domingo, 29 de dezembro de 2024

Capela de Santa Teresinha, na Avenida Leste-Oeste (avenida Presidente Castelo Branco)

 

Capela de Santa Teresinha

e seu vizinho Hotel Marina Park 

É um templo de aparência modesta, localizado na Avenida Leste-Oeste, nas imediações de um empreendimento turístico de grande porte, o que já representou uma ameaça à sua permanência. A capela dedicada à Santa Teresinha foi construída entre 1926 e 1928, no antigo Arraial Moura Brasil, onde outrora, em tempos de estiagem severa, funcionou um campo de concentração de flagelados da seca.

Os campos de concentração foram criados em períodos de seca, quando um grande contingente de sertanejos, fugindo da miséria absoluta de suas localidades, invadia a capital em busca de condições mínimas de vida. Temia-se a repetição dos acontecimentos de 1877, quando Fortaleza transformou-se na capital do desespero: de 21 mil habitantes pelo censo de 1872, passou a ter 130 mil. Uma multidão de miseráveis, em busca de alimentos, trabalho, teto, remédios e assistência social. A economia da província, já abalada pela crise do algodão, entrou em colapso de vez.

Aquelas invasões incomodavam os moradores, pois dizia-se que  traziam consigo, doenças, desordens e maus hábitos; os jornais da época davam conta do temor dos comerciantes, com possíveis saques e assaltos. Para manter os retirantes em seus lugares de origem e evitar que alcançassem Fortaleza ou outras grandes cidades do interior, as autoridades construíram esses chamados “campos de concentração”, acampamentos murados ou cercados com arame farpado, onde as pessoas eram confinadas, uma experiência que começou a ser posta em prática em 1915, no Alagadiço.

Passado o período mais crítico da pós-estiagem, muitos retornaram para suas casas, suas cidades de origem ou migraram para outros Estados. Mas boa parte dos ocupantes do campo de concentração permaneceu na área, e se expandiu ocupando a região que hoje compreende o Pirambu, e o bairro Moura Brasil.

Com o apoio da igreja católica, e a ajuda dos moradores, a capela foi construída entre os casebres, refúgio de oração e de convivência da comunidade. Mas o progresso chegou e alcançou a área onde estava a capela de Santa Teresinha. No início dos anos 70, foi decidida que seria construída uma avenida à beira-mar que ligaria a Barra do Ceará à zona portuária do Mucuripe, a atual Avenida Leste-Oeste. No projeto, por estarem no caminho da obra, havia a previsão de remoção de grande parte dos moradores, e a demolição do templo.


Início da construção da Avenida Leste-Oeste

O projeto vingou em parte. A maioria da comunidade foi efetivamente removida, mas a capela de Santa Teresinha permaneceu, por conta de manifestações contrárias à demolição e protestos populares. Outra tentativa de demolição da capela ocorreu algum tempo depois, em 1984, com a execução do projeto do Hotel Marina Park.  Como compensação, foi proposta a construção de outra igreja, mais moderna, apta a receber não apenas os moradores do bairro, mas pessoas de diferentes áreas da cidade. O projeto ganhou simpatias e teve o apoio da Paróquia a que estava subordinado o templo. À época, as atividades da Capela de Santa Terezinha estavam parcialmente suspensas, em virtude das obras do hotel que estava sendo construído no seu entorno.


Traçado da Avenida Leste-Oeste em 1974

Novamente os protestos não permitiram a demolição. Para garantir a manutenção e para evitar novas especulações, a Capela de Santa Terezinha foi tombada como patrimônio histórico do Município através da Lei 6087 de 09 de junho de 1986.  Em cumprimento da promessa feito pelo empreendimento hoteleiro, uma nova igreja foi construída e inaugurada em 1995, a Igreja de Santa Edwiges, na Avenida Leste-Oeste, a alguns metros da capela de Santa Teresinha.

Mas capela de Santa Teresinha ficou abandonada por anos, invadida por marginais e servindo de esconderijo de infratores da lei, até ser resgatada e recuperada pela Prefeitura de Fortaleza e várias entidades privadas. Foi reaberta à visitação pública em 13 de dezembro de 2012.    


consultados: Fortaleza, uma breve História/Artur Bruno e Airton de Farias/Revista porque Reportar - O Povo/Fotos Fortaleza em Fotos/O Povo e Pinterest  


  

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

A Criação da Universidade no Ceará

 

reitor Antônio Martins Filho

No ano de 1944 o médico cearense Dr. Antônio Xavier de Oliveira, encaminhou ao Ministério da Educação e Saúde, um relatório sobre a federalização da Faculdade de Direito do Ceará. No mesmo documento foi mencionada a ideia de criação de uma universidade com sede em Fortaleza, sendo esta a primeira vez que o assunto foi levantado em um documento oficial.

Três anos depois, em 1947, a cidade recebeu a visita do então Ministro da Educação, professor Clemente Mariani. Recepcionado na Faculdade de Direito, fez ali um pronunciamento em favor da solicitação da comunidade, através de um documento com dez mil assinaturas, que pleiteava uma universidade para o Ceará.


Escola de Agronomia

A Universidade do Ceará foi criada oficialmente no dia 16 de dezembro de 1954, através da lei 2.373, sancionada pelo presidente Café Filho, na gestão do governador Paulo Sarasate. O primeiro reitor, escolhido por meio de uma lista tríplice, foi o professor Antônio Martins Filho, por ato publicado no Diário Oficial em 18 de maio de 1955.

A reitoria foi instalada provisoriamente em uma sala pequena, com aproximadamente 22 metros quadrados, no pavimento térreo da Faculdade de Direito, na atual praça Clóvis Beviláqua, antiga Praça da Bandeira.

Finalmente, no dia 25 de junho de 1955, foi efetivamente realizada a Assembleia Universitária para a instalação oficial da universidade, com a presença de representantes da Presidência da República e do Ministro da Educação, além do governador Paulo Sarasate, do arcebispo metropolitano de Fortaleza Dom Antônio de Almeida Lustosa, professores universitários e do reitor Martins Filho.


Faculdade de Direito

Quatro meses depois da instalação oficial, a Universidade teve efetivamente a sua sede, em razão do aluguel de um imóvel situado à Rua Senador Pompeu, 1613, na então Praça da Bandeira, hoje Clóvis Beviláqua, nas proximidades da Faculdade de Direito. Eram tempos difíceis, as instalações eram precárias e as condições de trabalho eram adversas devido à escassez de recursos materiais e financeiros.

Mas a Reitoria só ficou no imóvel por um semestre, uma vez que já se encontravam em curso as negociações para a compra de um prédio de propriedade da Imobiliária José Gentil, no caso, um palacete no Benfica, antiga residência do banqueiro José Gentil, àquela altura em posse de herdeiros. 


Faculdade de Farmácia e Odontologia

A universidade nasceu já com três unidades federais: a Faculdade de Direito, a Faculdade de Farmácia e Odontologia do Ceará, ambas mantidas pelo Ministério da Educação e Cultura, e a Escola de Agronomia, que até então era vinculada ao Ministério da Agricultura. Mais tarde, foi federalizada e incorporada à universidade a Faculdade de Medicina, que já funcionava como um estabelecimento de ensino superior, mantido por uma entidade de direito privado.


Faculdade de Medicina

A Faculdade de Engenharia, criada pela Lei nº 2,383, de 3 de janeiro de 1955, deveria ser incorporada à Universidade, uma vez que não se compreenderia seu funcionamento como estabelecimento de ensino superior isolado, dada sua condição de instituto mantido pelo Governo Federal. Recebeu a denominação de Escola de Engenharia.

 O primeiro diretor foi o engenheiro Antônio Pinheiro Filho, professor catedrático da Escola de Engenharia de Ouro Preto. O prédio que serviu de sede para a Escola de Engenharia, localizado no Benfica, foi adquirido ao comerciante José Thomé de Saboya e Silva.

No início de 1956, após sucessivos entendimentos com o Sr. João Gentil, diretor-presidente da Imobiliária José Gentil, foi concluída a compra do palacete José Gentil, adquirida com todos os móveis, troféus e adornos existentes na antiga residência. O valor pago foi de 500 Mil Cruzeiros. Depois de reformada e ampliada, a nova sede da Reitoria foi inaugurada no dia 25 de junho de 1956.

Durante o ano de 1956, outros estabelecimentos isolados passaram a compor a Universidade federal mediante agregação, como a Faculdade de Ciências Econômicas do Ceará, mantida pelo Governo do Estado; Escola de Serviço Social, do Instituto Social de Fortaleza; e Escola de Enfermagem São Vicente de Paulo, da Província Brasileira das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo.

Até a metade dos anos 1940, a Universidade do Ceará era só uma ideia na cabeça de alguns professores, especialmente da Faculdade de Direito, que sonhavam com a instalação de um estabelecimento de ensino superior, público e gratuito, dedicado à pesquisa científica e que contribuísse efetivamente para a melhoria da qualidade de vida dos cearenses.


Decorridos 70 anos desde a sua criação, a Universidade do Ceará, depois denominada Universidade Federal do Ceará, é considerada a melhor instituição do gênero em todo Norte e Nordeste. Na UFC são ofertados 123 cursos de graduação (incluindo 10 cursos à distância) e 153 de pós-graduação, sendo 82 mestrados, 51 doutorados e 20 especializações.

Na graduação, as vagas de todos os cursos, com exceção de Letras-Libras, são ofertadas no Sistema de Seleção Unificada (SISU), do governo federal. Trata-se da principal forma de ingresso na UFC. Para concorrer a uma das vagas, é necessário ter participado do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em sua edição mais recente.

Conta com três campi em Fortaleza (Benfica, Pici e Porangabuçu), e em algumas cidades no interior do Ceará, como Crateús, Quixadá, Russas, Itapajé e Sobral, atuando no desenvolvimento socioeconômico dessas regiões.


Fontes: O Outro Lado da História/Antônio Martins Filho/Edições Universidade Federal do Ceará, 1983. Portal da UFC/Instituto do Ceará. Fotos Memorial da UFC/Arquivo Nirez/IBGE/Publicação Fortaleza e Fotos. 



terça-feira, 12 de novembro de 2024

Um Cassino em Fortaleza. Quem conheceu?

 

Os cassinos são ilegais no Brasil e considerados contravenção penal desde 1946, por decreto assinado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, que teria baixado o decreto influenciado por sua esposa Carmela Dutra, que era conhecida por sua forte religiosidade à Igreja Católica. Apesar da proibição, vez em quando se tem notícias de estabelecimentos do gênero instalados e em pleno funcionamento em território brasileiro.

A notícia reproduzida do jornal Folha de São Paulo, edição de 07 de junho de 1998, dá conta da existência de um cassino em Fortaleza, que funcionava na Aldeota, sem citar o endereço. Já que aparentemente nunca frequentaremos um cassino no país, pelo menos podemos ter uma ideia do que ofereciam e como funcionavam. 


Praia de Iracema anos 90 

O nome Guarany não era novidade para os fortalezenses, uma vez que , funcionou no centro, a partir dos anos 50, a famosa Boate Guarani, uma grande casa de espetáculos.  Mas a área de atuação da boate era a exploração do lenocínio, não havia jogatina. A casa era famosa por promover festas especiais em que as mulheres eram praticamente uniformizadas, pois embora com modelos diferentes, seus vestidos naquela noite tinham a mesma cor. No aniversário da madame era o Baile azul. Mas no decorrer do ano tinha o baile vermelho, o cor-de-rosa, e assim por diante. Encerrou as atividades no início dos anos 60, devido a proibição do funcionamento de cabarés no centro.  

Palacete Guarany, onde funcionou a boate Guarany 


O Cassino Guarany

"Cassino paga até táxi para clientes em Fortaleza

Numa casa ampla do bairro da Aldeota, em Fortaleza, funciona um dos mais conhecidos cassinos clandestinos do país: o Clube Guarany, que fica a apenas cinco quarteirões da Secretaria de Segurança do Estado.

A reportagem da Folha esteve no cassino na última quarta-feira à noite, onde constatou o funcionamento de duas mesas de bacará, três de roleta, duas de pôquer e duas de "black jack", além de máquinas de videopôquer.

Para atrair clientes, o cassino distribui bônus de R$ 20,00 nos hotéis e ainda paga a corrida de táxi do turista até o clube. Os bônus simulam notas de US$ 20,00, e no verso do papel estão explicações em inglês, espanhol, francês e português.

A equipe de reportagem entrou no cassino se fazendo passar por turistas. Ainda no hotel, os recepcionistas tranquilizam os clientes quanto à segurança do cassino. Dizem que a casa funciona há muitos anos e que não há risco de batida policial.

O motorista do táxi, assim que foi informado do endereço, avisou que a corrida seria paga pelo cassino, que tem até uma tabela fixa: R$ 20,00, independentemente do trajeto.

O cassino é dividido em três ambientes: a boate "Four Seasons", a sala das máquinas caça-níqueis e a sala das mesas de jogo, protegida por vidros. O ambiente é decorado com grandes quadros com motivos indígenas.

Para usar o bônus, o cliente precisa comprar mais R$ 50,00 em fichas, mas tem bebida de graça e, na madrugada, os garçons servem caldo de peixe, também de cortesia. Tudo para estimular o freguês a continuar apostando.

Em volta das mesas, poucos clientes. Três senhoras, aparentando mais de 60 anos, apostavam na roleta compulsivamente, ao lado de quatro homens de meia-idade que vinham a trabalho de outros Estados.

As máquinas de videopôquer estavam vazias, alguns homens jogavam cartas e garotas de programa circulavam pelo cassino, sem fregueses.

Apesar do aparente marasmo, o cassino Guarany está de mudança para um local maior.

Cartazes e várias fotografias afixados na sala de jogos anunciam, para breve, a inauguração do "Green Beach Cassino", no hotel Praia Verde. O hotel, que fica na Praia do Futuro, está fechado para reforma.

Outro Lado

O subsecretário de Segurança do Estado, Francisco Sales de Oliveira, disse que o governo desconhece a existência do cassino Guarany. "Se existe, nunca tomamos conhecimento", afirmou."


(ELVIRA LOBATO) domingo, 7 de junho de 1998

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc07069819.htm

fotos da Internet


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A Praça dos Mártires (Passeio Público) e suas Histórias

 


É um dos logradouros mais antigos da cidade. No século XVII era o Largo da Fortaleza. Ali foi construído o Paiol da Pólvora, local da guarda de armamentos e munições da fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. O paiol ficava no ângulo da Santa Casa, próximo ao mar. Nessa época passou a ser chamado de Largo do Paiol. O Paiol do Passeio Público foi foi demolido em 1855. (1)

O local teve um passado sombrio. Antes da urbanização e até 1825, foi o espaço de execuções de condenados pela justiça, quando ainda havia a pena de morte no Brasil, que só foi abolida em 1889, com a Proclamação da República. Pelo menos dois desses eventos ficaram registrados na memória da cidade – a execução por fuzilamento dos revoltosos da Confederação do Equador (2) e a execução de 6 escravos maranhenses, autores de crimes de morte e roubo no Brigue-Escuna Laura II, quando navegava pela costa cearense próxima a Aquiraz. (3)

A praça foi idealizada pelo governador Fausto Augusto de Aguiar e foi iniciada em 1864 com a participação do comerciante Tito Antônio da Rocha que, entre os equipamentos da praça construiu um rinque de patinação, um tanque circular com repuxos, adornado com jarrões de louça chinesa, instalou a caixa d’água e um coreto, com elegante cobertura em forma de pirâmide, onde se apresentavam as bandas de música do 15º Batalhão de 1ª Linha, da Escola de Aprendizes Marinheiros e Batalhão de Segurança do Estado.  A área ia da atual Rua Dr. João Moreira até a praia chamada de Maceió, onde ficava o ancoradouro. Após a construção do primeiro plano, o restante do terreno foi cercado pela Câmara e arrendado para plantio de hortaliças.



A partir de 1879 houve uma grande remodelação com a criação de três planos, separados por paredões, denominados de avenidas. No primeiro plano, foi construída em 1888, a Avenida Caio Prado, em homenagem ao governador do Ceará, Antônio Caio da Silva Prado, falecido durante o mandato. (4). A avenida recebeu iluminação, novos bancos, e réplicas de esculturas clássicas adquiridas na Europa. Passou a ser o local preferido da elite da cidade.

O segundo plano, chamado de Rocha Lima, depois Carapinima, era bastante arborizado, possuía cascata artificial, um lago com a estátua de Diana, deusa da caça na mitologia romana, um cassino com bar e bilhares, chamado de Cassino Cearense, de propriedade de Júlio Pinto. Anos depois, esse segundo plano foi transformado em praça de esportes e depois cedido ao quartel da 10ª Região Militar, instalado na vizinhança do Passeio Público. Era frequentado pelas classes médias e populares.


 

O terceiro plano chamado Tito Rocha e depois Avenida Mororó, possuía um lago artificial alimentado por um braço do riacho Pajeú e no centro uma estátua de Netuno, além de um mini zoológico com animais soltos no ambiente: veados, emas, patos, cisnes... Era o espaço das classes pobres, de classe sociais mais baixas, prostitutas, desocupados e pessoas humildes. Com o abandono gradativo do terceiro plano, grande parte dos animais foram capturados e abatidos por populares e por alunos da Escola Militar, rapazes insubordinados e desordeiros, que tocavam o terror nas ruas da província.

Ao longo do tempo, com o surgimento de espaços mais atraentes, o passeio público foi perdendo o charme, deixou de ser atrativo. Passou por inúmeras reformas, em diversas administrações municipais, mas nunca recuperou o prestígio como espaço de lazer que atraía todas as classes sociais.



Fica numa região antiga e razoavelmente preservada da cidade, todos os equipamentos e imóveis instalados nas suas imediações são tão velhos quanto o velho passeio público. A árvore mais antiga, o Baobá, plantado pelo Senador Pompeu, o prédio do Clube Cearense (final do século XIX), a Santa Casa de Misericórdia (1857), o prédio da Associação Comercial (1870), a fortaleza de Nossa Senhora da Assunção (1649).

As belas estátuas de deuses trazidas da Europa, os jarros de faiança, as colunas artísticas, desapareceram. Restaram os pedestais vazios, a grama seca, os bancos velhos, com pinturas desbotados, e o tédio generalizado de um logradouro que já foi bem maior, bem mais cuidado, bem mais frequentado e muito festejado; mas ainda de pé, está o velho Baobá, uma das 45 árvores de Fortaleza classificadas pela prefeitura como imunes ao corte. Esses elementos fazem parte da mais pura história de Fortaleza.




(1) O Paiol da Pólvora

era um tipo de construção utilizada para armazenar pólvora, normalmente em barris de madeira, de forma segura. O do Passeio Público era uma construção rústica, de taipa e palha, localizada próximo ao forte de N.S. de Assunção, em frente ao canto esquerdo da Santa Casa de Misericórdia. Ficou no local de 1817 até 10 de maio de 1855, quando foi transferido para o Morro do Croatá. Durante muito tempo a área do entorno ficou desabitada por causa do risco de uma explosão. 


(2) A Confederação do Equador 

Os mártires que deram nome ao Passeio Público participaram do movimento revolucionário de caráter republicano e constitucionalista, chamado Confederação do Equador, que reivindicava, dentre outros objetivos, a independência do Nordeste. Entre os réus, estavam o padre Gonçalo Mororó, João de Andrade Pessoa Anta, Francisco Miguel Pereira Ibiapina, Feliciano José da Silva Carapinima e Luiz Ignácio de Azevedo, vulgo Azevedo Bolão. Foram condenados à morte, e executados em 1825, por pelotões de fuzilamento.


(3) A Revolta dos Negros do Laura II

Em 1839, o navio Laura II foi cenário de um levante de escravos que culminou com a morte de toda a tripulação da embarcação, que seguia de São Luís do Maranhão para o Rio de Janeiro. De passagem por Fortaleza, alguns escravos foram ao capitão queixar-se do mal que passavam e da pouca comida que lhes distribuíam. A resposta do comandante foi dura: que eles mereciam era muito açoite.

Humilhados, e sem esperança, os negros começaram a se rebelar contra as condições em que viajavam; planejaram uma vingança que foi consumada ao deixarem as águas de Fortaleza. Mal se aperceberam os oficiais e passageiros do navio.

O capitão foi atacado no seu camarote a golpes de faca; fugiu e se refugiou no lugar do leme, sendo lançado ao mar. O contramestre e o prático foram igualmente esfaqueados e jogados no mar. Os demais tripulantes e alguns passageiros foram assassinados a pauladas. O único que restava dos brancos foi posto a serviço dos revoltosos. Salvaram-se os que foram considerados inofensivos, como o cozinheiro do capitão, os negros passageiros, e os dois moleques. Os rebelados foram presos, submetidos ao júri, sendo que seis foram condenados à morte, trazidos para Fortaleza e executados na forca do Passeio Público, em 1839.


(4) O Governador Caio Prado

Antônio Caio da Silva Prado foi sem dúvida uma das figuras mais interessantes que apareceu na provinciana Fortaleza dos anos 1880. Filho de tradicional família paulista, irmão do escritor Eduardo Prado, rico, bonito, intelectual, educado na Europa, vivido e escolado no modus vivendi parisiense, depois de pouco mais de 7 meses a frente do governo de Alagoas, "caiu de paraquedas" no cargo de governador do Ceará, nomeado por Sua Alteza Imperial Dom Pedro II.

Nascido em 1853, chegou aqui aos 35 anos de idade. Assumiu o governo do Ceará em 21 de abril de 1888, cercado de admiradores e elogios de simpatizantes, mas com reservas da imprensa local. Ao tomar posse no cargo, logo se viu cercado de dificuldades de todos os tipos. Para começar, o Ceará enfrentava mais um período de seca, a chamada “seca dos três oitos”, com a capital invadida por retirantes, em busca de alimentos, abrigo, trabalho e assistência social; e mais uma vez, exposta ao risco de epidemias, que costumavam surgir nessas situações de caos.

Talvez pelo desconhecimento no trato de problemas com os quais nunca tivera contato, talvez por não saber distinguir as especificidades da terra que aceitara governar, o presidente Caio Prado permaneceu alheio e distanciado das graves crises que o Estado atravessava. Apesar das críticas que vinham de diversos setores da sociedade, e acusado de negligência em relação aos problemas locais, Caio Prado não se abalou, e entregou-se ao lazer dos passeios com os amigos e festas no Palácio da Luz, enquanto a população enfrentava os horrores da seca, da fome e do temor de uma epidemia.

E a tragédia não demorou. Proliferou no Ceará, uma violenta epidemia de febre amarela, espalhando de vez, o quadro de miséria e horror vivido na época. Com a epidemia instalada, inclusive em Fortaleza, o próprio presidente foi uma das vítimas; acometido de febre amarela, faleceu em 25 de março (ou maio) de 1889.


Consultados:

Caminhando por Fortaleza, de Francisco Benedito/ Coisas que o tempo levou – crônicas históricas da Fortaleza antiga, de Raimundo Menezes//GIRÃO, Raimundo. Geografia Estética de Fortaleza. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1959//GIRÃO, Valdelice Carneiro. A Emigração Cearense no Governo Caio Prado (1888-1889). Fortaleza: Revista do Instituto do Ceará, 1990. publicação Fortaleza em Fotos. Imagens: postais antigos, IPHAN e Fortaleza em Fotos.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Padre Palhano, o Prefeito de Sobral

 

José Palhano de Saboia era apenas um seminarista, quando caiu nas boas graças do bispo Dom José Tupinambá da Frota, primeiro bispo de Sobral, que o considerava como seu filho adotivo. O seminarista era um sujeito carismático, desportista, piloto de avião e moto, indisciplinado, inquieto e extremamente popular entre a população de Sobral. Foi ordenado por Dom José depois de ter sido expulso do Seminário da Prainha, por viajar para Sobral todo fim de semana, sem licença dos superiores. Depois foi estudar em Roma, onde pouco demorou na Universidade Gregoriana, retornando a Sobral. Muito inteligente e inquieto, Palhano não gostava de estudar.

Padre Palhano

Passou a trabalhar com Dom José, no Palácio Episcopal. Quando teve seu avião, levava o bispo a acompanhá-lo nas suas piruetas aéreas. Atuando como tesoureiro das riquezas da Diocese, era ele quem distribuía as honrarias e cargos da igreja. Usava sua camionete para ajudar aos mais pobres, como transportar uma grávida para a maternidade, ou um doente de volta para casa.

Por isso, não foi surpresa para ninguém quando ingressou na cena política, depois de indispor o bispo Dom José com um velho aliado, o cacique político da região, Chico Monte. Candidatou-se a prefeitura de Sobral em 1958, numa ruidosa campanha que repercutiu no Estado e no País inteiro, onde envolveu o próprio bispo, que viveu o vexame de passar por uma inspeção do arcebispo metropolitano, Dom Antônio de Almeida Lustosa, instrumentado pelas boas relações do então Ministro do Trabalho Parsifal Barroso, genro de Chico Monte, com a alta hierarquia da Igreja Católica.

 

Bispo Dom José ao lado do seminarista José Palhano de Saboia

O bispo Dom José, usado como trunfo na mesquinha campanha eleitoral – dada sua popularidade entre a população – era levado para cima e para baixo pelas ruas de Sobral, surdo, quase cego e senil, para ajudar o pupilo, que provocava pessoalmente o adversário Chico Monte. O veterano político tentou responder com a candidatura do monsenhor José Gerardo Ferreira Gomes. O bispo proibiu a disputa, sob pretexto de que não ia permitir a luta de entre dois padres.


vista aérea do Seminário Diocesano, inaugurado por Dom José em 1925. Funcionou até 1967

Padre Palhano venceu a eleição. Dom José ainda pode testemunhar o feito, presidindo o banquete em comemoração ao novo prefeito. Logo depois, morreu. A gestão de Palhano à frente da Prefeitura de Sobral foi cheia de percalços, devido a forte oposição de grupos políticos locais e do Governo do Estado.

Em 1962 candidatou-se ao cargo de deputado federal e na mesma época foi excomungado pelo Vaticano por haver processado na justiça comum o bispo Dom Walfrido Teixeira Vieira. Depois foi suspenso das ordens por Dom João da Mota. Na véspera da eleição, correu em Sobral um boletim apócrifo, atribuído ao secretário da Diocese, padre Sadoc, lamentando a punição ao padre Palhano, dizendo tratar-se de um grande equívoco. As cópias do boletim foram jogadas de um avião e inundou as ruas de Sobral. No ano de 1962, fundou a Rádio Tupinambá, que possuía vasta programação musical, e de onde o padre divulgava notícias bombásticas a respeito dos adversários.


Avenida Dom José, no Centro

O golpe militar de 1964 foi o fim da carreira política de Padre Palhano, cassado por Ato Institucional. Então, foi morar no Rio de Janeiro, onde se formou em Direito. Quando pode, voltou a Sobral, às suas polêmicas, aos banhos no açude do Quebra, sua paradisíaca propriedade na Serra da Meruoca.

Padre Palhano terminou seus dias aos sessenta anos sem votos, sem a sua emissora de rádio, sem a aura romântica que tanto cultivara. Seu enterro, no entanto, foi a consagração que ele teria gostado de presenciar. A cidade inteira, chorando, levou-o à sua última morada, lembrando seu carisma, sua alegria de viver, esquecendo e perdoando seus arrebatamentos e as paixões que suscitara.


Extraído do livro” Clero, Nobreza e Povo de Sobral/Lustosa da Costa. Rio-São Paulo- Fortaleza: ABC Editora,2004/publicação Fortaleza em Fotos/Imagens IBGE e Internet          


sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Bairros de Fortaleza: entre Parques e Jardins

Por ser de lá
Na certa por isso mesmo
Não gosto de cama mole
Não sei comer sem torresmo
Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão boiada caminhando a esmo
(Gilberto Gil - Lamento Sertanejo)

Nem só de figuras masculinas, a maioria desconhecida da população, vivem os bairros de Fortaleza.  Há ainda muitos parques, jardins, granjas e algumas praias. Os praianos são em menor número, mas são também os mais conhecidos. Afinal, quem nunca esteve nos Bairros Praia de Iracema e Praia do Futuro?

O Praia de Iracema é antigo reduto da boemia, da praia do peixe, dos armazéns do porto, dos estivadores, dos marinheiros, dos botecos e biroscas, e das zonas de baixo meretrício que ficavam por ali, a meio caminho, entre a praia e o centro. Depois virou lugar turístico, os armazéns viraram casas de show, os botecos se sofisticaram e os boêmios viraram senhores respeitáveis e abandonaram as farras noturnas. Hoje, a Praia de Iracema é só mais um bairro tentando sobreviver e de manter a tradição de lugar turístico.

A Praia do Futuro era só a praia deserta e de difícil acesso até o dia que chegaram os primeiros condomínios. Hoje o bairro foi dividido em dois e o movimento de visitantes e moradores se resume a orla e as gigantescos barracas, que oferecem muitas opções de culinária, diversão e lazer. A especulação imobiliária chegou, mas não vingou na Praia do Futuro.  

Os bairros de Fortaleza foram sendo criados ao longo do tempo, de acordo com a divisão territorial da cidade. Assim, à medida que a cidade crescia e áreas rurais, antes ocupada por grandes sítios e chácaras, foram sendo ocupadas, surgiram alguns espaços que receberam denominações que historicamente lembram áreas de paz e calmaria.

Os Jardins


praça do Jardim América (2012)


O Jardim América deve ser um dos bairros mais antigos a ostentar no nome o status de jardim. O espaço resultou de um plano para aumentar a demanda por áreas residenciais em Fortaleza. Primeiro, surgiu a Praça Presidente Roosevelt, em homenagem ao ex-presidente dos Estados Unidos, e daí surgiu o primeiro nome do bairro: Jardim das Américas, depois resumido para Jardim América. Em determinada época, o bairro chegou a ser chamado de bairro Laguna, devido ao fato de estar sempre alagado por conta dos escoadouros das lagoas, que depois foram direcionadas a um extenso canal. Ali, chegavam as águas das lagoas da Parangaba, do Bessa (localizada no bairro do Rodolfo Teófilo) e as do Tauape, que foi aterrada.


Bairro Bom Jardim, trecho com o Rio Maranguapinho (2013)

O Bom Jardim fica na região sudoeste de Fortaleza, limita-se com os bairros Granja Portugal, Granja Lisboa, Siqueira e Canindezinho. Segundo moradores mais antigos, os primeiros moradores chegaram no início da década de 1960. Até então aquela área era ocupada por uma grande fazenda, a qual foi loteada pelo empresário João Gentil.

O Jardim Guanabara fica na área de jurisdição da Regional 1, entre os bairros Quintino Cunha e Barra do Ceará. Antes da criação do bairro, aquela região pertencia a família do coronel José Antônio de Carvalho, com o nome de Parque Vila Velha. Com a criação do bairro, em 15 de outubro de 1970, passou a ser denominado Jardim Guanabara, nome escolhido pelos moradores.

O bairro Jardim Iracema fica na mesma região do Jardim Guanabara, zona Oeste da cidade, e tem histórias muito parecidas. O bairro também surgiu do parcelamento de terras que pertenciam a família do coronel José Antônio de Carvalho, na localidade denominada Sitio Santo Amaro. Era repleto de hortas e riachos, exploradas por posseiros, que abasteciam de frutas e verduras o Mercado São Sebastião. Depois de loteado, o lugar passou a ser chamado de Paulistinha, e passou a ser Jardim Iracema, a partir de 2008, quando o bairro foi criado oficialmente, através da lei Ordinária 435, de 25 de novembro de 2008.


Capela Nossa Senhora Aparecida, no Jardim das Oliveiras (foto Diário do Nordeste)

O Jardim das Oliveiras está localizado na região sudeste de Fortaleza, entre os bairros Aerolândia, Salinas, Cidade dos Funcionários. Por volta de 1910 a família Cordeiro veio do bairro Água Fria para mora no bairro Santa Luiza do Cocó (hoje Jardim das Oliveiras). A localidade era conhecida como Sete Sítios; pois essa era a quantidade de famílias tradicionais residentes no local na época: Estas eram as famílias, cada qual residindo em seu respectivo sítio: Porfírio, (antigo proprietário do Sitio Tunga, que deu origem a outros bairros da região); Rocha, Cordeiro, Branco, Mendes, Maranhão e Cocó. A família Cordeiro deu início a história do atual Jardim das Oliveiras, quando promoveu o loteamento de suas terras.

Jardim Cearense - a existência do bairro parece uma peça de ficção criada pela prefeitura, uma vez que os moradores da área onde deveria estar o bairro Jardim Cearense, negam a existência do mesmo e se declaram moradores da Maraponga. De acordo com os mapas da prefeitura, o Jardim Cearense fica entre os bairros da Maraponga, Dendê e Mondubim.   

Os Parques

Praça no Parque Araxá ( imagem DN)

O Parque Araxá – Até por volta da década de50, a região era coberta de mata, com poucas casas e terrenos alagados devido a existência de algumas lagoas. A família Diogo era proprietária das terras, que eram administradas por um certo Zé Crateús. A região era toda conhecida por Otávio Bonfim. Então ainda nos anos 50 os terrenos foram loteados e começaram a ser vendidos. Uma das imobiliárias chamou o loteamento de Araxá, em alusão a cidade mineira de águas termais e suas propriedades terapêuticas. O Parque Araxá fica os bairros Farias Brito (Otávio Bonfim), Parquelândia e Rodolfo Teófilo.

Parque Manibura – Bairro localizado na zona sul da cidade, entre os bairros Luciano Cavalcante, Cidade dos Funcionários e Cambeba. É um local quase que exclusivamente residencial, com predomínio de casas, reduto de classe média alta.    

Parque Iracema – o bairro surgiu numa área desmembrada do bairro da Messejana. Fica entre os bairros do Cambeba, Cidade dos Funcionários, Cajazeiras e Messejana.

Parque Dois Irmãos – localizado entre os bairros Mondubim, Dendê, Passaré, Prefeito José Walter e Itaperi, o bairro surgiu em meados dos anos 70. Os primeiros moradores contam que naquela época o local era coberto de mato, quando foi lançado um loteamento chamado Parque Dois Irmãos. No início as casas eram pequenas e simples. Hoje o bairro é bastante populoso.

Parque Santa Maria – Criado pela Lei Ordinária nº 9.064, de 21 de dezembro de 2005, com área desmembrada do Ancuri. Limita-se com os bairros Jangurussu, Messejana, Paupina e Ancuri.    

Parque Santa Rosa – a localidade é bem antiga. Surgiu com a chegada das irmãs que faziam parte da congregação do Bom Pastor e, posteriormente, com a vinda dos padres jesuítas, que na década de 1980 percorriam o território nacional para disseminar a evangelização. Os moradores mais antigos atualmente, chegaram ao bairro há mais de 30 anos, e contam que o lugar era cheio de mato, sem pavimentação, sem eletricidade e poucas residências. O Rio Maranguapinho que corta o bairro, era fonte de alimentação e lazer. O Parque Santa Rosa está localizado entre os bairros Conjunto Esperança, Parque Presidente Vargas, Canindezinho e Mondubim.  

Parque São José – localizado na região conhecida por Grande Bom Jardim, fica entre os bairros Vila Pery, Bom Jardim, Canindezinho e Vila Manoel Sátiro. O bairro surgiu por volta de 1935, quando foram construídas as primeiras casas, onde as ruas eram de areias, e a iluminação era à base de lamparinas, já que não havia energia elétrica. Hoje moram no Parque São José cerca de 17 mil pessoas.   

Parque Presidente Vargas – localizado na região do Grande Mondubim, o bairro surgiu a partir de um loteamento irregular, onde os compradores não receberam os documentos devidos. Até hoje o problema persiste, com grande número de imóveis sem registro. Está em curso uma ação da Defensoria Pública visando a regularização fundiária no bairro. Fica entre os bairros Canindezinho, Parque Santa Rosa, Mondubim e o município de Maracanaú. Cerca de 7.500 pessoas residem no local.   

 

 Consultados:

 https://issuu.com/oliiveiraph/docs/jardim_das_oliveiras_-_diagn_stico//jornal Diário do Nordeste//Jornal O Povo//https://www.seduc.ce.gov.br// https://desenvolvimentosocial.fortaleza.ce.gov.br/images/Mapa_Regionais_Fortaleza.pdf//https://globoplay.globo.com//https://www.defensoria.ce.def.br/noticia/regularizacao-fundiaria-do-bairro-presidente-vargas// 

domingo, 6 de outubro de 2024

Jangadeiros e Aventureiros

 

O transporte usado pelos jangadeiros para as incursões marítimas era a velha jangada de piúba, madeira leve, durável e resistente retirada da árvore piúba. A jangada partia antes do sol nascer, com três ou quatro pescadores, dependendo do número de dias que pretendiam ficar em alto mar, bem distante do litoral, de onde só se via, céu e mar.

A alimentação que levavam era geralmente constituída de farinha, rapadura e carne-seca para almoço e jantar, café em pó e bolachas para o café da manhã. Conduziam um fogareiro de lata, carvão, querosene e lampião. Este era para ser pendurado no mastro da jangada, e além da iluminação da jangada, servia como sinalizador, para evitar a colisão com embarcações maiores que transitassem pela área.


 
jangadas no Mucuripe

Durante o dia se orientavam pela posição do sol e à noite, a referência era a constelação Cruzeiro do Sul, formada por um conjunto de cinco estrelas que sempre aponta na direção sul. Essa forma de orientação pelas estrelas está atrelada ao período histórico das Grandes Navegações.

A experiência adquirida nessas viagens de trabalho, levaram dois grupos de pescadores cearenses a viajar ao Rio de Janeiro, em duas oportunidades e em datas diferentes, para fazer reivindicações junto às autoridades, da sempre carente classe dos pescadores.

A primeira viagem foi em 1941. Quatro jangadeiros partiram de Fortaleza para o Rio de Janeiro, então capital do Brasil navegando em uma jangada. O objetivo era chamar a atenção das autoridades para os problemas dos jangadeiros, que trabalhavam arriscando a vida, moravam precariamente em casas de palha, não eram proprietários das embarcações em que pescavam, pois trabalhavam para os patrões, ficavam com 50% do produto da pesca, pagavam alimentação quando iam para o mar, e a faca para cortar peixe. Ficavam a cargo dos jangadeiros, o desmonte da embarcação para refazê-la a cada oito meses, e 50% dos pescados para dividir com a tripulação. 

A viagem foi preparada e a jangada de nome São Pedro partiu levando como tripulantes os pescadores Raimundo Correia Lima, vulgo Tatá; Jerônimo André de Souza:  Manuel Pereira da Silva, vulgo Manuel Preto, comandados pelo mestre jangadeiro Manoel Olímpio Meira, vulgo Jacaré, presidente da colônia de pescadores Z1, localizada na Praia de Iracema. Era o dia 14 de setembro de 1941. A embarcação fez escala para abastecimento nas cidades de Natal, Recife, Salvador, Vitória, Macaé e Cabo Frio. Chegaram ao Rio de Janeiro em 15 de novembro do mesmo ano. A viagem durou 62 dias e percorreu cerca de 2.500 quilômetros, sem bússola ou outros instrumentos de navegação. 

os jangadeiros Jacaré, Tatá, Jerônimo e Manoel Preto

Os pescadores foram recebidos pelo presidente Getúlio Vargas, que prometeu atender as reivindicações e ainda acrescentou outras. O feito dos cearenses foi destaque na imprensa nacional e se espalhou pelo mundo. Tempos depois o ator e produtor de cinema americano, Orson Welles, convidou os jangadeiros para uma filmagem sobre o feito, que seria rodado no Rio de Janeiro. O convite foi aceito e eles viajaram novamente ao Rio para participar das filmagens.

As filmagens estavam sendo realizadas na Praia do Juá, numa jangada rebocada por uma lancha. Como o mar estava muito revolto, resolveu-se cortar o cabo que amarrava a jangada. No mesmo instante, uma grande onda envolveu a jangada, atirando-a de encontro as pedras existentes no local. Com o impacto, os tripulantes caíram na água. Os jangadeiros Tatá, Jerônimo e Manuel Preto, juntamente com o americano, conseguiram nadar até a lancha e escaparam. Mas o jangadeiro Jacaré morreu afogado. Seu corpo nunca foi encontrado.

Pouco tempo depois, o presidente Getúlio Vargas assinou um decreto que concedia aos jangadeiros o direito a aposentadoria e outros benefícios do Instituto de Aposentadoria dos Marítimos.

A segunda viagem de jangadeiros aconteceu vinte e seis anos depois. A situação dos jangadeiros continuava precária, com poucos direitos e muitos problemas. Por esse motivo, um novo grupo de pescadores resolveu realizar uma nova viagem ao Rio de Janeiro em busca do reconhecimento de seus direitos.

jangada Menino Deus em fase de preparação 

a tripulação da jangada Menino Deus em entrevista a um canal de TV no RJ

A embarcação foi uma jangada de nome Menino Deus, feita de piúba, com seis metros de comprimento, presente do prefeito de Fortaleza e do Vice-Governador do Ceará. A jangada foi modificada para suportar mais um mastro. No maior tinha içada a bandeira brasileira, e no outro, a bandeira do Ceará. O objetivo era cobrar do presidente, aquilo que Getúlio Vargas prometeu e não entregou. 


Jangada Menino Deus partiu da Praia do Mucuripe com 5 tripulantes

A jangada Menino Deus iniciou sua viagem no dia 8 de dezembro de 1967, levando os jangadeiros José de Lima, Manuel de Lima, João Rodrigues e Manuel Rodrigues, comandados por Luís Carlos de Sousa, conhecido por mestre Garoupa. A jangada parou para abastecimento de água e alimentos, a maioria doados pelos comerciantes, nos portos de Macau, Natal, Cabedelo, Recife, Salvador, Ilhéus, Vitória. No dia 28 de janeiro a embarcação foi dada como desaparecida, sendo localizada 2 dias depois, a 16 milhas da costa de Maricá-RJ, por um navio da Marinha Mercante.  Após esse incidente, a viagem foi concluída e os navegantes chegaram ao Rio de Janeiro no dia 31 de janeiro de 1968, após 54 dias de navegação. No Rio de Janeiro, a decepção: o presidente Costa e Silva se recusou a recebê-los.

Com o passar do tempo a madeira piúba ficou cada vez mais difícil de ser obtida, e de alto custo financeiro. A solução foi passar a fabricar jangadas com tábuas de madeira louro, na forma que já era utilizada na fabricação de pequenos barcos a motor. Atualmente a pesca em jangadas está em franco processo de extinção. Os pescadores preferem os barcos, mais seguros e com potencial para oferecer algum conforto.



83 anos passados da aventura de Jacaré e seus parceiros de viagem, a realidade não mudou muito nas colônias de pescadores cearenses. Segundo dados publicados em jornal de Fortaleza, cerca de 80% dos mais de 80 mil pescadores do Ceará ainda vivem com menos de um salário mínimo por mês. Ainda sofrem com a ação de atravessadores, não contam com nenhum apoio para melhoria das embarcações, enfrentam limitações na época do defeso e temem a força dos ventos que, nessa época do ano, tanto assustam quanto matam. A maioria dos jangadeiros é muito pobre, ainda vive na miséria, em casas simples e expostos a muitas doenças. 


Extraído dos livros ‘A Praia de Iracema dos anos 50”/ Jaildon Correia Barbosa – Fortaleza: Premius, 2010// “Ideal Clube - história de uma sociedade”/Vanius Meton Gadelha Vieira-Fortaleza:Tiprogresso,2003//Jornal Diário do Nordeste e outros//publicação Fortalezaemfotos.com.br//imagens: IBGE, revista O Cruzeiro, site Memória Santista - https://memoriasantista.com.br//jornal Diário do Nordeste