domingo, 31 de março de 2013

Eleitorado sem Cabresto

 Mucuripe nos anos 50, região onde foi construída a Usina do Serviluz (foto Arquivo Nirez)

Enquanto as eleições a nível estadual aconteciam numa espécie de prévia, onde os partidos determinavam os nomes dos que deveriam ser ungidos pela população para o governo do Estado, em Fortaleza ninguém conseguia controlar o espírito libertário de sua gente. Dizia-se que o eleitorado da capital não possuía cabresto. Livre, imprevisível, agindo sempre ao sabor de suas emoções, embora sem nenhum embasamento político ou ideológico.

 prefeito Acrísio Moreira da Rocha quando assinava a doação do terreno para construção da Casa do Jornalista (foto do site da ACI)

Fortaleza levou á prefeitura, por duas vezes, a figura populista e carismática de Acrísio Moreira da Rocha, após a redemocratização acontecida em 1945. (Acrísio Moreira da Rocha foi prefeito de Fortaleza de 1948 a 1951 no primeiro mandato, e de 1955 a 1959 no segundo mandato).
 Os grandes partidos bem que tentaram, sem êxito, dominar a cena, com nomes credenciados, inclusive pela posição econômica. O banqueiro Antônio da Frota Gentil, por exemplo, numa época em que a base de sustentação financeira de Fortaleza e do Estado, tinha no Banco Frota Gentil uma de suas vigas de sustentação, buscou o apoio popular através da poderosa sigla do PSD (Partido Social Democrático), sem nenhum sucesso.  Diversos outros candidatos, de igual envergadura, amargaram o peso da derrota adiante desse descompromisso eleitoral dos moradores de Fortaleza.
Havia sim os xodós, aquelas paixões tempestuosas, que quase sempre, se esvaneciam após a lua de mel. Acrísio resistiu mais com seus descamisados ou o pessoal do tamanco (carroceiros, camelôs, operários) visando sua ida à Prefeitura.

 Paulo Cabral de Araujo, prefeito de Fortaleza de 1951 a 1955 (foto do livro A Era do Rádio no Ceará)

Outro nome de grande popularidade, conseguida por seu prestígio pessoal adquirido  ao longo de brilhante carreira no rádio (PRE-9) foi Paulo Cabral de Araújo, a quem a cidade escolheu para dirigi-la, para a seguir, elege-lo deputado estadual.
O fenômeno Paulo Cabral revelou pela primeira vez, a importância do instrumento que, mais tarde,  seria peça essencial a qualquer esquema político-eleitoral: a mídia.  Orador influente, inflamado no comando de campanhas de benemerência, ora em favor da Santa Casa, ora em prol dos lázaros ou das vítimas das secas, Paulo Cabral tornou-se  em pouco tempo uma personalidade profundamente identificada com a cidade. E daí redundou a escolha de seu nome, acima das injunções partidárias para concorrer ao cargo, derrotando outros de mais tradição na vida política.

 Usina Serviluz - Serviço de Luz e Força de Fortaleza, criada pela Lei Municipal n° 803, de 20 de maio de 1954 (foto IBGE)

Em sua administração criou a Usina Serviluz, amenizando a rumorosa questão da falta de energia na cidade através de uma usina termoelétrica. Foi também Paulo Cabral que pensou em realizar um plano urbanístico para Fortaleza, com o renomado Sabóia Ribeiro.
Se o microfone elegera Paulo Cabral, seu substituto o general Manuel Cordeiro Neto fez-se prefeito graças ao símbolo de sua campanha: uma lata. Na sua juventude, Cordeiro Neto fora Chefe de Polícia (cargo equivalente ao atual Secretário de Segurança), oportunidade em que instituiu o “regime da lata”. Vadios, vagabundos, presos por desordens ou sentenciados pela Justiça, eram utilizados em obras públicas como pedreiros, ajudantes, serventes e outros trabalhos relativos a construção ou em serviços de limpeza. Recebiam para tanto, uma diária. Ocupavam-se e, no trabalho, longe dos rigores do encarceramento, muitos ganharam a recuperação pretendida pela sociedade.  Junto à população, essa imagem encontrou repercussão positiva, afinal a população sempre aplaudiu atitudes rígidas contra marginais, especialmente ladrões. 

 Costa Leste de Fortaleza antes da construção da Avenida Beira mar anos 50 (Arquivo Nirez)

Naquela época, aconteciam costumeiramente, arrombamentos de residências, quando não apenas invasão de quintais, com roubo de galinhas. Esse tipo de delinquente, que governos anteriores encurralavam num depósito degradante, localizado na Praça da escola Normal, foi de que se valeu Cordeiro Neto para implantar o regime da lata. Como "o homem da lata", Cordeiro Neto encontrou respaldo em todas as classes sociais, e contrariando as previsões das lideranças partidárias, elegeu-se prefeito de Fortaleza por larga maioria.

 Avenida Beira-Mar durante sua construção nos anos 60 
 e alguns anos depois, na década de 1970

Em sua administração, Fortaleza ganhou uma avenida de contorno – Avenida  Perimetral – que alargou suas fronteiras, permitindo-lhe extraordinário desenvolvimento metropolitano atingido nas décadas subsequentes.  Cordeiro Neto administrou Fortaleza entre março de 1959 e março de 1963, deixando, dentre muitas outras importantes realizações, a Avenida Beira Mar.


extraído do livro de Blanchard Girão
Sessão das Quatro cenas e atores de um tempo mais feliz

quarta-feira, 27 de março de 2013

Os Saraus Literários e Musicais

Rua Major Facundo, fins do século XIX/início do século XX (arquivo Nirez)

No século XIX não havia sábado sem sarau em Fortaleza. O pequeno mundo social se reunia em cada semana numa casa, ocasião em que se declamavam versos, cantavam ao piano ou ao violão. Nessas reuniões familiares nasciam os casamentos, os negócios, as nomeações políticas. 
Em A Normalista, Adolfo Caminha cita as reuniões noturnas de amigos para o jogo de víspora, o licor de jenipapo e a atualização dos mexericos políticos e amorosos.

 Casa do Barão de Ibiapaba, na esquina das ruas Major Facundo com Senador Alencar (arquivo Nirez) 

Gustavo Barroso, em Coração de Menino, fala do Barão de Ibiapaba - Joaquim da Cunha Freire - que recebia, sábado sim, sábado não, a sociedade fortalezense em seu palacete, que ficava na esquina das ruas Major Facundo e Senador Alencar. O Barão era homem de grande fortuna e de muita influência política no tempo do império, e apesar da fama de sovina, dava recepções com músicas, danças, e certamente, alguns comes e bebes.
Na casa de João Lopes, diretor do Jornal O Libertador, que ficava na Rua Floriano Peixoto esquina com Pedro Pereira, funcionava uma reunião de jovens intelectuais, como Farias Brito, Justiniano de Serpa, José Carlos Ribeiro Junior, Antônio Dias Martins, Oliveira Paiva, Antônio Bezerra, Martinho Rodrigues, José Olímpio e Antônio Sales. A casa era pequena, mas Dona Menininha, a esposa de João Lopes, sempre tinha um refresco ou um aluá com biscoito para servir aos frequentadores.

 Gramofone antigo (foto do site Mercado Livre)

Em 1914, o comerciante José Praxerdes Viana, adquiriu um gramofone, estranha geringonça mecânica que reproduzia músicas gravadas, o primeiro que Fortaleza conheceu. A novidade abalou a cidade e logo se constituiu uma sociedade de amigos para, aos sábados, participar da privilegiada audiência musical na casa de Praxerdes. 
O costume das audições musicais e literárias, atravessou gerações, e a ilustrada confraria musical se perpetuou através dos filhos e netos de seus fundadores.  Com o avanço da tecnologia os aparelhos de som foram sendo substituídos, mas o apurado gosto musical permaneceu.

 Casa de Juvenal Galeno na Rua General Sampaio em foto antiga.

No início do século XX, por volta de 1916, as irmãs Henrique e Julinha Galeno, filhas de Juvenal Galeno, começaram a promover serões literárias e musicais na casa do velho poeta, à Rua General Sampaio, centro de Fortaleza. A partir de 1936, o festejado salão da família Galeno passaria a se chamar Casa  Juvenal Galeno, acentuando o trabalho de divulgação dos valores artísticos e culturais do Ceará e promovendo congraçamento de poetas e literatas.  O Salão Juvenal Galeno foi visitado por muitas figuras de renome nacional da política, das artes e da literatura.


extraído do livro de Juarez Leitão
Sábado, Estação de Viver 

quinta-feira, 21 de março de 2013

Doutor José Frota

Busto do Dr. José Frota no Passeio Público, homenagem da Santa Casa da Misericórdia ao seu Diretor.

José Ribeiro da Frota nasceu em Viçosa do Ceará, em 17 de junho de 1880, filho de José Gomes da Frota e  Primílvia Avelino da Silva Frota, família tradicional da região.  Depois de fazer os preparatórios no Liceu do Ceará e perder o pai, seguiu para o Rio de Janeiro, onde iniciou os estudos de Medicina, se formando em 1906 pela Faculdade de Medicina da Bahia. Fez cursos de especialização em Berlim, Paris, Viena e clinicou em Fortaleza.


A foto registra a fundação do Centro Médico Cearense no dia 20 de fevereiro de 1913.  Nela estão da esquerda para a direita em pé: Adalberto Studart, Raimundo Gomes, José Frota, Nelon Catunda, Amâncio Filomeno, Afonso Pontes, Antônio Mesiano, Eliezer Studart e César Cals. 
Sentados, na mesma direção: Meton de Alencar, Eduardo Salgado, Barão de Studart, Manuelito Moreira e Costa Ribeiro com o menino José Carlos da Costa Ribeiro Filho. A foto foi batida na porta da Santa Casa da Misericórdia. (foto e identificação Nirez) 

Na Capital cearense,  montou seu consultório na farmácia de Turíbio Mota.  Exerceu a medicina durante mais de cinquenta anos, como clínico geral, ginecologista, obstetra e cirurgião prestando valiosos e humanitários serviços à população pobre. 
Foi um dos fundadores da Casa de Saúde Eduardo Salgado, da Maternidade João Moreira e da Casa de Saúde César Cals.


Prédio da Assistência Municipal no dia de sua inauguração em 26 de maio de 1940. Fica na esquina das Ruas Senador Pompeu com Antônio Pompeu

Exerceu os cargos de diretor da Assistência Municipal, da Casa de Saúde Dr. César Cals, da Maternidade Dr. João Moreira, Diretor Clínico da Santa Casa da Misericórdia,  Diretor do Departamento Estadual de Proteção à Maternidade e à Infância,  Fundador e Presidente do Centro Médico Cearense.
Teve como colegas de trabalho os doutores César Cals, Antônio Justa, Eliezer Studart, Manuelito Moreira e Adalberto Studart.


Casa de Saúde César Cals, na Praça da Lagoinha

Como diretor da Assistência Municipal, transformou o Hospital do Pronto Socorro em um dos melhores do gênero, de todo o país. Faleceu em 1 de março de 1959. 
É nome de bairro em Porangabuçu e do moderno edifício da Assistência Municipal. 


fotos do Arquivo Nirez
fonte:
Revista do Instituto do Ceará

terça-feira, 19 de março de 2013

Seminário Episcopal da Prainha

Seminário da Prainha em foto de 1905 (Arquivo Nirez)

Até a segunda metade do século XIX e início do século XX o bairro Outeiro da Prainha abrigou famílias aristocratas – Boris, Franco Rabelo, Mister Hull (engenheiro inglês gerente da Light e cônsul inglês), Araripe Júnior, um dos maiores críticos literários do século XIX, o poeta José Albano e o Dragão do Mar.
Do lado direito do prédio da biblioteca pública havia o solar do coronel Solon da Costa e Silva – proprietário da companhia de bondes puxados a burro.  Ali funcionava a garagem e era local de adestramento dos animais, chamado de Academia do Solon. Quando se queria chamar alguém de burro, dizia-se que veio da Academia do Solon.  Na esquina da antiga Rua Franco Rabelo (atual Avenida Presidente Castelo Branco) com Almirante Jaceguai ficava a residência de Mister Hull (já demolida). Os bondes elétricos vinham até o pé do morro (Ladeira da Conceição).

Casa do Mister Hull, ficava na esquina da antiga Rua Franco Rabelo com a Almirante Jaceguai. Foi demolida para alargamento da Rua Jaceguai e a entrada do centro Dragão do Mar. 

No dia 7 de setembro de 1860, o primeiro bispo do Ceará Dom Luís Antônio dos Santos, inicialmente recebeu o prédio que servia de quarentena na lagoa Funda, o qual não foi aceito.  O edifício atual começou a ser construído em 1860, e deveria servir de colégio para as órfãs da Irmandade da Igreja de N.S. da Conceição. 


Ladeira da Conceição

O bispo negociou com a congregação, e o projeto inicial foi abandonado, dando lugar a um novo projeto para abrigar o seminário. Com a instalação do seminário e a incorporação da obra ao patrimônio do mesmo, o Governo Imperial autorizou o pagamento do aluguel em favor das órfãs, de janeiro de 1865 até a extinção do regime monárquico. 
O seminário iniciou suas atividades em 8 de dezembro de 1861, tendo como objetivos, a  formação do Clero, o ensino das ciências e letras e a educação religiosa.  Funcionou por muitos anos como um dos pilares da educação no Ceará passando por ele figuras como o Padre Cícero, Austregésilo de Athaide, Capistrano de Abreu, Dom Helder Câmara, Dom Eugênio Sales, entre outros que, saindo do seminário fundaram igrejas e realizaram inúmeras obras assistenciais e religiosas em todo o Brasil. 


Avenida Monsenhor Tabosa, antiga Rua do Seminário(foto de fevereiro/2013)

No dia 6 de junho de 1854, o Papa Pio IX cria a Diocese do Ceará, desmembrando-a da de Olinda.  Cinco anos depois, em 1859, o Imperador D. Pedro II nomeia o Padre Luiz Antônio dos Santos, Bispo do Ceará. Em 1861 D. Luís Antônio dos Santos assume o bispado e instala a Diocese do Ceará. O Seminário foi inaugurado no dia 18 de outubro de 1864, com parte da obra que já estava pronta, tendo o bispo se transferido para lá com dois padres e dezoito seminaristas.  Antes o Bispo residia à Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco) esquina com a Guilherme Rocha. Para formar o corpo docente do seminário, o bispo contou com a ajuda de quatro padres lazaristas (vicentinos). O primeiro reitor foi o Padre Pedro Augusto Chevalier, de nacionalidade francesa.


Vista do Porto a partir da torre da Igreja de N. S. da Conceição

Na madrugada do dia 7 de julho de 1894, ocorreu o desabamento do pavilhão do Curso de Teologia, atingindo 17 seminaristas que dormiam, espalhando terror em todo o resto do prédio, alguns saíram com ferimentos leves, não havendo vitimas fatais. Os alunos receberam três meses de férias, enquanto o pavilhão era reconstruído, o que só foi possível com a ajuda do governo e da população que doaram recursos.

Instituições originárias do Seminário

Conferências Vicentinas – envolvendo os leigos com atividades religiosas, sociais e assistenciais.
Fundação da Casa das Missões São José – Igreja dos Remédios, com a missão de preparar em Fortaleza, serviço espiritual, e uma escola noturna para meninos pobres.
Criação de jornais e revistas – permitindo a ampliação da influência dos padres do Seminário em todos os campos da vida no Ceará. O Jornal O Nordeste foi criado por D. Manuel em 1922.
No campo social – atuação do Padre Francisco Hélio Campos, vigário da Jacarecanga, lutou pelos moradores do Pirambu, acabou com os prostibulos  e criou uma consciência crítica no bairro.
Criação da Cooperativa de Crédito Popular – órgão de poupança dos operários para a compra da casa própria, mais tarde, Banco Popular de Fortaleza. 


fonte:
Caminhando por Fortaleza, de Francisco Benedito
fotos do Arquivo Nirez

segunda-feira, 18 de março de 2013

Prédio da Escola Jesus Maria José



A construção do prédio foi iniciada em 14 de setembro de 1902, sendo inaugurado em 22 de janeiro de 1905, numa iniciativa do bispo de Fortaleza Dom Joaquim José Vieira, para abrigar a Escola Jesus Maria José, para meninos pobres.  A administração ficou a cargo das irmãs Vicentinas do Colégio da imaculada Conceição, auxiliadas por órfãs. Tinha capacidade para 350 alunos, e inicialmente foram matriculados entre 250 e 300 alunos, em 1906. A  construção foi administrada pelo Monsenhor Vicente Pinto Teixeira.

Abandonado, o prédio tem suas estruturas comprometidas, tanto que amarrações de madeiras foram instaladas na  Rua Coronel Ferraz. 

O prédio, de propriedade da Arquidiocese de Fortaleza,  abrigou uma loja de máquinas agrícolas, os estúdios da Rádio Assunção e a Casa Paroquial da Catedral da Sé. Em 1979 abrigava os cursilhos e o secretariado da Arquidiocese; em novembro recebeu provisoriamente parte do Fórum Autran Nunes, e também foi sede do Jornal O Nordeste.


A partir de 1980 abrigou a Escola Nossa Senhora Aparecida, fundada em 1963, que promovia a qualificação de empregados domésticos.  A Escola passou a funcionar no salão paroquial e passou a ser administrada pela Paróquia da Catedral de Fortaleza.
O prédio, é tombado, mas nunca foi recuperado.  Quando o imóvel tombado é de propriedade privada, como é o caso da escola, não é papel da Prefeitura de Fortaleza recuperá-lo e sim do proprietário, de acordo com informações da Coordenação de Patrimônio Histórico da Secultfor.



O prédio da antiga Escola,  exemplo da arquitetura eclética tão em voga em fins do século XIX e início do século XX, aguarda até hoje providências de restauro, cujo processo anda a passos lentos. Enquanto isso, o teto do imóvel caiu e as paredes estão ancoradas por estacas. O prédio é um exemplo do descaso.


o Imóvel foi cedido à Prefeitura em regime de comodato por meio de acordo, firmado em 2008, pelo qual a prefeitura se prontificava a restaurá-lo e mantê-lo por 20 anos. Quando de seu tombamento, em 2006, a expectativa era de que a obra de restauro do prédio começasse ainda em 2007. Fica na Rua Coronel Ferraz, n° 120.


Fontes:
Caminhando por Fortaleza, de Francisco Benedito
jornal Diário do Nordeste
fotos de Ricardo Vianna em março de 2013

sábado, 16 de março de 2013

Rodolfo Teófilo e a Vacinação em Domicílio



Rodolfo Teófilo (retrato pertencente ao acervo do Museu do Ceará) arquivo do blog
 
Um dos grandes desafios enfrentados pelos governos republicanos cearenses foi o combate a varíola, que se tornara endêmica desde 1877 e continuava causando infecções e mortes quase todos os anos.  A exemplo do que acontecera em outras grandes cidades brasileiras, no Ceará, a decretação da vacinação pública e obrigatória contra a varíola formalizou-se em 1892, reaparecendo em 1897 e 1900. No entanto, nem todos os populares aceitavam serem vacinados,  recusa que os médicos achavam absurda e que atribuíam a ignorância e à indiferença. A vacina enviada da Capital Federal não era plenamente eficaz porque muitas delas se estregavam pelo tempo e calor que sofriam ao longo do transporte.
Diante dessa situação, o farmacêutico Rodolfo Teófilo, destacada figura dos círculos científicos e literários da Capital, tomou uma decisão inédita na história da medicina no Ceará: resolveu fabricar a vacina, às próprias expensas, e aplica-la sozinho, na população fortalezense, a domicílio e gratuitamente, entre 1900 e 1904. 

 Residência de Rodolfo Teófilo, no Benfica (arquivo Nirez) 

Havia um fator político nessa decisão: Teófilo era ferrenho opositor da oligarquia de Nogueira Accioly, que à época dominava a máquina político-administrativa do Estado.  Por isso, a cruzada vacinatória do farmacêutico foi bastante criticada pelo órgão governamental, o Jornal A República, que duvidava da eficácia de sua vacina, porque uma criança falecera após receber a vacina de Teófilo.  Este não deixava de responder às acusações do governo através dos jornais da oposição, onde também periodicamente informava a quantidade de bairros e pessoas que foram visitados e vacinados no mês.
Tendo visitado a Bahia para aprender a fabricação da vacina, Rodolfo Teófilo passou a produzi-la em Fortaleza recorrendo aos bezerros do seu sítio. Sua primeira intenção era vacinar gratuitamente o público em sua casa, mas como percebeu que somente pessoas das camadas sociais mais altas e médias lá compareciam, resolveu ir de encontro aos populares e atende-los dentro de suas residências, sob pena de não poder extinguir a varíola, pois era entre as camadas economicamente inferiores que a endemia mais fazia vitimas.

 Rodolfo Teófilo promove a vacinação em moradores do Morro do Moinho

O farmacêutico encontrou muitas dificuldades nas áreas urbanas pobres, pois os moradores o recebiam com medo ou fugiam para o matagal mais próximo. Para dobrar tal resistência teve que ser paciente, oferecer dinheiro e ser enérgico em algumas ocasiões. 
Revela, no entanto, que obteve sucesso quando teve a ideia de servir-se do imaginário mágico e supersticioso do povo para inventar que a vacina fora descoberta por um inglês de nome Jenner, após a aparição de um anjo de Deus que lhe revelou como fabricar um milagroso líquido capaz de salvar seus conterrâneos, então atingidos por uma mortal epidemia de varíola. 
Teófilo informa também que por diversas vezes, teve que gastar precioso tempo para convencer os moradores de que ele não era um agente do governo, disfarçado de vacinador, para recrutar meninos para a Marinha e as meninas para os orfanatos.  Em virtude disso. Muitas mães confessavam ser solteiras, mas que seus filhos de fato tinham pais.  Esse medo popular é revelador da vigilância e controle de que a população era alvo. 

 O farmacêutico acusava o governo de Nogueira Accioly de se preocupar em demasia com o  embelezamento da cidade, enquanto os moradores do subúrbios eram abandonados à própria sorte (foto do acervo do blog)

A propósito das mulheres pobres, o farmacêutico as descreve como megeras, sujas, maltrapilhas, e que tinham o péssimo hábito de fumar fedorentos cachimbos, "de forma que o ar que se respira dentro das casas pequenas, baixas e apertadas, tinha um fartum especial, lembrando mistura de sebo, suor de negro e sarro de cachimbo".
Sempre que pode, Teófilo faz em seu registro duras criticas à administração do governo Accioly no campo da saúde urbana. A principal delas é a acusação de que o poder público se preocupava mais com o aformoseamento da cidade do que com a insalubridade e a promiscuidade instaladas nos subúrbios. 
Ironiza que enquanto os forasteiros se deslumbravam com o embelezamento de ruas e praças, (remodeladas pelo Intendente Guilherme Rocha na mesma época em que Teófilo empreende sua cruzada médica) não imaginavam a fealdade da sujeira e miséria se que escondiam na periferia de Fortaleza. 

 Rua Major Facundo vista do Passeio Público (Arquivo Nirez)
 Jardim 7 de setembro, na Praça do Ferreira, que durante o carnaval era reservada somente para as elites. Afora isso, um fiscal da prefeitura controlava o comportamento dos pedestres no interior das praças remodeladas.

A preocupação em aformosear e ordenar o espaço urbano central se explica pelo fato de que, além de ser a face mais visível da cidade, ali era território onde estavam instaladas as classes média e alta e a vida comercial. O embelezamento e higienização dessa área tinha, evidentemente, a finalidade de beneficiar tais setores. Por extensão, limpar e enfeitar as vias centrais, conferiam salubridade e segurança aos que ali residiam, trabalhavam e circulavam. Ali as elites se resguardavam melhor da ameaça de doenças, além de contar com a agradável visão de praças e jardins bem cuidados, com a proteção de ruas alinhadas, construções sólidas e vigilância policial.


Extraído do livro de Sebastião Rogério Ponte
Fortaleza Belle Epoque – reformas urbanas e controle social – 1860-1930 
fotos do Arquivo Nirez
 

sexta-feira, 8 de março de 2013

Cidade da Fortaleza da Nova Bragança

Dom Pedro I, pela Graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, elevou a Villa de Fortaleza à categoria de Cidade, em 1823, com a denominação de Cidade da Fortaleza da Nova Bragança

Nas três primeiras décadas do século XIX, enquanto Fortaleza caminhava para se tornar o principal centro urbano do Ceará, a agitação política tomava conta do Brasil, tendo reflexos no Estado. Em 1817 os liberais cearenses comandados pela família Alencar do Crato, aderiram à revolução Pernambucana, na esperança de obter a independência de Portugal e criar uma República.  
Em 1822, o Ceará foi alvo de disputas armadas entre os favoráveis à independência brasileira e dos defensores da permanência dos laços com Portugal – os primeiros, vencedores, chegaram a mandar tropas para ajudar a causa emancipacionista no Maranhão e Piauí.


Rua 24 de Maio esquina com a Praça José de Alencar em 1910

O apoio cearense ao Grito do Ipiranga levou o imperador D. Pedro I, a decretar em 1823, Ato Régio elevando Fortaleza à categoria de cidade com o nome de Fortaleza de Nova Bragança, numa “modesta” homenagem a família do imperador. O nome não durou muito. A elevação do status da capital não pode deixar de ser vista como um reconhecimento ao crescimento da cidade, e à sua crescente importância política.
Em 1824, atracou em Fortaleza, a esquadra do mercenário inglês Lord Cochrane para intensificar  a repressão à Confederação do Equador , movimento separatista que visava criar no que hoje chamamos Nordeste, uma República independente.  Vale lembrar que à época não havia uma identidade nacional ou um Estado nacional brasileiro consolidado, sendo perfeitamente compreensível que várias revoltas tivessem caráter separatista. O movimento foi brutalmente sufocado em um banho de sangue. A unidade territorial brasileira, imposta a partir do atual Sudeste, foi implantada com enorme truculência.


Rua Major Facundo no início do século XX

Não se pode exagerar acerca da prosperidade material da cidade. Historiadores apontam a pobreza, as grandes deficiências estruturais da cidade, e os problemas enfrentados pelos fortalezenses na primeira metade do século XIX.  Podem-se notar as próprias demandas por mais estruturas urbanas como um sinal da lenta expansão da capital, evidenciando também o descompasso entre o crescimento econômico, a administração pública e o aumento da população. Embora imprecisos, estima-se o número de habitantes em 1808 era de 9.624 pessoas; em 1816, cerca de 12 mil e em 1863, mais de 16 mil moradores.


Rua Barão do Rio Branco, antiga Rua Formosa (anos 20)

Em relatório do presidente da Província, de 1839, o porto de Fortaleza apresentava-se extremamente precário; e sabe-se pelos relatos de viajantes estrangeiros que o embarque e desembarque de mercadorias constituía-se quase uma aventura, havendo vez por outra acidentes e mortes. 
O acesso ao denominado Porto da Prainha era complicado, pelo número de áreas pantanosas nas proximidades, e pela má conservação desse trapiche, as estradas, embora algumas delas tenham sido abertas nesse período, eram ainda em número insuficiente para escoar a produção sertaneja, sem falar que a conservação dessas estradas, igualmente deixavam a desejar. 
As ruas da cidade não tinham pavimentação e eram constantes as reclamações acerca do areal frouxo no qual atolavam os carros de bois e das rajadas de vento que atingiam os transeuntes.


Porto de Fortaleza ainda em construção na Praia do Peixe em 1889 (atual Praia de Iracema). Nesse dia desembarcou em Fortaleza o Conde D'Eu. 

A capital apresentava várias áreas pantanosas (como as da Prainha e as margens do Rio Cocó) verdadeiras ameaças à saúde pública e escasseava os recursos para aterrá-las. As pontes eram poucas e também se achavam em péssimo estado de conservação, o que dificultava a passagem de cavaleiros, pedestres e carroças com produtos.
O relatório de 1850, do presidente Fausto Aguiar falava do problema e solicitava parte do orçamento provincial para contorna-lo. 

Praça General Tibúrcio (antigo largo do Palácio) em 1856

Havia reclamações sobre a escuridão das ruas e sobre a necessidade da iluminação artificial, concebida não apenas como sinal de progresso, mas, sobretudo, por questão de segurança, visto que os gatunos agiam com frequência. Com muito esforço o governo provincial comprou, em 1838, cinquenta lampiões, os quais, porém, ficaram anos sem funcionar porque a Câmara dos Vereadores não tinha recursos para comprar azeite. A população que procurasse solução com suas lamparinas, velas toscas e mal cheirosas e tratasse de se recolher cedo às suas casas, fechando bem portas e janelas.
O comércio continuava frágil, e apesar do crescimento dos negócios envolvendo a lavoura algodoeira de exportação, até fins da década de 1840 a maior parte da renda da província vinha das negociações internas envolvendo a pecuária.


fotos do Arquivo Nirez
Extraído do livro de Artur Bruno e Aírton de Farias
Fortaleza, uma breve história