domingo, 31 de março de 2013

Eleitorado sem Cabresto

 Mucuripe nos anos 50, região onde foi construída a Usina do Serviluz (foto Arquivo Nirez)

Enquanto as eleições a nível estadual aconteciam numa espécie de prévia, onde os partidos determinavam os nomes dos que deveriam ser ungidos pela população para o governo do Estado, em Fortaleza ninguém conseguia controlar o espírito libertário de sua gente. Dizia-se que o eleitorado da capital não possuía cabresto. Livre, imprevisível, agindo sempre ao sabor de suas emoções, embora sem nenhum embasamento político ou ideológico.

 prefeito Acrísio Moreira da Rocha quando assinava a doação do terreno para construção da Casa do Jornalista (foto do site da ACI)

Fortaleza levou á prefeitura, por duas vezes, a figura populista e carismática de Acrísio Moreira da Rocha, após a redemocratização acontecida em 1945. (Acrísio Moreira da Rocha foi prefeito de Fortaleza de 1948 a 1951 no primeiro mandato, e de 1955 a 1959 no segundo mandato).
 Os grandes partidos bem que tentaram, sem êxito, dominar a cena, com nomes credenciados, inclusive pela posição econômica. O banqueiro Antônio da Frota Gentil, por exemplo, numa época em que a base de sustentação financeira de Fortaleza e do Estado, tinha no Banco Frota Gentil uma de suas vigas de sustentação, buscou o apoio popular através da poderosa sigla do PSD (Partido Social Democrático), sem nenhum sucesso.  Diversos outros candidatos, de igual envergadura, amargaram o peso da derrota adiante desse descompromisso eleitoral dos moradores de Fortaleza.
Havia sim os xodós, aquelas paixões tempestuosas, que quase sempre, se esvaneciam após a lua de mel. Acrísio resistiu mais com seus descamisados ou o pessoal do tamanco (carroceiros, camelôs, operários) visando sua ida à Prefeitura.

 Paulo Cabral de Araujo, prefeito de Fortaleza de 1951 a 1955 (foto do livro A Era do Rádio no Ceará)

Outro nome de grande popularidade, conseguida por seu prestígio pessoal adquirido  ao longo de brilhante carreira no rádio (PRE-9) foi Paulo Cabral de Araújo, a quem a cidade escolheu para dirigi-la, para a seguir, elege-lo deputado estadual.
O fenômeno Paulo Cabral revelou pela primeira vez, a importância do instrumento que, mais tarde,  seria peça essencial a qualquer esquema político-eleitoral: a mídia.  Orador influente, inflamado no comando de campanhas de benemerência, ora em favor da Santa Casa, ora em prol dos lázaros ou das vítimas das secas, Paulo Cabral tornou-se  em pouco tempo uma personalidade profundamente identificada com a cidade. E daí redundou a escolha de seu nome, acima das injunções partidárias para concorrer ao cargo, derrotando outros de mais tradição na vida política.

 Usina Serviluz - Serviço de Luz e Força de Fortaleza, criada pela Lei Municipal n° 803, de 20 de maio de 1954 (foto IBGE)

Em sua administração criou a Usina Serviluz, amenizando a rumorosa questão da falta de energia na cidade através de uma usina termoelétrica. Foi também Paulo Cabral que pensou em realizar um plano urbanístico para Fortaleza, com o renomado Sabóia Ribeiro.
Se o microfone elegera Paulo Cabral, seu substituto o general Manuel Cordeiro Neto fez-se prefeito graças ao símbolo de sua campanha: uma lata. Na sua juventude, Cordeiro Neto fora Chefe de Polícia (cargo equivalente ao atual Secretário de Segurança), oportunidade em que instituiu o “regime da lata”. Vadios, vagabundos, presos por desordens ou sentenciados pela Justiça, eram utilizados em obras públicas como pedreiros, ajudantes, serventes e outros trabalhos relativos a construção ou em serviços de limpeza. Recebiam para tanto, uma diária. Ocupavam-se e, no trabalho, longe dos rigores do encarceramento, muitos ganharam a recuperação pretendida pela sociedade.  Junto à população, essa imagem encontrou repercussão positiva, afinal a população sempre aplaudiu atitudes rígidas contra marginais, especialmente ladrões. 

 Costa Leste de Fortaleza antes da construção da Avenida Beira mar anos 50 (Arquivo Nirez)

Naquela época, aconteciam costumeiramente, arrombamentos de residências, quando não apenas invasão de quintais, com roubo de galinhas. Esse tipo de delinquente, que governos anteriores encurralavam num depósito degradante, localizado na Praça da escola Normal, foi de que se valeu Cordeiro Neto para implantar o regime da lata. Como "o homem da lata", Cordeiro Neto encontrou respaldo em todas as classes sociais, e contrariando as previsões das lideranças partidárias, elegeu-se prefeito de Fortaleza por larga maioria.

 Avenida Beira-Mar durante sua construção nos anos 60 
 e alguns anos depois, na década de 1970

Em sua administração, Fortaleza ganhou uma avenida de contorno – Avenida  Perimetral – que alargou suas fronteiras, permitindo-lhe extraordinário desenvolvimento metropolitano atingido nas décadas subsequentes.  Cordeiro Neto administrou Fortaleza entre março de 1959 e março de 1963, deixando, dentre muitas outras importantes realizações, a Avenida Beira Mar.


extraído do livro de Blanchard Girão
Sessão das Quatro cenas e atores de um tempo mais feliz

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