Historiadores contam que a origem de muitas
famílias que vivem no Ceará, pode ser judaica. Quando os reis católicos
Fernando e Isabel unificaram o Reino da Espanha em 1492, expulsaram de suas
terras os judeus que viviam na Península Ibérica, denominados Sefarditas. Os
judeus espanhóis fugiram para diversos países, inclusive Portugal. Neste país, os
judeus que desejassem permanecer, tinham de se converter ao catolicismo,
através de um édito baixado pelo Rei Dom Manuel. Os judeus recém-batizados
passaram a ser chamados de cristãos-novos.
família judia (imagem site da rádio universitária) |
Um grande contingente desses cristãos-novos veio
para o Brasil. Muitos continuaram a praticar secretamente os ritos judaicos, e
não abandonaram a cultura dos antepassados, por isso sofriam discriminação.
Outros absorveram totalmente o Catolicismo, mas nem assim escaparam das
perseguições.
O Nordeste acolheu boa parte dos que emigraram
para o Brasil, especialmente os Estados de Pernambuco e Paraíba. Um dos casos
mais notórios é o de Branca Dias, nascida em Portugal, filha de pais judeus
convertidos à força ao cristianismo. Branca Dias veio para o Brasil após ser
denunciada em Portugal por praticar ritos judaicos,
No Brasil, Branca e seu marido, Diogo Fernandes
Santiago, atuaram no ramo da cana-de-açúcar, com engenhos na região entre a
Paraíba e Pernambuco. Branca formou uma família numerosa no Brasil e é
considerada uma das primeiras professoras do Brasil - ela construiu uma escola
para meninas e ministrava aulas de alfabetização.
Branca e Diogo Fernandes fundaram uma sinagoga em
Camaragibe e lá se reuniam os criptojudeus da região. Muitas famílias cearenses
são descendentes deste casal, sobretudo, comprovadamente, os provenientes de
Agostinho de Holanda, um dos filhos do fundador da família, casado com uma neta
de Branca Dias, Maria de Paiva.
Após a morte de Branca Dias, o Brasil recebeu a
primeira visita da Inquisição e a perseguição voltou a cair sobre sua família.
Várias de suas filhas foram acusadas de “judaizar” condenadas a penas de
prisão, multa e penitências espirituais. Após esta última devassa, os membros
da família de Branca Dias se separaram e dividiram-se pelo Brasil.
A Inquisição Portuguesa ou Tribunal
do Santo Ofício, foi uma instituição da Igreja Católica que atuou em Portugal a
partir de 1536. Tinha como objetivo combater desvios da fé católica, em
especial as práticas religiosas dos judeus recém-convertidos ao cristianismo e
dos seus descendentes.
Sabe-se ainda que, muitos judeus que moravam no
Recife vieram para o Ceará, quando representantes do Tribunal da Santa
Inquisição de Portugal visitaram Olinda em 1594. Os judeus conseguiram uma
grande infiltração nesse Estado, sobretudo nos lugares próximos ao litoral, propícios
à cultura de cana-de-açúcar.
O Ceará, talvez por sua pequena população, pobreza
de recursos e desinteresse dos inquisidores foi deixado à margem, enquanto
Pernambuco e Paraíba receberam inúmeras visitas de representantes do Santo
Ofício. Contribuiu este esquecimento das terras cearenses pela Inquisição, para
incrementar as transferências disfarçadas de numerosas famílias cripto-judaicas,
de outros Estados do Nordeste para o Ceará. Uma família paraibana teve 29
pessoas presas pela inquisição e levadas à Portugal. Uma mulher dessa família
transferiu-se para o Ceará e casou-se com um cristão-velho.
(Há menções de historiadores de que o Ceará
recebeu várias visitas de inquisidores do Santo Ofício, mas estas não estavam
relacionadas aos judeus ou aos seus ritos, e sim a outras infrações
consideradas graves como, negação de fé, bigamia, homossexualidade, adultério e
outros).
Com a conversão forçada, em razão da perseguição,
muitos trocaram de sobrenomes para esconder a origem judaica. Os antigos
registros feitos pelas igrejas estão repletos de documentos sobre as migrações
de famílias, com seus sobrenomes originais, típicos dos povos da raça
discriminada: Fonseca, Rego, Brito, Henrique, Nunes, Mesquita, Rosa, Antunes,
Pinto, etc.
Os cristãos-novos encontrados no Ceará são de
segunda, terceira geração. Um dos casos mais citados é o de Josefa Maria dos
Reis, nome disfarçado de uma integrante da família Fonseca Rego, filha de
cristãos-novos residentes na Paraíba, que foram condenados a hábito e cárcere
perpétuo em 1731. O hábito perpétuo significava que o apenado seria obrigado a
usar, pelo resto da vida, uma espécie de avental amarelo, com uma estrela de
David. O aparecimento em público de alguém usando esse avental, era motivo de
insultos e escárnios e as vezes até do emprego de violência.
A Josefa, acima mencionada, ainda criança deixou a
Paraíba e foi trazida para a Vila de Aquiraz, no Ceará. Aqui se casou com o
sergipano António de Freitas Coutinho, que chegou ao posto de alcaide, um cargo
administrativo relevante no Brasil colonial. Ela viveu a maior parte da vida na
pequena Vila da Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, que daria origem, mais
tarde, à cidade de Fortaleza, atual capital do Ceará.
No Ceará, a perseguição antissemita seguiu os
critérios de identificação que já eram usados em outros lugares. Como os cultos
não eram abertos, e realizados de forma muito discreta, os denunciantes buscavam
evidências para apontar a prática religiosa proibida. Para isso usavam de artimanhas,
como convidar a família suspeita para almoçar, e servir carne de porco; se não
comesse, era um indício; outra evidência, de acordo com os documentos, era o
hábito de preparar a carne com bastante cebola e azeite – e não com banha de
porco, como era costume à época, uma vez que judeus não consomem carne suina; outros
foram denunciadas por se recusarem a trabalhar aos sábados (dia santificado do
Judaísmo). E houve algumas denúncias por usos que fazem parte da rotina diária
até hoje, como o hábito de varrer a casa da frente para trás – da porta para o
quintal – um hábito de origem judaica.
As denúncias, muitas vezes, vinham de dentro da
própria casa, partindo de amigos e parentes. As suspeitas eram comunicadas aos representantes
diretos do tribunal, que gozavam de todo o poder e prestígio da Inquisição.
Eram os “familiares”, nome dado aos civis que colaboravam com a Inquisição e agiam
como espiões e denunciantes. Um dos casos mais famosos foi do militar português
Antônio Borges da Fonseca, radicado em Pernambuco, que por mais de uma vez
viajou à Paraíba para prender cristãos-novos por práticas religiosas. Foi
recompensado com cargos políticos: foi governador da Paraíba, e seu filho Antônio
José Victoriano Borges da Fonseca foi governador do Ceará, entre 1765 e 1782. A atuação de “familiares”
como Borges da Fonseca formou as bases do funcionamento da Inquisição no
Brasil.
Os cristãos-novos, em sua maioria integraram-se ao
catolicismo e mudaram de sobrenomes para se tornarem invisíveis aos olhos de
seus perseguidores.
Fontes: Revista do Instituto do Ceará. Os Cristãos
Novos na Formação da Família Cearense. Vinicius Barros Leal. 1975.
https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2023/07/06/inquisicao-no-brasil-como-o-tribunal-do-santo-oficio-perseguiu-brasileiros-por-seculos.ghtml