segunda-feira, 4 de novembro de 2024

A Praça dos Mártires (Passeio Público) e suas Histórias

 


É um dos logradouros mais antigos da cidade. No século XVII era o Largo da Fortaleza. Ali foi construído o Paiol da Pólvora, local da guarda de armamentos e munições da fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. O paiol ficava no ângulo da Santa Casa, próximo ao mar. Nessa época passou a ser chamado de Largo do Paiol. O Paiol do Passeio Público foi foi demolido em 1855. (1)

O local teve um passado sombrio. Antes da urbanização e até 1825, foi o espaço de execuções de condenados pela justiça, quando ainda havia a pena de morte no Brasil, que só foi abolida em 1889, com a Proclamação da República. Pelo menos dois desses eventos ficaram registrados na memória da cidade – a execução por fuzilamento dos revoltosos da Confederação do Equador (2) e a execução de 6 escravos maranhenses, autores de crimes de morte e roubo no Brigue-Escuna Laura II, quando navegava pela costa cearense próxima a Aquiraz. (3)

A praça foi idealizada pelo governador Fausto Augusto de Aguiar e foi iniciada em 1864 com a participação do comerciante Tito Antônio da Rocha que, entre os equipamentos da praça construiu um rinque de patinação, um tanque circular com repuxos, adornado com jarrões de louça chinesa, instalou a caixa d’água e um coreto, com elegante cobertura em forma de pirâmide, onde se apresentavam as bandas de música do 15º Batalhão de 1ª Linha, da Escola de Aprendizes Marinheiros e Batalhão de Segurança do Estado.  A área ia da atual Rua Dr. João Moreira até a praia chamada de Maceió, onde ficava o ancoradouro. Após a construção do primeiro plano, o restante do terreno foi cercado pela Câmara e arrendado para plantio de hortaliças.



A partir de 1879 houve uma grande remodelação com a criação de três planos, separados por paredões, denominados de avenidas. No primeiro plano, foi construída em 1888, a Avenida Caio Prado, em homenagem ao governador do Ceará, Antônio Caio da Silva Prado, falecido durante o mandato. (4). A avenida recebeu iluminação, novos bancos, e réplicas de esculturas clássicas adquiridas na Europa. Passou a ser o local preferido da elite da cidade.

O segundo plano, chamado de Rocha Lima, depois Carapinima, era bastante arborizado, possuía cascata artificial, um lago com a estátua de Diana, deusa da caça na mitologia romana, um cassino com bar e bilhares, chamado de Cassino Cearense, de propriedade de Júlio Pinto. Anos depois, esse segundo plano foi transformado em praça de esportes e depois cedido ao quartel da 10ª Região Militar, instalado na vizinhança do Passeio Público. Era frequentado pelas classes médias e populares.


 

O terceiro plano chamado Tito Rocha e depois Avenida Mororó, possuía um lago artificial alimentado por um braço do riacho Pajeú e no centro uma estátua de Netuno, além de um mini zoológico com animais soltos no ambiente: veados, emas, patos, cisnes... Era o espaço das classes pobres, de classe sociais mais baixas, prostitutas, desocupados e pessoas humildes. Com o abandono gradativo do terceiro plano, grande parte dos animais foram capturados e abatidos por populares e por alunos da Escola Militar, rapazes insubordinados e desordeiros, que tocavam o terror nas ruas da província.

Ao longo do tempo, com o surgimento de espaços mais atraentes, o passeio público foi perdendo o charme, deixou de ser atrativo. Passou por inúmeras reformas, em diversas administrações municipais, mas nunca recuperou o prestígio como espaço de lazer que atraía todas as classes sociais.



Fica numa região antiga e razoavelmente preservada da cidade, todos os equipamentos e imóveis instalados nas suas imediações são tão velhos quanto o velho passeio público. A árvore mais antiga, o Baobá, plantado pelo Senador Pompeu, o prédio do Clube Cearense (final do século XIX), a Santa Casa de Misericórdia (1857), o prédio da Associação Comercial (1870), a fortaleza de Nossa Senhora da Assunção (1649).

As belas estátuas de deuses trazidas da Europa, os jarros de faiança, as colunas artísticas, desapareceram. Restaram os pedestais vazios, a grama seca, os bancos velhos, com pinturas desbotados, e o tédio generalizado de um logradouro que já foi bem maior, bem mais cuidado, bem mais frequentado e muito festejado; mas ainda de pé, está o velho Baobá, uma das 45 árvores de Fortaleza classificadas pela prefeitura como imunes ao corte. Esses elementos fazem parte da mais pura história de Fortaleza.




(1) O Paiol da Pólvora

era um tipo de construção utilizada para armazenar pólvora, normalmente em barris de madeira, de forma segura. O do Passeio Público era uma construção rústica, de taipa e palha, localizada próximo ao forte de N.S. de Assunção, em frente ao canto esquerdo da Santa Casa de Misericórdia. Ficou no local de 1817 até 10 de maio de 1855, quando foi transferido para o Morro do Croatá. Durante muito tempo a área do entorno ficou desabitada por causa do risco de uma explosão. 


(2) A Confederação do Equador 

Os mártires que deram nome ao Passeio Público participaram do movimento revolucionário de caráter republicano e constitucionalista, chamado Confederação do Equador, que reivindicava, dentre outros objetivos, a independência do Nordeste. Entre os réus, estavam o padre Gonçalo Mororó, João de Andrade Pessoa Anta, Francisco Miguel Pereira Ibiapina, Feliciano José da Silva Carapinima e Luiz Ignácio de Azevedo, vulgo Azevedo Bolão. Foram condenados à morte, e executados em 1825, por pelotões de fuzilamento.


(3) A Revolta dos Negros do Laura II

Em 1839, o navio Laura II foi cenário de um levante de escravos que culminou com a morte de toda a tripulação da embarcação, que seguia de São Luís do Maranhão para o Rio de Janeiro. De passagem por Fortaleza, alguns escravos foram ao capitão queixar-se do mal que passavam e da pouca comida que lhes distribuíam. A resposta do comandante foi dura: que eles mereciam era muito açoite.

Humilhados, e sem esperança, os negros começaram a se rebelar contra as condições em que viajavam; planejaram uma vingança que foi consumada ao deixarem as águas de Fortaleza. Mal se aperceberam os oficiais e passageiros do navio.

O capitão foi atacado no seu camarote a golpes de faca; fugiu e se refugiou no lugar do leme, sendo lançado ao mar. O contramestre e o prático foram igualmente esfaqueados e jogados no mar. Os demais tripulantes e alguns passageiros foram assassinados a pauladas. O único que restava dos brancos foi posto a serviço dos revoltosos. Salvaram-se os que foram considerados inofensivos, como o cozinheiro do capitão, os negros passageiros, e os dois moleques. Os rebelados foram presos, submetidos ao júri, sendo que seis foram condenados à morte, trazidos para Fortaleza e executados na forca do Passeio Público, em 1839.


(4) O Governador Caio Prado

Antônio Caio da Silva Prado foi sem dúvida uma das figuras mais interessantes que apareceu na provinciana Fortaleza dos anos 1880. Filho de tradicional família paulista, irmão do escritor Eduardo Prado, rico, bonito, intelectual, educado na Europa, vivido e escolado no modus vivendi parisiense, depois de pouco mais de 7 meses a frente do governo de Alagoas, "caiu de paraquedas" no cargo de governador do Ceará, nomeado por Sua Alteza Imperial Dom Pedro II.

Nascido em 1853, chegou aqui aos 35 anos de idade. Assumiu o governo do Ceará em 21 de abril de 1888, cercado de admiradores e elogios de simpatizantes, mas com reservas da imprensa local. Ao tomar posse no cargo, logo se viu cercado de dificuldades de todos os tipos. Para começar, o Ceará enfrentava mais um período de seca, a chamada “seca dos três oitos”, com a capital invadida por retirantes, em busca de alimentos, abrigo, trabalho e assistência social; e mais uma vez, exposta ao risco de epidemias, que costumavam surgir nessas situações de caos.

Talvez pelo desconhecimento no trato de problemas com os quais nunca tivera contato, talvez por não saber distinguir as especificidades da terra que aceitara governar, o presidente Caio Prado permaneceu alheio e distanciado das graves crises que o Estado atravessava. Apesar das críticas que vinham de diversos setores da sociedade, e acusado de negligência em relação aos problemas locais, Caio Prado não se abalou, e entregou-se ao lazer dos passeios com os amigos e festas no Palácio da Luz, enquanto a população enfrentava os horrores da seca, da fome e do temor de uma epidemia.

E a tragédia não demorou. Proliferou no Ceará, uma violenta epidemia de febre amarela, espalhando de vez, o quadro de miséria e horror vivido na época. Com a epidemia instalada, inclusive em Fortaleza, o próprio presidente foi uma das vítimas; acometido de febre amarela, faleceu em 25 de março (ou maio) de 1889.


Consultados:

Caminhando por Fortaleza, de Francisco Benedito/ Coisas que o tempo levou – crônicas históricas da Fortaleza antiga, de Raimundo Menezes//GIRÃO, Raimundo. Geografia Estética de Fortaleza. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1959//GIRÃO, Valdelice Carneiro. A Emigração Cearense no Governo Caio Prado (1888-1889). Fortaleza: Revista do Instituto do Ceará, 1990. publicação Fortaleza em Fotos. Imagens: postais antigos, IPHAN e Fortaleza em Fotos.

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