sábado, 27 de dezembro de 2014

A Praia de Iracema que o mar carregou


A foto aérea da praia de Iracema da década de 60 tem alguma coisa conhecida. Essa primeira rua paralela ao mar no sentido Leste-Oeste é a Tabajara, aliás, bem visível. Um pouco abaixo se vê o falado Estoril de longas histórias. Na época da guerra foi arrendado a USAF (United State Air Force - Força Aérea dos Estados Unidos) e que recebeu o nome de  USO - United States Office, uma espécie de escritório americano no Ceará. Nas tardes de domingo recebia o mulherio mais alegre de Fortaleza para uma tertúlia dançante com os militares americanos. Ao som de Glen Miller e Tommy Dorsey dizem que muitos casamentos saíram dessas tardes no USO. A casa na foto é perfeitamente identificável de cor branca com 7 janelas olhando para o leste; Depois restaurada, voltou ao nome de Estoril, restaurante e bar para alegria dos boêmios.
Subindo um pouco a direita um espigão entrando para o mar denominado Ponte do Ingleses, construído pelo DNOCS, no entanto aquela obra não foi concluída a qual seria o porto da cidade. Isso na década de 20.
Seguem as oficinas e a UR (Unidade de Recuperação) desse órgão. Antes neste local haviam dois grandes armazéns pertencentes ao Porto que estocavam produtos exportáveis principalmente o algodão já que o Ceará era seu principal produtor e exportador do país. Posteriormente a UR saiu dali para o Pici e no local foi construída a sede da 2a Diretoria Regional do DNOCS que ali funcionou relativamente por poucos anos. Como o quadro de pessoal era pequeno, o restante foi transferido para Administração Central. Sem qualquer função, vazio o prédio foi doado ao Governo do Estado que o demoliu e no local está construindo o Aquário.
Seguindo em frente observa-se um prédio pequeno e isolado, era o Cassino Atlântico de serviço bar e restaurante frequentado principalmente por gente que iam esperar passageiros vindos dos navios. Hoje é apenas um quiosque da INACE. A direita seguindo em direção ao mar aparece o Viaduto Moreira da Rocha (Ponte Metálica), onde era feito o embarque e desembarque de cargas e passageiros.  Segue mais acima o famoso Paredão onde a garotada ia brincar nas suas piscininhas que ele formava nas marés baixas. Essa formação rochosa limitava a área do "Poço da Draga",onde hoje está instalada a INACE -Indústria Naval do Ceará de grande conceito internacional.
Perpendicular à sua Tabajara segue a rua Almirante Tamandaré quase imperceptível na foto mas que dá para destacar um prédio comprido cerca de 80, 90 metros com um andar ocupando a metade do mesmo. Por detrás desse prédio estão 7 cilindros de alumínio que quase com certeza são silos para estocar algum produto pertencente à empresa que talvez seja esse prédio comprido já relatado. Estes silos foram desmanchados e vendidos como sucata.
Finalmente essa foto é histórica e é parte do que foi a mais bela praia de nossa cidade, onde em noites de luar atraiam os namorados pela beleza de seus raios de prata induzindo mil amores ao balanço de seus corações. Seus maravilhosos córregos de água límpida e cristalina não existem mais Os pássaros foram embora, não há mais árvores para instalar seus ninhos.
Os verdejantes e belíssimos coqueirais precisam de areia e não pedra para desenvolver e dar ao homem através de suas folhagens o oxigênio que ele respira. E as jangadas com suas velas brancas saíram com seus bronzeados pescadores atravessaram a linha do horizonte e nunca mais voltaram Adeus querida praia de Iracema que um dia o mar carregou....

crônica de José Vieira de Moura
dez/2014

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A Ferro Carril e os Bondes de Burro

Rua Floriano Peixoto, em 1909, com o prédio da Intendência Municipal e os trilhos do bonde.
 
A partir de 1870, diversas tentativas de dotar Fortaleza de um serviço de transporte coletivo resultaram infrutíferas. O governo concede privilégios a grupos de investidores, mas as ações fracassam, frustrando a população estimada em 20.000 habitantes.
A Empresa Ferro Carril do Ceará foi fundada no dia 3 de fevereiro de 1877, pelo comendador Francisco Coelho da Fonseca e Alfredo Henrique Garcia. Entre a instalação da empresa e o início das operações, três anos se passaram, isto porque somente em 1879 são concretizadas as obras civis de construção da estação e sede da companhia, e a partir de novembro, foi cumprida a etapa de assentamento dos trilhos.
Na manhã de domingo do dia 25 de abril de 1880, a Ferro-Carril do Ceará inaugura sua primeira linha, com 4.210 metros, da Estação na Estrada de Messejana (Boulevard Visconde do Rio Branco) até a rua São Bernardo (atual Rua Pedro Pereira) e a partir desta, interligando a Praça da Assembleia ao Matadouro Modelo, bairro do Prado.

A programação festiva, com banda de música e presença de autoridades, tem início às 7 horas, em frente ao Mercado Público, com quatro bondes embandeirados que fazem o longo percurso até o Matadouro, com retorno à denominada Estação de Depósito. 
Os veículos tinham 4 ou 5 bancos, eram pequenos, modestos, providos de cortinas que protegiam do sol e da chuva, e dirigidos por um boleeiro quase sempre vestido de fraque. Mesmo assim serviram a muitos usuários que pagavam passagens de 100 réis, que mereceram bondes melhores, ampliados em sua capacidade até para sete bancos, comportando 28 passageiros.
Em 1888 mais 1.518 metros de linhas são incorporados ao serviço local de transporte coletivo, com os bondes trafegando entre a Praça de Pelotas (atual Clóvis Beviláqua) e o Benfica.
Enquanto isso, na política de expansão dos transportes de tração animal, o governo formalizaria ainda duas novas concessões para empresas que efetivamente se instalaram em Fortaleza. A Companhia Ferro-Carril de Porangaba, fundada a 10 de outubro de 1894, de propriedade de Gondim e Filhos, dirigida pelo Coronel Arlindo Gondim, estabeleceu sua estação e sede em Porangaba, explorando uma linha que passava pelo bairro Damas e finalizava no Benfica.
No dia 12 de outubro de 1896, era inaugurada a Ferro-Carril do Outeiro, de propriedade de membros da família Accioly, que atendia o bairro do Outeiro (atual Aldeota). A empresa tinha realizado durante cinco meses o assentamento dos trilhos e construído instalações de apoio, como sua estação, localizada na Rua Guajiru (atual Gonçalves Ledo). A linha percorria um pequeno trecho entre a Praça do Ferreira até as proximidades do atual Colégio Militar de Fortaleza.

 No início do novo século o governo do Ceará facilita a transferência da concessão original da Ferro-Carril do Ceará que é vendida para a firma J. Pontes e Cia, que em seguida é vendida para o capitalista Tomé Augusto da Mota. Com o objetivo de atrair investidores externos para a modernização do serviço, o empresário inicia os contatos para consulta ao City Improvements Co. Ltd., de Londres. Três anos depois havia um acordo para implantação de bondes elétricos (tramways), com participação de firmas inglesas, o que determina uma alteração contratual, ampliando a concessão para mais 35 anos. A lei fixa o objetivo de haver a substituição dos bondes de tração animal por tração elétrica e estabelece prazo máximo de um ano para o início das obras, e de até três anos para o término de implantação do novo sistema de transporte coletivo.
Em janeiro de 1911, a viabilidade de instalação de bondes de tração elétrica é estudada pelo engenheiro Ker Box, em visita a Fortaleza, tendo parecer favorável.
Na renegociação do contrato com a empresa Ferro-Carril, assinado em 12 de maio de 1911, ficou estabelecido que, além da instalação de tramways elétricos, ficava assegurado o direito de fornecer, dentro dos limites do município, luz e energia elétrica, a residências e edifícios comerciais, respeitando as condições do contrato anteriormente assinado com a Ceará Gaz Company relativo ao serviço de iluminação pública.

Posto central da Ferro-Carril na Praça do Ferreira, logo após sua transferência para a Ceará Tramway, ostentando placa com o nome das duas empresas. (1912)  
 
A última formalidade para determinar o fim de existência da Empresa Ferro-Carril do Ceará foi a transferência em cartório para a empresa estabelecida em Londres, The Ceará Tramway Light and Power Company Ltd. O ato formal de extinção da empresa cearense , bem como da Ferro-Carril do Outeiro, correu no dia 24 de janeiro de 1912, em solenidade pública, quando foi assinada pelo Coronel Tomé A. da Mota a escritura de venda, no valor de 178 mil libras esterlinas.
Anunciava-se em definitivo o ingresso da energia elétrica na vida da cidade, trazendo uma revolução para os serviços de bonde a partir do ano seguinte. Mesmo assim, por mais uma década, sobreviveria a Companhia Ferro-Carril de Porangaba que, impotente para modernizar-se, continuaria trafegando seus bondes de burros em sua área de concessão.


Extraído do livro de Ary Bezerra Leite 
História da Energia no Ceará 
fotos do arquivo Nirez e do livro História da Energia no Ceará

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Expandindo a cidade

Do Passeio Público nasciam paralelas e em direção a Praça do Ferreira as três mais importantes ruas da cidade: Boa Vista, Palma e Formosa, hoje respectivamente,   Floriano Peixoto, Major Facundo e Barão do Rio Branco. Cortadas perpendicularmente por travessas – como eram chamadas as ruas que tinham seu desenvolvimento na direção Leste-Oeste – formavam quarteirões, identificados por suntuosos edifícios. 

Pelos velhos casarões alinharam-se as ruas, disciplinando assim, a expansão da cidade, iniciada por Silva Paulet.  A Rua Floriano Peixoto foi a primeira a ser retificada. Serviu como sua balizadora a direção que ia do forte à antiga residência dos Governadores. Ressaltando o seu início, frente ao Passeio Público, erguia-se o belo edifício que foi a sede própria do Clube Cearense e que abrigaria o Grande Hotel do Norte.
A primitiva Residência dos Governadores, que mais tarde pertenceria a Martinho de Borges, tinha seu pátio atravessado por esta rua. Nesta área atualmente encontram-se o Banco do Brasil, o Palácio do Comércio e o prédio dos Correios.  Da Rua Floriano Peixoto originaram-se importantes travessas. A partir do casarão do português  Manuel Nunes de Mello, o Barão de Santo Amaro, delineou-se a Travessa das Hortas, atual Rua Senador Alencar. Esta travessa prolongava-se até o primitivo matadouro da cidade, onde hoje se ergue o Palacete Guarani, na Rua Barão do Rio Branco, onde funcionou a partir de 1913, o Clube dos Diários.  
No cruzamento sudoeste dessas ruas, Barão do Rio Branco e Senador Alencar, deparava-se com a esquina do Telles, assim chamada pela presença do grande sobrado do comendador Antônio Telles de Menezes, que se prestava ao alinhamento da Rua Barão do Rio Branco. No alto do casarão residia o Comendador Telles e no pavimento térreo distribuíam-se os conhecidos “quartos do Telles” servindo de armazéns de víveres, e de hospedarias, provavelmente as primeiras da cidade. Estes corriam ao longo de uma das chamadas “calçadas altas”, elevações formadas no desnível da rua, pela convergência de águas pluviais – até a Rua Amélia, hoje, Senador Pompeu. Atualmente esses quartos da antiga Fortaleza são ocupados por diversas lojas comerciais e pela sede do Instituto de Previdência do Estado (IPEC).

Rua Floriano Peixoto esquina com a Rua São Paulo -1929 

Em 1893, na esquina das ruas Floriano Peixoto e Senador Alencar, estabeleceu-se a firma Frota e Gentil, que em 1917 criou uma seção bancária, transformada em 1931 no Banco Frota e Gentil.
O capitão-mor Joaquim José Barbosa recepcionava em sua residência a elite de Fortaleza. De seu casarão, edificado na parte norte da atual  Praça General Tibúrcio, originou-se a travessa da Assembleia, hoje Rua São Paulo. Posteriormente funcionou neste sobrado “ A Central”, de Pedro Lazar.
No dia 25 de maio de 1940 inaugurou-se o Palácio do Comércio, projetado pelo renomado arquiteto francês George Henri Munier e construído por Omar O’Grady. Na parte térrea deste edifício passaria a funcionar, a partir de junho de 1940, a segunda sede do Banco União, tendo como endereço a Rua Floriano Peixoto, 397. Também em 1940, no térreo do Palácio do Comércio foi inaugurado o Restaurante Belas Artes, propriedade de Osvaldo José Azin e filhos. 

Sobrado do Comendador Machado, na esquina das Ruas Guilherme Rocha com Rua Major Facundo, demolido para dar lugar ao Excelsior Hotel

A residência de Francisco José Pacheco de Medeiros, abrigaria desde 1831, a Intendência Municipal e  a Câmara dos Vereadores. Daí, até o sobrado do Comendador Machado, onde hoje se encontra o Excelsior Hotel, estendia-se a Travessa Municipal, hoje Rua Guilherme Rocha . Este casarão alinhava também a Rua Major Facundo.
O Palacete dos Borges Telles iniciava a Rua Major Facundo em frente ao Passeio Público. Essa residência serviu de última sede ao aristocrático Clube Cearense e, a seguir, ao Hotel de France, sediando de 1927 a 1971 o Palace Hotel. A partir de 1977 passou a funcionar ali a sede da Associação Comercial do Ceará. O Palace Hotel teve seu tempo de brilho. Ali realizaram temporadas artísticas cantores famosos como Vicente Celestino, Augusto Calheiros e o regente Ercole Varet. 

 Rua Major Facundo, 1913

Nas baixadas da lagoinha e no antigo Campo da Amélia, ao lado do Morro do Croatá,  sítios onde mais tarde seriam construídos o Hospital César Cals e a Estação Central da Estrada de Ferro Baturité, nascia um afluente do Pajeú. Corria pela quadra entre as ruas São Paulo e Castro e Silva, atravessando o centro da cidade, unindo-se a este principal riacho, no lado sul da Praça da Sé. No tempo das chuvas as águas corriam para seu antigo leito, inundando ruas e terrenos vizinhos. No antigo vale deste afluente, a colônia libanesa instalaria seus armazéns de fazendas e miudezas. Já em 1922 ali se encontravam: Elias Asfora & Cia; Jacob Elias e Irmão; Salomão Hissa, Salim Nasser e Irmão, Simão Jereissati, Jorge Honsy e Filho, Kalil Otoch e Filho, Jamil Rabay, Elias Bachá, e outros.

Dessa colônia surgiria a Sociedade União Síria, fundada em 17 de março de 1923, nos altos do Armazém Esplanada de Abraão Otoch, na Rua Major Facundo, n° 55. Posteriormente juntamente com a Colônia Libanesa formaria a União Sírio-Libanesa, instalando-se na Avenida Santos Dumont. Por essa época, foi fundado o Clube Líbano Brasileiro, que construiu sua sede na Rua Tibúrcio Cavalcante, até seu encerramento.

extraído do livro Ideal Clube - história de uma sociedade
de Vanius Meton Gadelha Vieira
fotos do Arquivo Nirez 

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Bairro Cidade dos Funcionários

Em razão do crescimento populacional de Fortaleza o núcleo central da cidade passou por um processo de adensamento, obrigando seus habitantes a se deslocarem gradativamente para áreas mais distantes. No centro permaneceram as atividades tipicamente comerciais. As classes mais abastadas dirigiram-se primeiro para o Benfica e Jacarecanga, depois para os bairros da zona leste, então com características residenciais de alto nível. 

Construção da Unifor e do Centro de Convenções na Avenida Washington Soares. A construção desses equipamentos representou grande impulso na expansão das regiões leste e sudeste de Fortaleza. Foto de Nelson Bezerra

Mas em razão da saturação da chamada área nobre (Aldeota, Meireles, Praia de Iracema, etc), novas áreas foram sendo incorporadas à cidade. Esse processo foi precedido pela ação de especuladores imobiliários, que se apropriaram de terrenos localizados na periferia da cidade e lotearam sítios, que se destinavam ao uso rural (Sítios Cocó, Tunga, Alagadiço, Cambeba, Estância, Colosso), localizados na zona Leste da cidade. O parcelamento e a posterior urbanização desses terrenos deu origem a diversos bairros da capital. 
A ocupação e a formação desses bairros foi acompanhada de ações do poder público para sua legitimação, com a construção de grandes obras, aberturas de vias, instalação de infraestrutura e de equipamentos urbanos, incorporando essas  novas áreas, onde antes era a zona rural da cidade ou áreas desocupadas. (segundo o IBGE o município de Fortaleza não mais possui zona rural, 100% do seu território se constitui em zona urbana).

Região de entorno do Iguatemi - 1981

Um dos bairros que surgiu desse movimento de transformação de áreas rurais em urbanas, é o Cidade dos Funcionários. Localizado no Distrito de Messejana, município de Fortaleza, o bairro surgiu nos anos 50. A região foi desmembrada, adquirida pelo governo do estado, loteada e vendida para funcionários públicos. Foram reservadas áreas para a construção de uma escola, uma igreja, o hospital do servidor e um clube.
Sua ocupação começou em 1952. Próximo a ele já existia algumas povoações, como o sítio Cajazeiras e a vila Cazumba (no Jardim das Oliveiras). Os lotes eram vendidos de início somente para funcionários públicos do Estado, mas a procura por terrenos no local intensificou-se a partir dos anos 70. A infraestrutura foi sendo vagarosamente implantada, devido aos custos relacionados à distância da região central de Fortaleza, e a despeito do bom nível social dos seus moradores. 

 Lago Jacarey 

O bairro está limitado ao Norte pelos bairros Jardim das Oliveiras e Luciano Cavalcante; ao Sul pelo Parque Iracema; a Leste pelo Cambeba e Parque Manibura e a Oeste pelo bairro Cajazeiras. 
A população residente passou de 16.893 habitantes e 4.171 domicílios em 2000, para 18.256 habitantes distribuídos em 5.338 domicílios em 2010.

Ultimamente o bairro cresceu tanto no número de moradores quanto na oferta de bens e serviços, e está localizado na região que mais cresce na cidade de Fortaleza. A cada ano, mais prédios, condomínios e casas são construídas. No bairro existem diversos comércios, restaurantes, padarias, shoppings, escolas, praças, farmácias, supermercados, igrejas, postos de combustível, entre outros. Também está localizado o Parque del Sol, um grande complexo de condomínios de alto nível e o Lago Jacarey, um complexo de lazer onde acontece feiras de artesanatos,além de uma agitada noite com diversos restaurantes, bares e lanchonetes. 

fontes:
Fortaleza: expansão urbana e organização do espaço, de Maria Clélia Lustosa da Costa
Aspectos Históricos da expansão urbana no sudeste do Município de Fortaleza, de 
Sérgio César de França Fuck Junior
http://www.uece.br/basededados/
wikipédia
IBGE

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Quebrando Normas e Padrões Vigentes: As “Coca-Colas” Cearenses

Com tantos rapazes servindo em bases do Nordeste durante a 2ª. Guerra Mundial, o governo americano criou,  para sua distração os clubes do Uso (United Service Organization). Na capital cearense os ianques alugaram para esse fim um grande e elegante sobrado na Praia do Peixe (atual Praia de Iracema), construído pelo pernambucano José Magalhães Porto em 1926, conhecido como Vila Morena. 


O prédio em questão, depois chamado de Estoril e passando para as mãos do popular Zé Pequeno, foi por décadas reduto de intelectuais, boêmios e políticos. Após os exaustivos exercícios diários nas bases do Pici e do Cocorote, os soldados do Tio Sam iam se divertir no USO. 
Nas manhãs de Domingo, nas areias defronte ao prédio, jogavam partidas de rugby e hand-ball, atraindo muitos curiosos, que, no entanto, nunca mostravam interesse  em adotar tais práticas desportivas. Na Vila Morena ouvia-se o vinil com as músicas mais tocadas nos EUA, executavam-se danças de salão, promoviam-se animadas festas e shows, e recebiam-se artistas famosos dos filmes de Hollywood.

 Visando a estabelecer um bom relacionamento com a população local, a direção do USO emitia convites às “boas famílias” de Fortaleza para ali participarem das promoções. Os jovens americanos provocavam paixões, deixando as mulheres em alvoroço. E várias delas não desperdiçavam os convites, indo se divertir na Vila Morena. Algumas chegaram mesmo a namorar e a manter outras intimidades com os gringos.
O fato dessas moças consideradas “avançadas” para a época, consumirem junto com os namorados o refrigerante Coca-Cola, até então só visto por aqui nas telas de cinema, chamaram a atenção. Alguns rapazes cearenses, despeitados com a concorrência amorosa, passaram a chamar aquelas meninas de Coca-Colas, no sentido de serem mulheres vulgares, sem caráter, interesseiras, as quais os americanos usavam, consumiam e jogavam fora. Correu até uma lista com os nomes das depravadas, listas que rapidamente circulavam na pequena Fortaleza da primeira metade dos anos 40.

trajes usuais e tradicionais das mulheres da época
Na realidade, a sociedade conservadora da época, que aceitava as inovações técnico-científicas, reagia às mudanças de comportamento. Não perdoava as jovens – na faixa de 20 anos – liberadas, bem vestidas, com decotes provocadores, muita maquiagem no rosto, que saíam de casa sozinhas, entravam abraçadas nos cinemas e sorveterias, circulavam com os namorados, namoravam à noite na praia, buscavam o prazer no sexo. Em suma, as coca-colas rompiam com os padrões vigentes de submissão feminina – a mulher frágil, dependente do homem, virgem, destinada à maternidade e ao espaço doméstico, e cuja reputação deveria estar acima de qualquer suspeita.
Em defesa da moral e dos bons costumes, destacou-se a Igreja Católica, que criticava duramente as mulheres modernas, sujeitas às más influências estrangeiras. O clero pronunciava-se constantemente nas páginas do O Nordeste, condenando a leitura de livros imorais, a exibição de filmes eróticos, a exposição das mulheres na praia em trajes indecoroso, os namoros indecentes, facilitados pela escuridão de Fortaleza.


As Coca-Colas, porém, eram a concretização explícita dos receios católicos. Não por acaso, depois que a guerra acabou e os americanos voltaram para seu país, aqueles mulheres tiveram que enfrentar durante anos  forte preconceito, mesmo pertencendo as camadas altas e médias da sociedade de Fortaleza. Para os mais religiosos elas estavam condenadas ao fogo eterno do inferno; conservadores chegavam a se benzer com a aproximação das alegres moças. Mães vendavam os olhos das crianças para que não olhassem aquelas sirigaitas, e os rapazes sérios não aceitavam de jeito nenhum casar com elas ou mesmo namorá-las.


Nem o espírito moleque cearense perdoou as mulheres; em 1946, um grupo de rapazes formou um bloco carnavalesco intitulado “Cordão das Coca-Colas”, composto apenas por homens vestidos de mulheres. No caso era o humor usado para repreender e debochar das mulheres que contrariaram  o tradicional machismo cearense. 

extraído do livro de Airton de Farias 
História do Ceará 
fotos do Arquivo Nirez e do Livro Ah, Fortaleza! 

        

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O Cine Art

  
O Cine Art foi instalado na esquina das Ruas Barão do Rio Branco e Antônio Pompeu, no mesmo endereço no qual antes funcionara o Cine Araçanga, do Grupo Cinemar. O amplo prédio tornara-se disponível para novo empreendimento, ao mesmo tempo em que a Empresa Art Palácio S/A, com sede no Rio de Janeiro, decide ingressar no mercado local. 
Para tanto, providencia a total remodelação da sala, deixada vazia quando a Cinemar deslocou seus equipamentos para o Cine Toaçu. Para montagem da cabine de projeção foram trazidos três grandes projetores anteriormente utilizados no Cine Art Copacabana, no Rio de Janeiro. 
A inauguração foi no dia 24 de fevereiro de 1959, quando em duas sessões é feita a abertura da sala com capacidade para 640 lugares. Na primeira sessão, às 15 horas, há uma exibição especial para os jornalistas, com o filme “Tufão sobre Nagasaki”, e às 21 horas ocorre a abertura para o público, com a biografia romanceada da cantora italiana Lina Cavalieri – A mais Bela Mulher do Mundo. 

O cinema assume a distribuição italiana da Art Films, com eventuais produções procedentes da Alemanha, México, Estados Unidos e de estúdios brasileiros. Gerenciado por Fernando Câncio, o Art conquista seu público cativo. O prestígio acompanha os ciclos de filmes selecionados, a exibição de clássicos e ainda mostras especiais, a exemplo do Festival de Cinema Baiano, de 6 a 14 de junho de 1965, coordenado por Eusélio Oliveira.
Mais um marco dessa relação entre gerente e cinéfilos, foi a instituição em 1977, da Sessão de Arte, sempre às sextas-feiras, às 22 horas. O Cine Art exibiu filmes importantes como “Os Dez Mandamentos” e “Spartactus”, e o primeiro filme nacional colorido em Cinemascope “Meus Amores do Rio”. “Os Dez Mandamentos” ficou em cartaz durante 56 dias batendo os recordes de público na época.
Mas a exemplo do Cine Jangada, o Art foi depois destinado à projeção de filmes pornográficos após a aposentadoria de Câncio, alternando a programação com filmes de artes marciais. No dia 31 de outubro de 1989, ao exibir “Kung Fu, irmão de Dinamite”, ficava decretado o fechamento definitivo de mais um cinema do centro de Fortaleza. 


O Cine Art tornara-se mais uma vítima da especialização em filmes de sexo explícito, um caminho sem retorno, marcado pelo processo de decadência irreversível e cumprimento de um final melancólico. Os letreiros de sua fachada por muito tempo tinham ostentado apenas uma mensagem: “Filmes de Sexo Explícito”. Com a queda progressiva de público e a impossibilidade de reverter a vocação do cinema, nada mais restava ao grupo senão decidir pelo fechamento, mesmo porque encerrava-se o contrato de locação do prédio.
Ao fechar suas portas, o Cine Art recebeu as homenagens da crônica especializada, no ritual que se tornou frequente com o apagar das luzes dos antigos cinemas. Ao crítico Frederico Fontenele Farias coube a mais precisa memória do cinema desaparecido:  

Meu Adeus ao Cine Art

As bobinas dos projetores giram a exemplo do movimento de rotação dos ponteiros do relógio e do planeta Terra e à medida que mergulham nas entranhas do cinematógrafo, 24 fotogramas por segundo, lançados por um feixe luminoso da tela branca, como se o operador fosse o médium de um espiritismo profano, a plateia rejeita o que vê ou fica em êxtase: porém, nunca indiferente...
Quando alguém estiver lendo estas linhas na manhã de domingo, é provável que os projetores do Cine Art já estejam lacrados e o cinema fechado a cadeado. E o público, este grande perdedor, nem ao menos teve a chance de se despedir da sala com alguma película do tipo “A Última Sessão de Cinema” (The Last Picture Show), que Peter Bogdanovich dirigiu em 1971. 



Acabou-se o cinema da minha adolescência. Garoto criado no Benfica, devo às matinês que frequentei no Art, na década de 60, os rudimentos que assimilei da gramática da câmara. Ali vi de tudo, desde “Meus Amores do Rio” de Carlos Hugo Christensen. Na tela da Rua Barão do Rio Branco, dei credibilidade à passagem de Moisés, a seco no leito do Mar Vermelho em “Os Dez Mandamentos”, de Cecil B. Demille (quando revi o filme anos depois, considerei a sequência apenas proeza dos efeitos especiais). E na mesma tela Charlton Heston trocou o cajado pela espada de “El Cid”. Por sinal foi o único cinema de Fortaleza que exibiu essa superprodução nas três vezes que foi projetada na cidade em 1962, 1969 e 1981. “Lawrence da Arábia” igualmente, conheci através do mesmo retângulo branco em 1964. Noutra ocasião, naquele cinema, a estrelinha dos filmes de Walt Disney, Hayley Mills, chegou a se tornar minha musa (quem sabe, a primeira?)
Foi naquela tela também que a primeira vez vi Kirk Douglas – Ned Land salvar James Mason – Capitão Nemo dos tentáculos da lula gigante em “20.000 léguas submarinas”. Engraçado, todas as vezes que revejo essa película, é como se fosse a primeira. E ainda me intriga a escotilha em forma de diafragma fotográfico do submarino Náutilus como um símbolo de Jung. Foi também na tela do Art que vi Steve Reeves em “Hércules e a Rainha da Lídia”, hesitando entre a terna Sylvia Koscina e a sensual Sylvia López, ambas envergando aquele saiote que Jânio impôs para Miss Brasil, quando proibiu o maiô no concurso do Maracanãzinho.
Foi também o cinema dos filmes que perdi e me negou reprises, como “O Tigre da Índia” e “Sepulcro Indiano”, de Fritz Lang; “Os Sete Samurais”, de Akira Kurosawa; ou “O Terceiro Homem”, de Carol Reed. Nacionalistas, acalmai-vos: foi no Cine Art que conheci direta ou indiretamente o Cinema Novo Brasileiro, de Walter Lima Junior e no segundo “O Menino e o Vento” , de Christensen. Mas o Art tampouco rejeitou a chanchada e nele vi Zé Trindade satirizando Franz Léhar em “O Viúvo Alegre”.
A quem atribuir a culpa pela decadência do Art em anos recentes? Rejeitemos o julgamento de pessoas. O homem que consolidou o Art, gerenciando-o desde a fundação em 1959, aposentou-se quando merecia. Se hoje está versejando, deixando outras plateias felizes com suas trovas, encontra-se bem com a vida depois de ter feito tudo pelo cinema, tem uma história para contar. É isso ai, Fernando Câncio. Você foi um lutador.
Responsabilizar a Art Films? É uma questão relativa. A empresa priorizou, de anos para cá, os dois cinemas do Iguatemi. O problema do Art é que ficou localizado numa zona neutra, entre o Centro e os bairros de Fortaleza. Também hesitava na função de cinema para toda a família e para adultos. Quase sempre a heterogeneidade de gêneros provoca uma incompatibilidade de plateias e o consequente esvaziamento. A rigor, ninguém tem culpa. As forças naturais do mercado dominam, dão a última palavra. Só resta dizer adeus.
(O Povo, 29.out.1989)


 esquina das ruas Barão do Rio Branco e Antônio Pompeu atualmente

Extraído do livro de Ary Bezerra Leite
A Tela Prateada 

domingo, 16 de novembro de 2014

Hotel Esplanada vai sair de Cena


Inaugurado em 1978, o Hotel Esplanada era naquela época o edifício mais alto da Praia de Iracema, com 18 andares, 2.724 metros quadrados de área e 230 apartamentos. Foi o primeiro hotel 5 estrelas de Fortaleza. Em 2004, os grupos Otoch e Jereissati, proprietários do hotel, venderem a edificação ao grupo português Dorisol Hotels.
Para modernizar o empreendimento, que custou R$ 52 milhões, o grupo português celebrou um contrato de financiamento com o Banco do Nordeste no valor de R$ 30 milhões.  O projeto previa a aquisição, soerguimento e modernização do hotel, para abrigar o Dorisol Grand Hotel Fortaleza. 
O hotel de Fortaleza quando estivesse em atividade, iria gerar  160 postos de trabalho diretos e 500 indiretos. Inicialmente com início de funcionamento previsto para setembro de 2005, o projeto teve o cronograma adiado por quatro vezes consecutivas. A data de inauguração passou para dezembro de 2005, dezembro de 2006, janeiro de 2007 e depois para início de 2008. 

 

O edifício foi dado em garantia do financiamento. Como os portugueses não pagaram a as parcelas do financiamento, o BNB hipotecou o empreendimento.Desde então, apareceram diversos grupos interessados, mas desistiram por conta do tamanho da conta a ser paga. A dívida cresceu a cerca de R$ 80 milhões, por conta dos juros ao longo de uma década.
Finalmente, em 2014, o empreendimento falido foi adquirido pelo grupo Dias Branco, que pretende construir no lugar um condomínio residencial.
Para tanto, foi anunciado que o prédio do Hotel Esplanada será implodido, no próximo dia 30, ao meio-dia. Os moradores do seu entorno já receberam o aviso de que duas horas antes do evento terão de deixar suas casas. 


O prédio enfrenta corrosão pela maresia ao longo do tempo. O Esplanada foi a principal referência hoteleira de Fortaleza e está localizado em uma das áreas mais nobres da cidade, entre as Avenida Beira Mar, Barão de Studart e Historiador Raimundo Girão. 

fotos de Rodrigo Paiva e Raquel Garcia
Novembro/2014 

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Verdes Mares Bravios e um Porto Inseguro


Ao desembarcar em Fortaleza nos idos de 1837 e 1838, o missionário metodista norte-americano Daniel P. Kidder, fez uma observação sobre o porto: ... jamais constituiu ancoradouro seguro, mas agora o porto está sendo completamente atulhado pela areia do mar... e em ponto algum é fácil o desembarque devido as grandes vagas que constantemente vão quebrar na praia...


A Ponte Metálica começou a ser construída em 1902, ganhou esse nome porque o piso inicial de madeira precisou ser substituído por uma estrutura metálica.

Um porto seguro para o desembarque de mercadorias e pessoas sempre foi um problema para Fortaleza. O mar revolto comprometeu no início da colonização seu posto de cidade portuária, e quando a cidade se desenvolveu, dificultou o acesso às mercadorias. Este desembarque inseguro se localizava ao norte da cidade, nas imediações  de onde mais tarde seria construída a ponte Metálica, na tentativa de facilitar as transações marítimas. Para tentar conter a fúria do mar, foram construídos um píer e um muro de proteção para formar a enseada no Poço da Draga, e depois a Ponte dos Ingleses. 



Em 1870 foi apresentado o projeto de instalação do Porto do Mucuripe. A construção que se arrastou por alguns anos devido a seu alto custo, não vingou. A intensidade das marés aterrou o viaduto e o próprio ancoradouro, o que levou ao abandono do projeto.
Enquanto isso, o embarque e desembarque de  mercadorias  eram feitos de modo precário: os produtos eram levados em pequenas embarcações até os navios que ficavam a 900 metros da praia. Geralmente chegavam molhadas e quem desembarcava não deixava de tomar um banho salgado. 
Temendo o aumento dos custos com transporte, os comerciantes, através da Associação Comercial, se opunham à construção do terminal do Mucuripe, apesar de reconhecerem a precariedade do embarque no píer.
Depois a obra do porto do Mucuripe passou a ser uma exigência da sociedade. Em 1929 o jornalista Demócrito Rocha registrou: "se o problema do porto de Fortaleza tem a sua incógnita revelada de maneira tão simples, a insolubilidade em que até hoje se perdurou vem apenas atestar a curteza de vista de nossos administradores".
O banco de areia e o quebra-mar incompleto prejudicavam as transações comerciais reclamadas por uma cidade em crescimento. O próprio comandante do Lloyd Brasileiro declarou na Associação Comercial que reconhecia o agravamento da situação do comércio e da indústria do Ceará proveniente da deficiência do porto do Mucuripe, que não atendia as exigências dos transportes marítimos.
A morosidade das obras enriquecia o anedotário popular, segundo o qual Fortaleza tinha três sinfonias inacabadas: a catedral, o Cine São Luiz e o Porto do Mucuripe.


Armazéns do Porto do Mucuripe  

Mesmo depois da instalação do Porto do Mucuripe, continuava a existir certa dificuldade de abastecimento de Fortaleza. Em 1948 os jornais da cidade chegaram a noticiar a possibilidade de faltar gasolina na cidade, porque o navio não havia chegado devido ao entupimento do porto. 

extraído da Revista Fortaleza - fascículo 9