevereiro, na Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza. Foi sepultado no cemitério São João Batista desta cidade.  

No Cine Polytheama, em 1928, ocorreria a agressão de Raimundo Cordeiro de Almeida ao comandante do 23º Batalhão de Caçadores, coronel Luís Sombra, revidada a afronta a 21 de abril do mesmo ano por guardas civis, sob o pretexto de que o agressor ofendera um colega de farda.


Cine Polyteama

Em 26 de agosto de 1930, nos arredores da praça em frente à Casa Parente, esquina das ruas Guilherme Rocha e Barão do Rio Branco, Mário Róseo de Oliveira, apaixonado e não correspondido por uma das balconistas da loja, desfecha um tiro de revolver no próprio ouvido, morrendo algumas horas depois.

As 13 horas do dia 8 de outubro de 1930, data em que caía o governo de Matos Peixoto e assumia a interventoria federal o Dr. Manuel do Nascimento Fernandes Távora , durante um rápido tiroteio entre o coronel José dos Santos Carneiro e o Capitão Francisco Barbosa Gondim, um tiro perdido atingiu um aluno do Colégio Militar do Ceará, que se achava postado na soleira de uma das portas do Café Emidgio, localizado na esquina das ruas Guilherme Rocha e Major Facundo. O jovem filho do médico Dr. Carlos Ribeiro, faleceu no dia seguinte.


Café Emidgio

Em 29 de julho de 1940, em tempos de 2ª. guerra mundial o professor Domingos Brasileiro foi assassinado após violenta discussão com Moura Amazonas, em pleno Café Sport, localizado nos baixos do sobrado da esquina noroeste das ruas Major Facundo e Liberato Barroso.

 

Fonte: A Praça/Mozart Soriano Aderaldo/Tiprogresso/Fortaleza:1989. Fotos Arquivo Nirez/Postais de época. Publicação FortalezaemFotos.



terça-feira, 23 de julho de 2024

Tipos de Rua da Fortaleza de Outrora


Na Fortaleza de antigamente sempre eram encontrados alguns tipos de ruas, pessoas geralmente desprovidas de recursos e cuidados, sem suporte familiar, alguns viciados em bebidas alcoólicas, outros simplesmente abandonados à própria sorte, que apresentavam sintomas de deficiências mentais. 



Um dos mais conhecidos era o Antônio Galo Chinês, que perseguia e mostrava grande agressividade, quando os moleques, para irritá-lo, imitavam o canto de galo. A perseguição era certa, e munido de um pedaço de pau, o pobre do mendigo muitas vezes conseguia se vingar do autor da ofensa. Mas o Galo Chinês não estava sozinho, havia muitos outros: Papai-abre-o-olho; Mocó-Tinindo, Sabão-mole; Romão; Casaca-de- Urubu; Palheta.  

Não havia esgotos ou fossas, os despejos domésticos ficavam acumulados durante semanas, em barris especiais, de forma cônica, chamados de quimoas, ou cambrones, que eram retirados das casas e lançados ao mar pelo Romão e pelo Sabão-Mole. O Romão era um antigo escravo, brutalizado pela miséria. Imundo, andava meio curvado, apoiado numa bengala improvisada, rosnando palavrões por qualquer motivo. Sustenta-se de cachaça, come vísceras cruas que lhe dão na feira, misturadas com farinha. Quando pega no sono, em qualquer vão de porta, a mulher e as filhas, três negras igualmente miseráveis, que o seguem à distância, vasculham seus bolsos atrás das moedas que sobraram da aguardente.


Uma tarde ia o Romão com sua carga mau cheirosa, pela calçada da Santa Casa, rumo à rampa do gasômetro que leva à praia. De repente, o apodrecido fundo do barril de imundície cede e afunda enterrando-lhe a cabeça até os ombros. O infeliz braceja como um cego, enquanto toda a gente ao redor, foge sem coragem de socorrê-lo. As irmãs de caridade da Santa Casa, mandam os jardineiros lhe atirarem alguns baldes de água, que o salvam daquela indigna situação. Pobre do Romão! Quando não conseguiu mais trabalhar, deixaram-no viver a um canto da Cadeia Pública, onde terminou seus dias.

O concorrente do Romão no asqueroso ofício é o Sabão-Mole, mestiço alto, cuja face amarelada semelhante ao sabão amolecido na água, deu origem ao apelido. Andava em companhia de uma mulher bem mais velha do que ele, que parecia sua sombra. Um dia a mulher o abandonou, e o Sabão-Mole vagava solitário, procurando trabalho indagando nas portas das casas: – tem limpeza hoje, freguesa?

Junta-se um bando de moleque atrás dele, gritando:  – Sabão- Mole, cadê a velhinha?  E o rapaz que ninguém sequer sabe seu nome, empunha furiosamente seu cajado de jucá e grita reprimendas com palavras obscenas. É um mestre do baixo calão, conhece todo o vocabulário. As famílias retiram-se das janelas , batendo vidraças e venezianas. As vezes a polícia é chamada, mas ao invés de reprimir os agressores que o provocam, levam o Sabão-Mole aos empurrões e o trancafiam no xadrez por algumas horas. Quando atravessa a Praça do Ferreira, então um vasto areal emoldurado de árvores antigas, com um cacimbão de pedra de Lisboa ao meio e um café ou quiosque de madeira a cada canto, Padre Macaíba, sacerdote brincalhão, emboscado a um canto da Farmácia Pasteur, disfarçando a voz, faz a pergunta que tira o Sabão-Mole do sério – Sabão Mole, cadê a velhinha? – “estou reconhecendo essa voz... é do Padre Macaíba... olhe seu padre, só não digo que está na **##**@## , porque o senhor é padre. Senão, diria...”


O Casaca-de-urubu é um cabra com sangue nos olhos, valentão, contínuo do Tribunal de Relação, cobrador terrível de contas perdidas e vendedor de latas de goiabadas nas horas vagas. Veste os fraques usados que lhe dão os desembargadores, daí seu apelido. Epiléptico e perigoso, anda sempre gesticulando, murmurando coisas desconexas sobre os maus pagadores e doces de goiaba. A molecada grita de longe, precavidamente: – Casaca de Urubu! Bu! Bu!. Ele esperneia, atira pedras, dá socos em si próprio com toda a força; no auge da fúria, vem o ataque epilético, cai no chão, espumando, se machucando, às vezes sangrando.

O Palheta é alto, esquelético, de ombros levantados, e andar vagaroso. Usa um chapéu de palha sobre a testa, chupando um eterno cigarro apagado. Muito calmo, faz ponto pelas esquinas mais frequentadas do velho centro. Vive de dar calotes, de aplicar golpes, de iludir a boa-fé dos que param para ouvi-lo. Conta misérias, vende joguinhos, cartões de rifas falsas, ingressos de teatro sem valor e bilhetes corridos de loteria.

 – Palheta! Gritam os moleques e acrescentam uma rima obscena; não dá escândalo, finge que não é com ele. Muda de pouso muito sério, muito digno. Mas vai resmungando impropérios e proferindo todo um repertório de palavrões e obscenidades.

O Mocó-Tinindo mora numa casinha de taipa, à sombra de uma tamarineira no alto de um barranco, além do Benfica, na estrada da Parangaba. Ao tempo da festa de Bom Jesus, padroeiro da antiga Arronches, os bondes andam repletos de moças ou com os estribos cheios de rapazes. E estes por pilhéria, gritam quando passam pela casa, o apelido odiado: Mocó-tinindo! Ele surge à janela, faz gestos indecentes, e os xingamentos sobram para todos que estão no bonde. As moças ficam envergonhadas. Os rapazes morrem de rir.

O Papai-abre-o-olho é vítima de troça e fica tomado de fúria quando lhe gritam a alcunha, que responde com xingamentos e berros hediondos. Não se sabe a origem do apelido.

Um poeta dizia que a falta de piedade dos meninos por estes infelizes é um tanto inconsciente. Falta-lhes a educação cristã, a única capaz de imprimir às almas em formação, o sentimento de verdadeira caridade, que muita gente pensa que consiste em tirar uma moeda do bolso e dar uma esmola. Essas pobres criaturas, vítimas da pobreza, do abandono, do desdém e do desprezo, há muito repousam em paz, lá onde não ouvem mais os escárnios que tanto os faziam sofrer.


Extraído do livro “Coração de Menino” /Gustavo Barroso/Livraria José Olympio/Rio de Janeiro/1939. Post Publicação Fortaleza em Fotos/Imagens postais antigos e Arquivo Nirez.