Nascida na Fazenda Caiçara, a 11 de setembro de 1760, na localidade de Senhor Bom Jesus dos Aflitos de Exú-Pernambuco, Bárbara Pereira de Alencar mudou-se com o marido, o
comerciante português José Gonçalves dos Santos e três filhos pequenos para a
Vila do Crato, no Ceará. Vivia uma vida típica de moradora da zona rural do
município, no início do século XIX, cuidando dos afazeres domésticos e das
ocupações do Sítio Pau-Seco, onde cultivava cana de açúcar e arroz.
Casa grande da Fazenda Caiçara, em Exú, onde nasceu Bárbara de Alencar em 1760 imagem: Cariri Cangaço
A calmaria da vida provinciana
foi quebrada com a chegada à cidade do filho José Martiniano de Alencar, pai do
escritor José de Alencar, em 1817. Trazia do Recife, o ideal de libertação do
País, ainda dependente da Coroa Portuguesa. Alencar pediu o apoio da família para
implementar o sonho republicano, há muito acalentado em Pernambuco.
Igreja matriz de Nossa Senhora da Penha, na cidade do Crato, construída em 1745 - imagem IPHAN
A revolução foi decretada do
púlpito da igreja matriz do Crato, no dia da festa de Santa Cruz, conquistando
o apoio de pequenos comerciantes semianalfabetos, agricultores e pequenos
criadores. Sua decisão, com registro em ata, depunha as autoridades
monarquistas, extinguia o mandado de vereadores, proclamava novos titulares
para os cargos políticos, liberava os presos das cadeias, transmitindo adesão
ao governo de Pernambuco, líder do movimento.
Orgulhosa, Bárbara de Alencar
aderiu ao movimento desde o início, encarregando-se de preparar o banquete
comemorativo para os revolucionários. Tinha todos os motivos para tal atitude.
Seus dois outros filhos, Carlos José dos Santos e Tristão Gonçalves Pereira também
aderira ao movimento.
A reação não tardou. Cerca de
mil homens foram incumbidos de retomar o poder na Vila e os principais líderes
do movimento foram presos, entre eles, os filhos de Bárbara de Alencar. A prisão
da mãe era iminente, mas ela ainda teria tempo de esconder dinheiro e objetos
de valor da família.
abertura de entrada da prisão de Bárbara de Alencar na fortaleza de N.S.da Assunção, em Fortaleza.
Suas propriedades foram
confiscadas e vendidas em leilão, e embora aconselhada, preferiu não fugir e
enfrentar as consequências. Foi presa aos 57 anos, junto com mais 24 rebeldes,
trazidos para Fortaleza e confinados no antigo quartel junto à fortaleza de Nossa
Senhora da Assunção. Bárbara foi mantida isolada no calabouço, e submetida a
toda sorte de maus tratos. Proibida de comunicar-se com os filhos utilizou-se
de estratégias dentro da prisão, a fim de melhorar as condições de vida dos
rebeldes.
Subornou um guarda da prisão
com um cordão de ouro, conseguindo roupas para todos. Também conseguiu que
fazer com que chegasse ao governador Sampaio, uma carta escrita com o sangue do
próprio filho Tristão, denunciando o abandono em que se encontravam os presos. A
ousadia resultou na transferência para um local menos hostil. Durante os quatro
anos em que esteve presa, passou por outros cárceres em Pernambuco e na Bahia.
Casa onde residiu no Crato - imagem IPHAN
Aos 60 anos, Bárbara foi
libertada e voltou ao Crato, onde lutaria para reaver suas propriedades. Os filhos
também foram libertos, continuaram a luta, engajando-se na Confederação do
Equador, em 1824. A ideia era congregar Norte e Nordeste sob um regime federalista
e republicano, em que cada província manteria sua soberania e autonomia. Esse movimento
também foi sufocado pela monarquia, com dois filhos de Bárbara – Tristão e
Carlos, sendo cruelmente assassinados. Martiniano escapou, fugindo para
Pernambuco.
José Martiniano de Alencar, que se tornaria Senador e Presidente da Província do Ceará
A caça aos Alencar foi
intensa na Região do Cariri. Bárbara escondeu-se no Piaui. As perseguições aos
membros da família, contribuíram para a deterioração de sua saúde. Morreu em
1832, aos 72 anos, na cidade de Fronteiras, no Piauí. Seu envolvimento com os movimentos revolucionários do
período, custaram-lhe caro, ainda sob outros aspectos. As notícias de sua
prisão em 1817, garantiram-lhe doloroso processo de difamação. A ela foi atribuído
o papel de amásia do vigário Manuel Carlos Saldanha, suposto pai de Martiniano,
fato nunca comprovado.
A semelhança de outras
matriarcas nordestinas, Bárbara era conhecida por sua fervorosa fé católica e
por seu moralismo. Não permitia escravos amasiados em sua propriedade nem
reconhecia filhos tidos fora das uniões convencionais. No trato da propriedade
era a encarregada de distribuir tarefas, fiscalizando atentamente sua execução.
Tinha boa relação com os escravos, obtendo deles respeito e fidelidade.
Fonte: Duarte, Ana Rita
Fonteles. Mulher-macho, sim senhor. Histórias de mulheres que romperam limites
no Ceará. In: Carvalho, Gilmar de, Organizador. Bonito pra Chover: ensaios sobre
a cultura cearense. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2003. 340p