terça-feira, 26 de março de 2024

A Extinção dos Cinemas Tradicionais

 

A chegada do cinema representou um grande passo em direção a modernidade que a cidade almejava. Chegou timidamente, na forma de bioscópio, despertou curiosidades e começou a tirar a população das rodas de calçadas costumeiras, maneira que o povo encontrava para ocupar as noites, sem luz elétrica, sem rádio, sem TV. A fase de prosperidade começou em 1908 com a chegada do Cinema Di Maio, seguido de diversos outros pequenos cinemas, que fizeram o deleite dos admiradores da sétima arte. 



Mas o cinema começou de fato a ganhar público e investimentos a partir de 1917 com a inauguração do Cine Teatro Majestic-Palace, um belo e luxuoso teatro, com 650 lugares, construído por Plácido de Carvalho. O mesmo empresário  inaugurou em 1921 o Cine Moderno, que desbancou o Majestic em termos de conforto das instalações e preferência do público de maior poder aquisitivo.  O novo cinema foi explorado por Luiz Severiano Ribeiro.

Depois surgiram diversas salas, ligadas a associações e entidades de classes, como o Cine Fênix, o Merceeiros, o Centro Artístico Cearense e outros; a próxima grande sala cinematográfica e ser inaugurada no centro foi o Cine Diogo, de Luiz Severiano Ribeiro que despontava como o grande exibidor que reinava sem concorrentes.   

Os cinemas de Luiz Severiano Ribeiro só conheceram concorrência de peso nos anos 50, quando o empresário Amadeu Barros Leal inaugurou o Cine Jangada, com a promessa de que seria a primeira de treze salas a serem implantadas pela Empresa Cinematográfica do Ceará – CINEMAR. Depois do Jangada foram inaugurados o Cine Araçanga, na esquina das ruas Barão do Rio Branco e Antônio Pompeu; o Cine Samburá, localizado na Rua Major Facundo, entre as Ruas Pedro Pereira e Pedro I; e o Cine Toaçu, na rua General Sampaio, na Praça José de Alencar, todos da CINEMAR.

O Cine Art ocupou o mesmo local do Cine Araçanga, depois que a sala de projeção Amadeu Barros Leal fechou, na esquina da Rua Barão do Rio Branco com Antônio Pompeu. Foi inaugurado no dia 24 de fevereiro de 1959. De vida curta também na rua General Sampaio teve o Cine Rex, abriu em 1940, fechou no ano seguinte.




Cine São Luiz, nos anos 1990 e no dia da inauguração 

Mas o grande acontecimento no mundo dos cinemas ocorreu em 1958 com a inauguração do Cine São Luiz, no dia 23 de março, mais um empreendimento bem-sucedido de Luiz Severiano Ribeiro

Assistir a uma sessão de cinema no São Luiz era acontecimento digno de nota. As sessões tornaram-se uma passarela de elegância, onde desfilavam as moças mais distintas da sociedade, as famílias mais importantes, todos caprichando nas indumentárias.   O São Luiz surgiu como um dos mais luxuosos do Brasil. Dispunha de auditório com área total de 2.653m², 1.300 lugares, palco com recursos para teatro, imponente hall e escadarias para o balcão, piso e revestimento em mármore de Carrara, lustres de cristal importados da Checoslováquia e ricos tapetes. Foi o primeiro a utilizar o então revolucionário Cinemascope, cuja tela era bem mais ampla do que a normal, a implantar o som estereofônico, a oferecer poltronas estofadas e ar-condicionado.

No momento da inauguração, o São Luiz contava com três gerentes, 55 empregados e 17 recepcionistas. O uso do paletó era obrigatório para os homens, e as mulheres espontaneamente, se vestiam com roupas de baile, com muitas joias e adereços como luvas e chapéus. Coisa chique, lugar de alto nível. Com o tempo, o São Luiz começou a se adaptar aos novos tempos. Começou por abolir a exigência do uso de paletó e gravata nos anos 60, a exemplo do que acontecera no Cine Diogo, alguns anos antes.     

Depois do São Luiz, mas sem pretensões de lhe fazer concorrência, surgiu o Cine Fortaleza, Inaugurado em 11 de agosto de 1974. Foi o primeiro cinema de lançamento no sistema em que o filme entrava em cartaz e só saía quando não tivesse mais público. O filme de estreia “Ritmo Quente", passou 189 dias em cartaz, ou seja, sete meses. Ficava na Rua Major Facundo, no local onde funcionou o Cine Samburá.

Uma série de fatores determinaram a decadência desses espaços que durante tantos anos divertiram a população e atraiu um público fiel para suas sessões, especialmente as noturnas. Alguns fecharam por se tornarem obsoletos, sendo substituídos por outras salas de exibição mais modernas, no mesmo endereço; mas a maioria teve seu fim decretado por conta do esvaziamento verificado no centro, determinado pelo aparecimento de novas centralidades, que tiraram do centro o local de convergência na procura por produtos, serviços e diversão. 



interior do Shopping Center Um e arredores do Shopping Iguatemi

A tendência apareceu ainda por volta da metade dos anos 70, com a inauguração do Shopping Center Um, em 1974, na Avenida Santos Dumont. No início dos anos 80 surgiu o Shopping Iguatemi, e consolidou a Aldeota como local de lazer e comércio; o surgimento dos shoppings centers nas regiões da Aldeota e no Cocó contribuíram para a decadência do centro. Esses novos empreendimentos ofereceram salas de projeção com capacidade para no máximo 100 a 400 poltronas. Os antigos cinemas com prédios especialmente projetados para esse fim, com suntuosas salas de espera e mais de mil lugares, são definitivamente coisas do passado. E os filmes atuais estão muito distantes dos charmosos e românticos enredos que eram exibidos nos velhos cinemas do centro.

Cine Majestic – encerrou as atividades em 1968, depois de um incêndio; Cine Moderno – encerrou em 1968 – o prédio foi demolido; Cine Diogo – fechado em 1997 – hoje funciona um centro comercial.

Cine São Luiz – atividades de cinema encerradas em 2005 pelos proprietários do grupo Luiz Severiano Ribeiro. Depois o espaço foi arrendado pelo grupo Fecomércio – Federação do Comércio do Ceará e funcionou até 2010. Atualmente funciona como equipamento cultural mantido pelo governo do Estado. Cine Fortaleza - fechado em 1999; Cine Jangada - fechado em 1996.  



fontes: Fortaleza: cultura e lazer (1945-1960) de Gisafran Nazareno Mota Jucá Os Dourados Anos, de Marciano Lopes Ary Bezerra Leite – A Tela Prateada - História do Ceará, de Airton de Farias. Jornais O Povo e Diário do Nordeste. Publicação www.fortalezaemfotos.com.br. Fotos: Arquivo Nirez, Anuário do Ceará, Jornais. 


  

  

quinta-feira, 7 de março de 2024

Fortaleza sem memória: a história se repete

 

A estratégia é a mesma: os imóveis mais antigos, passiveis de tombamento por possivelmente conterem elementos importantes para a história patrimonial ou para a arquitetura da cidade, são deixados de lado, sem nenhum tipo de manutenção, sem nenhuma cobrança aos seus proprietários, sem emprego de nenhum recurso que possibilite sua manutenção. Quando chegam a um ponto sem retorno, tamanha é a deterioração, e metade da população aprova a medida, por perceber o risco que representa, então é chegada a hora, é dado o grito heroico de redenção, que elimina riscos de desmoronamentos e esconjura moradores indesejados: derruba!


Nos anos 50 (imagem arquivo Nirez)

Como a estratégia não é nova, e o resultado tampouco, era de se esperar que o próximo da fila, fosse inevitavelmente o Edifício São Pedro, na orla marítima. O edifício construído no início da década de 1950, inicialmente não tinha pretensões de abrigar um hotel; a transformação decorreu de um encontro promovido pela Junta Comercial em Fortaleza, no qual a rede hoteleira não seria suficiente para atender a demanda por acomodações.

Assim foi inaugurado como Iracema Plaza Hotel, a primeira edificação da orla de Iracema, com a fachada inspirada em hotéis de Miami. Foi inaugurado ainda inacabado, pois faltava concluir o último andar, o sétimo. Todo o edifício era habitado, inclusive o térreo. Nas alas Leste e Oeste ficavam as entradas de acesso à parte residencial. Na parte Norte, de frente para o mar, funcionava o Iracema Plaza Hotel, ocupando os sete andares. Na área Sul, que tem acesso para a antiga avenida Aquidabã, atual Historiador Raimundo Girão, estavam os flats.


Em 2013 (imagem blog Fortaleza em Fotos)

Naqueles festejados anos 50, o edifício São Pedro era o mais alto da Praia de Iracema, chamava a atenção por sua fachada diferenciada que imitava o formato de um navio antigo, abrigava um hotel luxuoso, que atraía artistas e pessoas conhecidas para o local. No térreo, de frente para o mar, foi instalado o restaurante “Panela”, que durante muito tempo, serviu como ponto de encontro da elite local e de turistas que visitavam a cidade.


atualmente (imagem Portal GCMais)

A decadência começou aos poucos com a chegada na Beira-Mar de outros hotéis, mais luxuosos, mas condizentes com as novas diretrizes que a cidade pensava para o turismo. Com o tempo o hotel fechou as portas e o prédio continuou como residencial, mas bastante esvaziado e com a procura por apartamentos cada vez menor. Sem manutenção, ou novos investimentos por parte dos poucos proprietários, atingiu o caos e ofereceu a desculpa ideal para demolição. Fim da história. 

no cenário original da Praia de Iracema (imagem IBGE)
 

No local deve surgir mais um desses edifícios modernosos, os envidraçados que abundam em Fortaleza, que refletem a intensa luz solar nas suas paredes espelhadas, e ofuscam olhos, sentidos e confundem o senso estético. Mas essa é sempre a solução fácil encontrada para a cidade: demolir. Qualquer um pode fazer, nem precisa ser autoridade.  Nosso palpite de quem será o próximo a cair: antiga escola Jesus, Maria José, na Rua Coronel Ferraz.   


publicação www.fortalezaemfotos.com.br.