sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A Assombração do Cercado do Zépadre

O Cercado do Zépadre teve origem lá pela década de 1930, num terreno situado no bairro do Otávio Bonfim, onde havia mais de vinte anos, Dona Beliza G. Matos usufruía o direito de propriedade.
No principio era apenas um matagal que começou a ser ocupado por famílias vindas do interior. Pequenos lotes foram arrendados e permitida a construção de casebres, desde que o arrendamento fosse pago em dia.
Mesmo sem alinhamento, sem pavimentação, sem qualquer estrutura, em pouco tempo cerca de 500 famílias já moravam no loteamento.
Igreja Nossa Senhora das Dores em Otávio Bonfim quando ainda em construção
A comunidade fica nos fundos das casas localizadas na Avenida Bezerra de Menezes, no trecho em frente à Praça dos Libertadores, que por sua vez, fica em frente a Igreja de Nossa Senhora das Dores.
A principal via de acesso é pela Bezerra de Menezes na esquina com a Rua Justiniano de Serpa, onde tem uma agência do Bradesco.
O nome da comunidade – Cercado do Zépadre – se deve ao um beato morador do local: por repressão ou por vocação, um homem casto, devotado as coisas celestiais. Levava uma vida igual a dos padres, só faltava o hábito. Não bebia, não fumava, não dançava, nem freqüentava lugares de má fama ou pouco recomendáveis. Nunca freqüentou um botequim, um bordel ou coisa parecida.
O Cine Familiar que encerrou suas atividades em 1968, era anexo à Igreja das Dores
Sua rotina diária resumia-se a cuidar e cultivar o cercado no plantio de flores, hortaliças e legumes como meio de vida, na terra que arrendara para tais explorações.
Assim vivia o Zépadre no seu cercado de considerável dimensão, quando surgiram as primeiras invasões por pessoas que também ergueram seus casebres, desrespeitando o lote maior já existente em poder do Zépadre.
Com o passar do tempo a coisa foi piorando e o antigo morador passou a ser incomodado pelos invasores que se avizinhavam. Como reclamasse da invasão do seu terreno, passaram a lhe tirar o sossego, pesquisando a vida do beato, cujos passos eram vigiados e perseguidos pelos antigos e novos moradores do Cercado.
A vida que até então era tranqüila, passou a ser atormentada por insinuações maldosas, e especulações sobre suas preferências amorosas, assunto que a rigor, ninguém nada sabia, porque ninguém tinha acesso ao seu misterioso coração.
Eis que um belo dia, não mais que de repente, surgiram comentários sobre estranhas aparições que estariam acontecendo no local e que deixavam em sobressalto os humildes moradores.
Falavam de uma visagem que percorria o todo o cercado, com sinais indecifráveis, pondo tamanho medo nos moradores que tomavam proporções de pavor, a ponto de ninguém se atrever a permanecer na rua além do horário habitual.
Para exorcizar o mal assombro, foram sendo invocados e rezados todos os santos, todos os terços, todas as novenas e responsos, consultados videntes e cartomantes, tudo no intuito de descobrir que fenômeno era aquele, que metia medo, espantando, apavorando e recolhendo toda comunidade do Cercado do Zépadre, antes que a noite chegasse.
Certa vez o mais destemido morador do Cercado decidiu desvendar o mistério, mas a estratégia não deu certo porque o seu intento foi divulgado e naquela noite, a visagem não apareceu.
Tudo ficou então previamente preparado para desvendar o mistério da burra sem cabeça, que perambulava pelo Cercado quase todas as noites.
Noite alta, no momento certo, depois da meia-noite, onde somente a escuridão era maior, eis que surge a certa distância o monstro sem cabeça, cujos espantosos olhos vermelhos impediam a visão dos aterrorizados, pedia passagem em desabalada carreira, envolvido por espessa capa preta, com um lampião aceso a querosene a sinalizar, um chocalho pendurado no pescoço, que vibrava numa melodia sinistra.
Diante de tal visão o intrépido morador desandou a correr e invadiu sua choupana em completo terror a gritar: - mulher, mulher me acode... é a burra do padre que está solta aqui no Cercado!.
O que ninguém sabia é que aquele aparecimento tinha endereço certo para a casa do seu amor proibido, que se localizava na quadra vizinha e que o esperava para mais uma noite de amor sem que fosse descoberto ou perseguido.
Era na quadra da madame, que estava montado o palco para o idílio noturno do casto Zépadre, que de casto e de padre não tinha nada, e para não ficar sendo comparado a um santo, gostava de correr durante a noite, assombrando os moradores da comunidade que levava o seu nome.


Essa história com algumas variações para mais ou para menos, foi extraída do livro:
ALMADA, Zenilo. O Bonde e outras recordações. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2005.

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