O Cine Art foi instalado na esquina das Ruas Barão
do Rio Branco e Antônio Pompeu, no mesmo endereço no qual antes funcionara o
Cine Araçanga, do Grupo Cinemar. O amplo prédio tornara-se disponível para novo
empreendimento, ao mesmo tempo em que a Empresa Art Palácio S/A, com sede no
Rio de Janeiro, decide ingressar no mercado local.
Para tanto, providencia a
total remodelação da sala, deixada vazia quando a Cinemar deslocou seus
equipamentos para o Cine Toaçu. Para montagem da cabine de projeção foram
trazidos três grandes projetores anteriormente utilizados no Cine Art
Copacabana, no Rio de Janeiro.
A inauguração foi no dia 24 de fevereiro de 1959,
quando em duas sessões é feita a abertura da sala com capacidade para 640
lugares. Na primeira sessão, às 15 horas, há uma exibição especial para os
jornalistas, com o filme “Tufão sobre Nagasaki”, e às 21 horas ocorre a
abertura para o público, com a biografia romanceada da cantora italiana Lina
Cavalieri – A mais Bela Mulher do Mundo.
O cinema assume a distribuição italiana da Art
Films, com eventuais produções procedentes da Alemanha, México, Estados Unidos
e de estúdios brasileiros. Gerenciado por Fernando Câncio, o Art conquista seu
público cativo. O prestígio acompanha os ciclos de filmes selecionados, a
exibição de clássicos e ainda mostras especiais, a exemplo do Festival de
Cinema Baiano, de 6 a 14 de junho de 1965, coordenado por Eusélio Oliveira.
Mais um marco dessa relação entre gerente e
cinéfilos, foi a instituição em 1977, da Sessão de Arte, sempre às sextas-feiras,
às 22 horas. O Cine Art exibiu filmes importantes como “Os Dez Mandamentos” e “Spartactus”,
e o primeiro filme nacional colorido em Cinemascope “Meus Amores do Rio”. “Os
Dez Mandamentos” ficou em cartaz durante 56 dias batendo os recordes de público
na época.
Mas a exemplo do Cine Jangada, o Art foi depois
destinado à projeção de filmes pornográficos após a aposentadoria de Câncio,
alternando a programação com filmes de artes marciais. No dia 31 de outubro de
1989, ao exibir “Kung Fu, irmão de Dinamite”, ficava decretado o fechamento
definitivo de mais um cinema do centro de Fortaleza.
O Cine Art tornara-se mais uma vítima da especialização em filmes de sexo explícito, um caminho sem retorno, marcado pelo processo de decadência irreversível e cumprimento de um final melancólico. Os letreiros de sua fachada por muito tempo tinham ostentado apenas uma mensagem: “Filmes de Sexo Explícito”. Com a queda progressiva de público e a impossibilidade de reverter a vocação do cinema, nada mais restava ao grupo senão decidir pelo fechamento, mesmo porque encerrava-se o contrato de locação do prédio.
Ao fechar suas portas, o Cine Art recebeu as homenagens da crônica especializada, no ritual que se tornou frequente com o apagar das luzes dos antigos cinemas. Ao crítico Frederico Fontenele Farias coube a mais precisa memória do cinema desaparecido:
Meu Adeus ao Cine Art
As bobinas dos projetores giram a exemplo do
movimento de rotação dos ponteiros do relógio e do planeta Terra e à medida que
mergulham nas entranhas do cinematógrafo, 24 fotogramas por segundo, lançados
por um feixe luminoso da tela branca, como se o operador fosse o médium de um
espiritismo profano, a plateia rejeita o que vê ou fica em êxtase: porém, nunca
indiferente...
Quando alguém estiver lendo estas linhas na manhã de domingo, é provável que os projetores do Cine Art já estejam lacrados e o cinema fechado a cadeado. E o público, este grande perdedor, nem ao menos teve a chance de se despedir da sala com alguma película do tipo “A Última Sessão de Cinema” (The Last Picture Show), que Peter Bogdanovich dirigiu em 1971.
Quando alguém estiver lendo estas linhas na manhã de domingo, é provável que os projetores do Cine Art já estejam lacrados e o cinema fechado a cadeado. E o público, este grande perdedor, nem ao menos teve a chance de se despedir da sala com alguma película do tipo “A Última Sessão de Cinema” (The Last Picture Show), que Peter Bogdanovich dirigiu em 1971.
Acabou-se o cinema da minha adolescência. Garoto criado
no Benfica, devo às matinês que frequentei no Art, na década de 60, os
rudimentos que assimilei da gramática da câmara. Ali vi de tudo, desde “Meus
Amores do Rio” de Carlos Hugo Christensen. Na tela da Rua Barão do Rio Branco,
dei credibilidade à passagem de Moisés, a seco no leito do Mar Vermelho em “Os
Dez Mandamentos”, de Cecil B. Demille (quando revi o filme anos depois,
considerei a sequência apenas proeza dos efeitos especiais). E na mesma tela
Charlton Heston trocou o cajado pela espada de “El Cid”. Por sinal foi o único
cinema de Fortaleza que exibiu essa superprodução nas três vezes que foi
projetada na cidade em 1962, 1969 e 1981. “Lawrence da Arábia” igualmente,
conheci através do mesmo retângulo branco em 1964. Noutra ocasião, naquele
cinema, a estrelinha dos filmes de Walt Disney, Hayley Mills, chegou a se
tornar minha musa (quem sabe, a primeira?)
Foi naquela tela também que a primeira vez vi Kirk Douglas – Ned Land salvar James Mason – Capitão Nemo dos tentáculos da lula gigante em “20.000 léguas submarinas”. Engraçado, todas as vezes que revejo essa película, é como se fosse a primeira. E ainda me intriga a escotilha em forma de diafragma fotográfico do submarino Náutilus como um símbolo de Jung. Foi também na tela do Art que vi Steve Reeves em “Hércules e a Rainha da Lídia”, hesitando entre a terna Sylvia Koscina e a sensual Sylvia López, ambas envergando aquele saiote que Jânio impôs para Miss Brasil, quando proibiu o maiô no concurso do Maracanãzinho.
Foi também o cinema dos filmes que perdi e me negou reprises, como “O Tigre da Índia” e “Sepulcro Indiano”, de Fritz Lang; “Os Sete Samurais”, de Akira Kurosawa; ou “O Terceiro Homem”, de Carol Reed. Nacionalistas, acalmai-vos: foi no Cine Art que conheci direta ou indiretamente o Cinema Novo Brasileiro, de Walter Lima Junior e no segundo “O Menino e o Vento” , de Christensen. Mas o Art tampouco rejeitou a chanchada e nele vi Zé Trindade satirizando Franz Léhar em “O Viúvo Alegre”.
A quem atribuir a culpa pela decadência do Art em anos recentes? Rejeitemos o julgamento de pessoas. O homem que consolidou o Art, gerenciando-o desde a fundação em 1959, aposentou-se quando merecia. Se hoje está versejando, deixando outras plateias felizes com suas trovas, encontra-se bem com a vida depois de ter feito tudo pelo cinema, tem uma história para contar. É isso ai, Fernando Câncio. Você foi um lutador.
Responsabilizar a Art Films? É uma questão relativa. A empresa priorizou, de anos para cá, os dois cinemas do Iguatemi. O problema do Art é que ficou localizado numa zona neutra, entre o Centro e os bairros de Fortaleza. Também hesitava na função de cinema para toda a família e para adultos. Quase sempre a heterogeneidade de gêneros provoca uma incompatibilidade de plateias e o consequente esvaziamento. A rigor, ninguém tem culpa. As forças naturais do mercado dominam, dão a última palavra. Só resta dizer adeus.
(O Povo, 29.out.1989)
Foi naquela tela também que a primeira vez vi Kirk Douglas – Ned Land salvar James Mason – Capitão Nemo dos tentáculos da lula gigante em “20.000 léguas submarinas”. Engraçado, todas as vezes que revejo essa película, é como se fosse a primeira. E ainda me intriga a escotilha em forma de diafragma fotográfico do submarino Náutilus como um símbolo de Jung. Foi também na tela do Art que vi Steve Reeves em “Hércules e a Rainha da Lídia”, hesitando entre a terna Sylvia Koscina e a sensual Sylvia López, ambas envergando aquele saiote que Jânio impôs para Miss Brasil, quando proibiu o maiô no concurso do Maracanãzinho.
Foi também o cinema dos filmes que perdi e me negou reprises, como “O Tigre da Índia” e “Sepulcro Indiano”, de Fritz Lang; “Os Sete Samurais”, de Akira Kurosawa; ou “O Terceiro Homem”, de Carol Reed. Nacionalistas, acalmai-vos: foi no Cine Art que conheci direta ou indiretamente o Cinema Novo Brasileiro, de Walter Lima Junior e no segundo “O Menino e o Vento” , de Christensen. Mas o Art tampouco rejeitou a chanchada e nele vi Zé Trindade satirizando Franz Léhar em “O Viúvo Alegre”.
A quem atribuir a culpa pela decadência do Art em anos recentes? Rejeitemos o julgamento de pessoas. O homem que consolidou o Art, gerenciando-o desde a fundação em 1959, aposentou-se quando merecia. Se hoje está versejando, deixando outras plateias felizes com suas trovas, encontra-se bem com a vida depois de ter feito tudo pelo cinema, tem uma história para contar. É isso ai, Fernando Câncio. Você foi um lutador.
Responsabilizar a Art Films? É uma questão relativa. A empresa priorizou, de anos para cá, os dois cinemas do Iguatemi. O problema do Art é que ficou localizado numa zona neutra, entre o Centro e os bairros de Fortaleza. Também hesitava na função de cinema para toda a família e para adultos. Quase sempre a heterogeneidade de gêneros provoca uma incompatibilidade de plateias e o consequente esvaziamento. A rigor, ninguém tem culpa. As forças naturais do mercado dominam, dão a última palavra. Só resta dizer adeus.
(O Povo, 29.out.1989)
esquina das ruas Barão do Rio Branco e Antônio Pompeu atualmente
Extraído do livro de Ary Bezerra Leite
A Tela Prateada
A Tela Prateada
11 comentários:
Assisti principalmente aos bons filmes franceses e italianos nas manhãs de domingo de minha adolescência...
Amigas, Amigos, Alguém saberia esclarecer o som que foi instalado no Cine Art? Não era simples stéreo, ou dolby stéreo, era algo que tomava de conta da "pequena" sala de exibição (comparada ao Diogo, São Luis). Grato. (Recordar é viver...)
frenquentei algumas vezes o cineart na minha adolescencia. filme. vinte mil leguas submarinas. a lagoa azul. hoje e o estacionamento do ijf onde trabalho. ricardo regis .
Boa Noite
Prezada senhora.
As pessoas estão lendo esse post e pensando que no livro do pesquisador Ary leite tem essa foto da farmácia dos trabalhadores. Por favor retire essa foto dessa farmácia pois a localização que você esta fazendo e errada. Atualmente O local que funcionava o cine Art é o estacionamento do IJF.
Tbm assisti muitose filme lá. MEu de laranja Lima. Sudadades
Tbm assisti muitose filme lá. MEu de laranja Lima. Sudadades
CINE ATT
Incrível como tempo passa... Apesar de não ter pego os tempos áureos, nem os tempos de filme explícitos, consegui assistir, ainda menor, aos 15 anos, a últimas sessão de Rambo III, em 1989. Lembro ainda, sessão sem ar condicionado, abriram as cortinas por conta do valor insuportável. Mas ninguém arredou o pé para ver Rambo III.
Nem lembro mais em quais anos frequentei o cinema Art. Mas, foi muito bom, delicioso e emocionante ler esse post. Moramos na Aguanambi com Antônio Pompeu. Então era fácil ir a pé pro cinema.
Recordo-me com sentimento saudosista do.cine Art, especialmente quando esteve em cartaz "Dio come ti amo".❤️
Bons tempos. Filme Dio come ti amo
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