Rodolfo Teófilo (retrato pertencente ao acervo do Museu do Ceará) arquivo do blog
Um dos grandes desafios enfrentados pelos governos
republicanos cearenses foi o combate a varíola, que se tornara endêmica desde
1877 e continuava causando infecções e mortes quase todos os anos. A exemplo do que acontecera em outras grandes
cidades brasileiras, no Ceará, a decretação da vacinação pública e obrigatória
contra a varíola formalizou-se em 1892, reaparecendo em 1897 e 1900. No
entanto, nem todos os populares aceitavam serem vacinados, recusa que os médicos achavam absurda e que
atribuíam a ignorância e à indiferença. A vacina enviada da Capital Federal não
era plenamente eficaz porque muitas delas se estregavam pelo tempo e calor que
sofriam ao longo do transporte.
Diante dessa situação, o farmacêutico Rodolfo Teófilo,
destacada figura dos círculos científicos e literários da Capital, tomou uma
decisão inédita na história da medicina no Ceará: resolveu fabricar a vacina,
às próprias expensas, e aplica-la sozinho, na população fortalezense, a
domicílio e gratuitamente, entre 1900 e 1904.
Residência de Rodolfo Teófilo, no Benfica (arquivo Nirez)
Havia um fator político nessa
decisão: Teófilo era ferrenho opositor da oligarquia de Nogueira Accioly, que à
época dominava a máquina político-administrativa do Estado. Por isso, a cruzada vacinatória do farmacêutico
foi bastante criticada pelo órgão governamental, o Jornal A República, que
duvidava da eficácia de sua vacina, porque uma criança falecera após receber a
vacina de Teófilo. Este não deixava de
responder às acusações do governo através dos jornais da oposição, onde também
periodicamente informava a quantidade de bairros e pessoas que foram visitados
e vacinados no mês.
Tendo visitado a Bahia para aprender a fabricação da vacina,
Rodolfo Teófilo passou a produzi-la em Fortaleza recorrendo aos bezerros do seu
sítio. Sua primeira intenção era vacinar gratuitamente o público em sua casa,
mas como percebeu que somente pessoas das camadas sociais mais altas e
médias lá compareciam, resolveu ir de encontro aos populares e atende-los
dentro de suas residências, sob pena de não poder extinguir a varíola, pois era
entre as camadas economicamente inferiores que a endemia mais fazia vitimas.
Rodolfo Teófilo promove a vacinação em moradores do Morro do Moinho
O farmacêutico encontrou muitas dificuldades nas áreas
urbanas pobres, pois os moradores o recebiam com medo ou fugiam para o matagal
mais próximo. Para dobrar tal resistência teve que ser paciente, oferecer
dinheiro e ser enérgico em algumas ocasiões.
Revela, no entanto, que obteve
sucesso quando teve a ideia de servir-se do imaginário mágico e
supersticioso do povo para inventar que a vacina fora descoberta por um inglês
de nome Jenner, após a aparição de um anjo de Deus que lhe revelou como
fabricar um milagroso líquido capaz de salvar seus conterrâneos, então atingidos
por uma mortal epidemia de varíola.
Teófilo informa também que por diversas
vezes, teve que gastar precioso tempo para convencer os moradores de que ele
não era um agente do governo, disfarçado de vacinador, para recrutar meninos
para a Marinha e as meninas para os orfanatos.
Em virtude disso. Muitas mães confessavam ser solteiras, mas que seus
filhos de fato tinham pais. Esse medo popular é revelador da vigilância e
controle de que a população era alvo.
O farmacêutico acusava o governo de Nogueira Accioly de se preocupar em demasia com o embelezamento da cidade, enquanto os moradores do subúrbios eram abandonados à própria sorte (foto do acervo do blog)
A propósito das mulheres pobres, o
farmacêutico as descreve como megeras, sujas, maltrapilhas, e que tinham o
péssimo hábito de fumar fedorentos cachimbos, "de forma que o ar que se respira
dentro das casas pequenas, baixas e apertadas, tinha um fartum especial,
lembrando mistura de sebo, suor de negro e sarro de cachimbo".
Sempre que pode, Teófilo faz em seu registro duras criticas
à administração do governo Accioly no campo da saúde urbana. A principal delas é
a acusação de que o poder público se preocupava mais com o aformoseamento da
cidade do que com a insalubridade e a promiscuidade instaladas nos subúrbios.
Ironiza que enquanto os forasteiros se deslumbravam com o embelezamento de ruas e praças, (remodeladas pelo Intendente Guilherme Rocha na mesma época em que Teófilo empreende sua cruzada médica) não imaginavam a fealdade da sujeira e miséria se que escondiam na periferia de Fortaleza.
Ironiza que enquanto os forasteiros se deslumbravam com o embelezamento de ruas e praças, (remodeladas pelo Intendente Guilherme Rocha na mesma época em que Teófilo empreende sua cruzada médica) não imaginavam a fealdade da sujeira e miséria se que escondiam na periferia de Fortaleza.
Rua Major Facundo vista do Passeio Público (Arquivo Nirez)
Jardim 7 de setembro, na Praça do Ferreira, que durante o carnaval era reservada somente para as elites. Afora isso, um fiscal da prefeitura controlava o comportamento dos pedestres no interior das praças remodeladas.
A preocupação em aformosear e ordenar o espaço urbano
central se explica pelo fato de que, além de ser a face mais visível da cidade,
ali era território onde estavam instaladas as classes média e alta e a vida
comercial. O embelezamento e higienização dessa área tinha, evidentemente, a
finalidade de beneficiar tais setores. Por extensão, limpar e enfeitar as vias
centrais, conferiam salubridade e segurança aos que ali residiam, trabalhavam e
circulavam. Ali as elites se resguardavam melhor da ameaça de doenças, além de
contar com a agradável visão de praças e jardins bem cuidados, com a proteção
de ruas alinhadas, construções sólidas e vigilância policial.
Extraído do livro de Sebastião Rogério Ponte
Fortaleza Belle Epoque – reformas urbanas e controle social –
1860-1930
fotos do Arquivo Nirez
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