quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A Seca de 1932 e os Campos de Concentração


No início dos anos 1930, com mais de 100 mil habitantes, governo e elites de Fortaleza enfatizavam a necessidade de modernizar e embelezar a cidade, enquanto sua população e suas contradições só aumentavam. O discurso da modernidade visava dotar a cidade de equipamentos que beneficiassem os setores econômicos mais influentes, disciplinasse a expansão urbana e controlasse a crescente população pobre e a tensão social decorrente desse crescimento.

 Praça do Ferreira, 1930

Foi nesse contexto, que a cidade viveu a expectativa da invasão de milhares de retirantes, quando ficou evidente que o Estado atravessava mais um período de estiagem. Temia-se a repetição dos acontecimentos de 1877, quando Fortaleza transformou-se na capital do desespero: de 21 mil habitantes pelo censo de 1872, passou a ter 130 mil. Um enorme contingente de pessoas em busca de alimentos, trabalho, teto, remédios e assistência social. A economia da província, já abalada pela crise do algodão, entrou em colapso de vez.  

O ano de 1931 foi de inverno ruim no Ceará, com poucas chuvas e safras reduzidas, prenúncio de novos períodos de estiagens. A previsão se confirmou logo no ano seguinte com a seca de 1932, uma das mais graves da história do Estado.

Milhares de pessoas faleceram de fome, sede e doenças. O então presidente Getúlio Vargas resolveu tratar o problema causado pela estiagem como uma questão nacional, ou seja, as medidas a serem adotadas seriam de responsabilidade do governo federal. Logo liberou verbas para socorro aos flagelados, controlou o mercado para garantir o abastecimento mínimo e preços razoáveis e instruiu a Inspetoria de Obras contra as Secas IFOCS a alistar sertanejos para trabalhos na construção de açudes, estradas, calçamentos, prédios, etc. 

A Estação Central da Estrada de Ferro Baturité e a Igreja do Coração de Jesus foram construídas com a utilização da mão-de-obra dos retirantes da seca de 1878.  

Nem todos os sertanejos conseguiam emprego nas obras de emergências, porque a procura era muito maior do que a oferta de vagas. Os que conseguiam, trabalhavam de sol a sol, sempre sob o olhar repressor de feitores. Não recebiam salários em moeda, mas em gêneros alimentícios, os quais muitas vezes eram desviados pelos encarregados da distribuição ou tinham valores superfaturados.

Ante a penúria e a fome, homens, mulheres de todas as idades e crianças viram-se sujeitos a migrar a pé ou em trens em busca de alguma ajuda. As estações ferroviárias tornaram-se locais de grande tensão entre os migrantes e a polícia – os retirantes chegaram a saquear e a tomar trens em busca de passagens para Fortaleza.

Os trens poupavam os flagelados de longas caminhadas, e os caminhos dos trilhos viraram a grande referência para as rotas dos sertanejos. Em Fortaleza, normalmente os migrantes eram despejados próximos ao litoral, onde se localizavam as últimas estações ferroviárias. Muitos deles erguiam casebres perto da praia, o que explica a formação das primeiras grandes favelas de Fortaleza, a exemplo do Pirambu.

Aqueles exércitos de miseráveis incomodavam os moradores, pois dizia-se, levavam doenças, desordens e maus hábitos; os jornais da época davam conta da preocupação dos comerciantes, com possíveis saques e assaltos. Para manter os retirantes em seus lugares de origem e evitar que alcançassem Fortaleza ou outras grandes cidades do interior, as autoridades construíram “campos de concentração”, ou seja, acampamentos murados ou cercados com arame farpado, onde eram confinados os flagelados – uma experiência que já tinha sido posta em prática em 1915, no Alagadiço (atual São Gerardo).

Os Campos de Concentração apresentavam uma estrutura básica, com posto médico, cozinha, barbearia (os homens tinham o cabelo raspado), banheiros, capela e casebres divididos em pavilhões para homens solteiros, viúvas e famílias. Poderia haver ainda uma espécie de cadeia para os desordeiros e oficinas de olaria, carpintaria, alfaiataria, para não deixar os retirantes inativos, o que era aliás, uma grande preocupação das autoridades.

Dali ninguém podia sair sem autorização dos inspetores de Campo. Guardas vigiavam constantemente os movimentos dos "concentrados" para evitar fugas. Houve inúmeros casos de revolta de retirantes contra aquele controle sufocante. Esses espaços foram chamados pela população de “currais do governo”. Vale lembrar que a criação dos Campos de Concentração contou com amplo apoio da sociedade, de acordo com os artigos elogiosos divulgados pelos jornais da época, afinal os retirantes estavam isolados e bem assistidos.

As estatísticas oficiais dão conta de mais de cem mil retirantes (os números são estimados, já que não havia um controle efetivo da população nos campos de concentração) nas sete áreas de confinamento existentes: em Buriti (distrito do Crato), Patu (Senador Pompeu) Cariús (São Mateus), Ipu, Quixeramobim e em Fortaleza, nos bairros do Pirambu e Farias Brito (Otávio Bonfim). 

Estação de Otávio Bonfim
Igreja das Dores em construção

Nas proximidades da Estação Ferroviária, em Otávio Bonfim, foi formado um dos  campos de concentração em Fortaleza, onde os retirantes ficavam confinados, vigiados por soldados. Ali os retirantes podiam fazer tudo, contanto que não saíssem de lá. O governo fornecia alguma alimentação, água, e prometia soluções que nunca chegaram.  objetivo era evitar que os miseráveis, vítimas da seca, ocupassem Fortaleza. O Campo de Concentração estava localizado nas imediações da futura Igreja das Dores, no local hoje ocupado pela Praça de Otávio Bonfim e pela Comunidade conhecida por Cercado do Zepadre. 

A localização dos campos levou em conta a existência nas proximidades de uma estação ferroviária. Com isso, as autoridades objetivavam controlar a massa de retirantes (diminuindo as tensões sociais pelo confinamento da população) e evitar sua migração de trem para a capital. Nos Campos de Concentração o governo prometia água, comida e assistência médica aos retirantes, num discurso humanista. Mas a realidade era outra; a condição dos flagelados era lamentável, magros, doentes e mal alimentados. Os campos se tornavam focos de infecção. Entre abril de 1932 e março de 1933 foram registrados mais de mil mortos no Campo de Concentração do Ipu. O maior campo instalado no Estado foi o de Buriti, Distrito do Crato. Segundo registros oficiais, por lá passaram 65 mil pessoas em 1932.



Depois de 1932 a experiência dos Campos de Concentração foi abandonada no Ceará. Não há registro de que outros Estados do Nordeste tenham lançado mão dessa estratégia.  


Fonte: História do Ceará, de Airton de Farias  
fotos de origens diversas

    

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Bairro Dionísio Torres

Localizado na zona Norte de Fortaleza, limite sul da Aldeota, o bairro Dionísio Torres (antigo Estância), limita-se ao Norte com a Aldeota, ao sul com o São João do Tauape, a leste com o Cocó e a Oeste com o bairro Joaquim Távora.  De acordo com o IBGE, em 2010, a população era de 15.634 habitantes, distribuídos em 4.844 domicílios. É ainda um dos 10 bairros mais ricos da cidade, com renda média mensal equivalente a R$ 2.707,00, conforme o “Mapeamento das Atividades Socioeconômicas nos Bairros”, divulgado pela Prefeitura de Fortaleza em 2015.


Duas fases do bairro vistas do mesmo ângulo: atualmente, e no início dos anos 60, quando ainda se chamava Estância e os coqueirais eram visíveis. Foto atual feita por drone. (Créditos:   www.flyup.46graus.com). Imagem antiga do arquivo Nirez  

As terras que serviram de marco para a criação do bairro foram compradas em 1920, pelo farmacêutico Dionísio Torres aos herdeiros de Gonçalo Baptista Vieira, o Barão de Aquiraz, numa área de 75 hectares, situada na parte mais alta da cidade.O comprador deu à propriedade o nome de Estância, uma área enorme, coberta de mato ralo e imprestável. Para se chegar ao local, o único acesso era uma trilha estreita, que ligava a Piedade, no bairro Joaquim Távora, a qual Dionísio Torres percorria a cavalo.

Naquele terreno árido e de difícil acesso, Dionísio fez uma plantação com mais de 3 mil coqueiros, sendo o primeiro plantio simétrico desta árvore que se tem notícia no Ceará. A área, antes inóspita, passou a ser chamada pelos moradores de “coqueiral do seu Dionísio”.

Sede da Granja leiteira Estância Castelo, em 1930

No centro da propriedade, fundou a “Granja Leiteira Estância Castelo”, trazendo para o Ceará a primeira importação de Gado Holandês de alta linhagem, embarcado do Uruguai, por via marítima. Os céticos apostavam no fracasso da empreitada, porque acreditavam que a raça não suportaria o clima quente de Fortaleza. Mas, o espírito empreendedor de Dionísio, insistiu e acabou se tornando o iniciador do grande rebanho leiteiro desta raça espalhado por todo o Estado desde então.

Em 1939, Dionísio Torres decidiu pelo parcelamento das terras, lançando um grande empreendimento imobiliário constituído de 58 hectares: o Loteamento Terras da Estância Castelo. A partir deste lançamento, em parceria com a Prefeitura de Fortaleza, foram realizadas diversas obras de infraestrutura, como as estradas de acesso à Piedade – a atual Av. Antônio Sales – e ao litoral – atual Rua Tibúrcio Cavalcante, através de calçamento feito com pedra tosca.

O abastecimento de água do loteamento foi viabilizado com a doação de uma fração do terreno ao Estado, onde foi construída uma caixa d’água, existente até hoje na esquina da Avenida Antônio Sales, com a Rua Tibúrcio Cavalcante. Dionísio também foi o responsável pelas primeiras obras de ocupação no bairro, construindo a Vila Estância, com 60 casas, e a Vila Zoraida, com 48 casas, além de diversos prédios residenciais e comerciais espalhados pela propriedade. Providenciou ainda, a instalação de fiação e postes de iluminação em todo o loteamento.

No final dos anos 50, chegou à Estância um equipamento de porte: a TV Ceará, que ali instalou sua grande torre de transmissão; a chegada da Televisão atraiu diversos empreendimentos para o bairro além de outros veículos de comunicação, como os jornais “Correio do Ceará” e “O Unitário” que se instalaram logo depois da TV Ceará. Hoje, a maioria dos canais de televisão de Fortaleza estão localizadas no bairro.  O local foi escolhido por ser o ponto mais alto da cidade, com altitude de cerca de 50 metros acima do nível do mar.
  
 Vila Vicentina na Avenida Antônio Sales: os moradores vivem sob constante ameaça de deslocamento em função da especulação imobiliária. Foto Flick 

A partir da década de 1960, Dionísio Torres, resolveu doar parte do terreno de sua propriedade em benefício de famílias carentes vindas do interior. A doação resultou na construção da Vila Estância Vicentina, com frente também para a Avenida Antônio Sales, somando 40 unidades residenciais.  Ainda hoje essa população de baixa renda é beneficiada com moradia, que para muitos custa apenas um valor simbólico, ou nem isso. Em 1967, através da Lei Municipal n° 3500, o bairro Estância passou a ser denominado Dionísio Torres, em homenagem ao seu fundador.


  Praça da Imprensa (foto O Povo) 

A Praça da Imprensa, a mais conhecida do bairro, foi criada em 21 de maio de 1973, na gestão do prefeito Vicente Fialho (1971-1975). Quando a prefeitura criou o projeto da praça em frente aos Diários Associados, jornalistas de Fortaleza, militantes nos diversos órgãos locais, pleitearam o nome de Praça da Imprensa. Foram atendidos. A praça conta com vários bustos de grandes personalidades ligadas à história do rádio, TV e jornais do Estado, como João Perboyre e Silva, Demócrito Rocha, chanceler Edson Queiroz e Conde Ernesto Pereira Carneiro, fundador do Jornal do Brasil.

Fontes de consulta:
IBGE – censo demográfico de 2010
Anuário de Fortaleza 2012/2013 
Jornais O Povo, Diário do Nordeste
Site: Dionísio Torres.com.br
Praças de Fortaleza, de Maria Noélia R. da Cunha