O transporte usado pelos jangadeiros para as incursões
marítimas era a velha jangada de piúba, madeira leve, durável e resistente
retirada da árvore piúba. A jangada partia antes do sol nascer, com três ou quatro pescadores, dependendo do número de
dias que pretendiam ficar em alto mar, bem distante do litoral, de onde só se
via, céu e mar.
A alimentação que levavam era geralmente constituída de farinha, rapadura e carne-seca para almoço e jantar, café em pó e bolachas para o café da manhã. Conduziam um fogareiro de lata, carvão, querosene e lampião. Este era para ser pendurado no mastro da jangada, e além da iluminação da jangada, servia como sinalizador, para evitar a colisão com embarcações maiores que transitassem pela área.
jangadas no Mucuripe |
Durante o dia se orientavam pela posição do sol e à noite, a
referência era a constelação Cruzeiro do Sul, formada por um conjunto de cinco
estrelas que sempre aponta na direção sul. Essa forma de orientação pelas
estrelas está atrelada ao período histórico das Grandes Navegações.
A experiência adquirida nessas viagens de trabalho, levaram
dois grupos de pescadores cearenses a viajar ao Rio de Janeiro, em duas
oportunidades e em datas diferentes, para fazer reivindicações junto às
autoridades, da sempre carente classe dos pescadores.
A primeira viagem foi em 1941. Quatro jangadeiros partiram de Fortaleza para o Rio de Janeiro, então capital do Brasil navegando em uma jangada. O objetivo era chamar a atenção das autoridades para os problemas dos jangadeiros, que trabalhavam arriscando a vida, moravam precariamente em casas de palha, não eram proprietários das embarcações em que pescavam, pois trabalhavam para os patrões, ficavam com 50% do produto da pesca, pagavam alimentação quando iam para o mar, e a faca para cortar peixe. Ficavam a cargo dos jangadeiros, o desmonte da embarcação para refazê-la a cada oito meses, e 50% dos pescados para dividir com a tripulação.
A viagem foi preparada e a jangada de nome São Pedro partiu levando como tripulantes os pescadores Raimundo Correia Lima, vulgo Tatá; Jerônimo André de Souza: Manuel Pereira da Silva, vulgo Manuel Preto, comandados pelo mestre jangadeiro Manoel Olímpio Meira, vulgo Jacaré, presidente da colônia de pescadores Z1, localizada na Praia de Iracema. Era o dia 14 de setembro de 1941. A embarcação fez escala para abastecimento nas cidades de Natal, Recife, Salvador, Vitória, Macaé e Cabo Frio. Chegaram ao Rio de Janeiro em 15 de novembro do mesmo ano. A viagem durou 62 dias e percorreu cerca de 2.500 quilômetros, sem bússola ou outros instrumentos de navegação.
os jangadeiros Jacaré, Tatá, Jerônimo e Manoel Preto |
Os pescadores foram recebidos pelo presidente Getúlio Vargas,
que prometeu atender as reivindicações e ainda acrescentou outras. O feito dos
cearenses foi destaque na imprensa nacional e se espalhou pelo mundo. Tempos depois
o ator e produtor de cinema americano, Orson Welles, convidou os jangadeiros
para uma filmagem sobre o feito, que seria rodado no Rio de Janeiro. O convite
foi aceito e eles viajaram novamente ao Rio para participar das filmagens.
As filmagens estavam sendo realizadas na Praia do Juá, numa
jangada rebocada por uma lancha. Como o mar estava muito revolto, resolveu-se cortar
o cabo que amarrava a jangada. No mesmo instante, uma grande onda envolveu a
jangada, atirando-a de encontro as pedras existentes no local. Com o impacto,
os tripulantes caíram na água. Os jangadeiros Tatá, Jerônimo e Manuel Preto,
juntamente com o americano, conseguiram nadar até a lancha e escaparam. Mas o
jangadeiro Jacaré morreu afogado. Seu corpo nunca foi encontrado.
Pouco tempo depois, o presidente Getúlio Vargas assinou um
decreto que concedia aos jangadeiros o direito a aposentadoria e outros
benefícios do Instituto de Aposentadoria dos Marítimos.
A segunda viagem de jangadeiros aconteceu vinte e seis anos
depois. A situação dos jangadeiros continuava precária, com poucos direitos e
muitos problemas. Por esse motivo, um novo grupo de pescadores resolveu
realizar uma nova viagem ao Rio de Janeiro em busca do reconhecimento de seus
direitos.
jangada Menino Deus em fase de preparação |
a tripulação da jangada Menino Deus em entrevista a um canal de TV no RJ |
A embarcação foi uma jangada de nome Menino Deus, feita de piúba, com seis metros de comprimento, presente do prefeito de Fortaleza e do Vice-Governador do Ceará. A jangada foi modificada para suportar mais um mastro. No maior tinha içada a bandeira brasileira, e no outro, a bandeira do Ceará. O objetivo era cobrar do presidente, aquilo que Getúlio Vargas prometeu e não entregou.
Jangada Menino Deus partiu da Praia do Mucuripe com 5 tripulantes |
A jangada Menino Deus iniciou sua viagem no dia 8 de dezembro de 1967, levando os jangadeiros José de Lima, Manuel de Lima, João Rodrigues e Manuel Rodrigues, comandados por Luís Carlos de Sousa, conhecido por mestre Garoupa. A jangada parou para abastecimento de água e alimentos, a maioria doados pelos comerciantes, nos portos de Macau, Natal, Cabedelo, Recife, Salvador, Ilhéus, Vitória. No dia 28 de janeiro a embarcação foi dada como desaparecida, sendo localizada 2 dias depois, a 16 milhas da costa de Maricá-RJ, por um navio da Marinha Mercante. Após esse incidente, a viagem foi concluída e os navegantes chegaram ao Rio de Janeiro no dia 31 de janeiro de 1968, após 54 dias de navegação. No Rio de Janeiro, a decepção: o presidente Costa e Silva se recusou a recebê-los.
Com o passar do tempo a madeira piúba ficou cada vez mais difícil
de ser obtida, e de alto custo financeiro. A solução foi passar a fabricar jangadas
com tábuas de madeira louro, na forma que já era utilizada na fabricação de pequenos
barcos a motor. Atualmente a pesca em jangadas está em franco processo de
extinção. Os pescadores preferem os barcos, mais seguros e com potencial para oferecer
algum conforto.
83 anos passados da aventura de Jacaré e seus parceiros de viagem, a realidade não mudou muito nas colônias de pescadores cearenses. Segundo dados publicados em jornal de Fortaleza, cerca de 80% dos mais de 80 mil pescadores do Ceará ainda vivem com menos de um salário mínimo por mês. Ainda sofrem com a ação de atravessadores, não contam com nenhum apoio para melhoria das embarcações, enfrentam limitações na época do defeso e temem a força dos ventos que, nessa época do ano, tanto assustam quanto matam. A maioria dos jangadeiros é muito pobre, ainda vive na miséria, em casas simples e expostos a muitas doenças.
Extraído dos livros ‘A Praia de Iracema dos anos 50”/ Jaildon Correia Barbosa – Fortaleza: Premius, 2010// “Ideal Clube - história de uma sociedade”/Vanius Meton Gadelha Vieira-Fortaleza:Tiprogresso,2003//Jornal Diário do Nordeste e outros//publicação Fortalezaemfotos.com.br//imagens: IBGE, revista O Cruzeiro, site Memória Santista - https://memoriasantista.com.br//jornal Diário do Nordeste
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