Os
bondes elétricos foram desativados em 1948, quando o prefeito Acrísio Moreira
da Rocha, atendendo aos reclamos dos usuários do transporte coletivo, com relação ao
péssimo serviço prestado pela Ceará Tramway Light and Power, num ato
unilateral, cassou a concessão, rompeu o contrato com a empresa
inglesa e encampou todo o seu patrimônio.
A
partir daí os ônibus, que já funcionavam simultaneamente aos
bondes, passaram a dominar o transporte coletivo da cidade. Mas as reclamações
quanto à qualidade do serviço, continuaram, visto que os ônibus deixavam muito
a desejar – eram velhos, mal conservados, superlotados, frota reduzida e passagens
caras. De todos os serviços urbanos de Fortaleza, o transporte coletivo era o
mais debatido pelos fortalezenses, especialmente porque era usado por todas as
classes sociais, uma vez que só os mais abastados tinham automóveis.
Os
aumentos nos preços das passagens – normalmente vinculados ao aumento de preços
dos combustíveis – provocavam grandes debates na Câmara dos vereadores e na
imprensa, ocorrendo constantes manifestações populares, em sua maioria
organizadas e dirigidas pelos estudantes do Liceu, que apedrejavam os ônibus.
Na
tentativa de suprir as deficiências do sistema surgiram as auto-lotações,
camionetas que passaram a servir alguns bairros, sobretudo os mais distantes e
pobres, como o da Floresta (na Avenida Francisco Sá), composto por
trabalhadores da Viação Cearense e operários das indústrias.
Algumas linhas de
ônibus só funcionavam, até às 20 horas. Filas enormes e tumultos para pegar os
ônibus eram comuns nas paradas. Comumente, os ônibus deixavam de circular,
prejudicando a população por falta de peças de reposição ou por pressão dos
empresários para forçar o aumento das passagens.
Em
1948, a Empresa São Jorge inaugurou seus ônibus amarelos na base vermelha, lançando
um modismo que ficou marcado na memória da cidade: os ônibus coloridos. Tempos
depois, surgiram os veículos verde-branco da Autoviária São Vicente de Paula e
da Angelim, os alaranjados da São Francisco, o estranho vermelho-e-preto da
Gerema, o vermelho-amarelo da Nossa Senhora da Salete e muitos outros.
Nos
pontos, os passageiros esperavam que as cores do seu ônibus aparecessem no
emaranhado urbano, descobrindo de longe a hora de subir. Não precisavam ler
painéis nem decorar números de linhas, porque sabiam, pela cor do ônibus, quem
servia ao seu bairro.
Os veículos mais elegantes, modernos mesmo eram os ônibus da Empresa São Jorge, dos Otoch.
Inauguraram em Fortaleza a era dos circulares fazendo interligação entre
bairros e lançando as portas automáticas e as campainhas elétricas. Tinha quem
viajasse nesses transportes coletivos pelo simples prazer, de apertar nas
campainhas e esperar que a porta fosse aberta pelo motorista com um pequeno
apertar de botão. E os carros da São Jorge trocavam dinheiro por fichas
plásticas, as quais eram colocadas na urna ao lado do motorista, no momento da
descida.
E
todos se deslocavam para o Centro da cidade ou para os bairros, utilizando o
transporte coletivo, num tempo em que os carros, particulares eram difíceis;
sem vendas a prestação e os de corrida, hoje táxis, como os Packards do posto
Mazine, eram para os mais abonados.
O
Circular Dom Manuel
Os
ônibus da Empresa São Jorge, do Grupo Otoch entraram em circulação em 1947,
ocupando o vazio deixado com a retirada dos bondes. Os veículos eram de cor
amarela, da marca Dodge, representados no Ceará pela firma Kalil Otoch. Conta o
memorialista Blanchard Girão, que à época, ele morava na Avenida do Imperador,
defronte a garagem da São Jorge, e acordava com a barulheira em frente, que
começava por volta das 4 da manhã.
Os
ônibus cumpriam um itinerário circular, refazendo os caminhos que até poucos
meses antes, eram feitos pelos barulhentos tramways da Light. Uma dessas linhas
mais afreguesadas, era o Circular Dom Manuel, quando essa avenida representava
um dos pontos limítrofes da área urbana de Fortaleza. (O quadrilátero do chamado
centro limitava-se ao norte pela Rua Dr. João Moreira, a leste pela citada Dom
Manuel, ao sul pela Avenida Duque de Caxias e a oeste, Avenida do Imperador.
O
conceito de distância era bem diferente do atual, posto que, quem mora
atualmente na Dom Manuel não espera mais transporte para dirigir-se à Praça do
Ferreira, distante apenas algumas quadras. Mas naquele ano remoto de 1947, a
Dom Manuel era longe, e já não havia o bonde da Aldeota, com trajeto pela
Santos Dumont, que atendia a todos que viviam naquelas imediações, nem também o
da Prainha, a serviço das pessoas que se deslocavam para o Seminário e
adjacências.
Nos
Ônibus do Circular São Jorge pagava-se a passagem com direito a rodar todo o
percurso, sem interrupção. Conta o memorialista que, por conta disso, um
companheiro daqueles tempos, frequentador contumaz do Bar da Brahma as sábados,
quando sentia que as pernas não lhe garantiam a locomoção, subia no Circular
Dom Manuel e ia ficando até melhorar o pileque.
Numa dessas ocasiões, dormiu
profundamente. E o ônibus a rodar, no seu giro rotineiro. O trocador e o
motorista, numa silenciosa homenagem ao rapaz – figura mais ou menos conhecida
naquela linha – foram permitindo a sua permanência.
Em
suma: o rapaz acordou de madrugada, em meio à escuridão da garagem, quando
motoristas e trocadores estavam voltando para mais uma jornada de trabalho.
Saiu de mansinho, cabeça baixa, no rumo de casa, onde a família o aguardava,
aflita e preocupada com o seu “desaparecimento”.
Fontes:
Fortaleza: uma breve história, de Artur Bruno e Airton
de Farias
Sessão
das Quatro – cenas e atores de um tempo mais feliz, de Blanchard Girão
FortalBus