As antigas eleições se efetuavam nas igrejas. Acreditavam os organizadores que dentro dos santuários, em respeito ao ambiente e às imagens sagradas, arrefecessem a ira partidária e inibisse o furor entre adversários. Puro engano. As velhas crônicas estão salpicadas de sangue derramado em eleições, algumas das quais ficaram célebres pelas mortes violentas ocorridas durante os trabalhos.
Assim é que em 1852 foi assassinado em Canindé o tenente-coronel Manuel Mendes da Cruz Guimarães. No Crato, em 1856 o proprietário José Landim; no mesmo ano em Sobral, dentro da igreja, durante a votação, quatro pessoas foram mortas a punhaladas e cinqüenta ficaram feridas.
Municipio de Mombaça em 1943: chegada do eleitorado da familia Alencar Benevides
Em Maria Pereira (atual Mombaça) na eleição de 1880, uma forte discussão entre eleitores degenerou em áspera luta dentro da igreja, onde o professor Jayme de A. Araripe disparou vários tiros de garrucha, na intenção de amedrontar os brigões. O expediente não surtiu efeito; a luta continuou e os combatentes usaram até os castiçais dos altares para acertar os adversários.
Quando o conflito acabou a igreja estava destruída; vários eleitores estavam feridos e, foi encontrado morto o caboclo Farias, agregado de tradicional família da região.
Não se cogitava então uma eleição pacífica; eleição era sinônimo de luta e combate no sentido estrito da palavra, e por isso os cabos eleitorais iam para o local de votação, no caso as igrejas, armados de facas, facões, garruchas e pedaços de paus.
Quando as lutas se acirravam entravam em cena os bacamartes.
Igreja Matriz de Fortaleza, local de votação e palco de combates no Século XIX (Arquivo NIREZ)
Todo mundo era eleitor naquele tempo, desde as pessoas de melhor condição social até indivíduos pertencentes às classes mais baixas.
No período eleitoral em Fortaleza, viam-se grupos enormes de gente, quase toda descalça, a percorrer as ruas em passeatas entusiásticas antes, e malcriadas depois da vitória.
O ano de eleição para juízes de paz e vereadores, em 1879, foi bastante atribulado em Fortaleza.
Corriam os trabalhos na matriz quando se espalhou a noticia de que ali começara uma grande desordem. Assustada, a mulher do político José Feijó de Melo, que se encontrava na igreja, mandou que um criado de nome João Peci, fosse chamá-lo.
O criado saiu apressado e, correndo quis entrar na Sé, cujas portas estavam guardadas por soldados. Supondo que o criado fosse um desordeiro atraído pelo tumulto reinante na igreja, um dos soldados matou-o com um tiro de espingarda.
A noticia do assassinato espalhou-se pela cidade que ficou apavorada. No dia seguinte o corpo da vítima foi levado em passeata até o cemitério, pelo Partido Conservador graúdo. Durante muitos anos só havia dois partidos políticos no Brasil, o Liberal e o Conservador. Mas no Ceará cada um deles se subdividia em duas facções irreconciliáveis.
Para a eleição da câmara de 1880 os Liberais Paulas se coligaram com os Conservadores Graúdos e os Conservadores Miúdos com os Liberais Pompeus.
No dia da eleição, ainda cedo, os dois primeiros grupos, com seu numeroso eleitorado, ocuparam militarmente, a Igreja da Sé. Quando por volta das 9 horas, chegaram os Miúdos e os Pompeus, também acompanhado dos eleitores, foram atacados e repelidos à faca, pedaços de paus e tiros pelos ocupantes.
Travou-se então uma verdadeira batalha campal em frente à Matriz. Os atacados, em menor número, recuaram e resistindo sempre, foram empurrados pela Rua Conde D’eu em direção ao Palácio.
A luta se generalizou e espalhou-se até as proximidades da Rua da Assembléia (atual Rua São Paulo); sangue por todos os lados, muitos fugiam, outros jaziam estendidos pelo calçamento e calçadas. A luta se acirrou e só terminou com a fuga dos atacados. Seriam no máximo 11 horas da manhã.
A população apavorada, muitos apanhados no meio do fogo cruzado, assistia sem compreender o porque de tanta brutalidade, nem a razão de tamanha violência.
Extraído da Crônica:
Eleições de Outrora, de João Nogueira, publicado na Revista do Instituto do Ceará.
Até os dias de hoje, em algumas cidades, principalmente no interior, é necessário o reforço de tropas da polícia, e até do exército, para garantir a ordem em dias de eleição. Casos cada vez mais raros, ligados a picuinhas entre grupos locais, inexpressivos no cenário nacional.
O que tem contribuído para acabar com os conflitos em dias de eleição, é o naipe dos candidatos, e a atuação dos eleitos, que não entusiasmam nem motivam ninguém mais a brigar pela eleição deles. Simplesmente não vale a pena. Na maioria das seções eleitorais da capital, só mesários entediados, curtindo aquela paz dos cemitérios.
Por falar em tédio, hoje acaba o malfadado horário eleitoral gratuito. Já vai tarde.