terça-feira, 14 de julho de 2020

Porciúncula, Messejana, o antigo Lar do Lustosa da Costa


Em uma de suas inúmeras crônicas, o escritor, jornalista, poeta, editor, professor e membro da Academia Brasiliense de Letras, Francisco José Lustosa da Costa, conta que o sítio onde hoje se instala a Porciúncula – atual sede das irmãs Missionárias da Ordem das Capuchinhas, em Messejana, era de propriedade de sua família. Seu pai comprara o sítio quando ainda era solteiro, e o vendeu no início da década de 60.

terreno de várzeas em Messejana - 1928 (imagem MIS)

Messejana era então muito longe de Fortaleza. Era um lugarejo tranquilo, com uma poética igreja no meio de um largo, rodeada de frondosas mangueiras. Ainda não havia asfalto, a pavimentação era com pedra de calçamento. Os ônibus eram velhos, maltratados. Em suas reminiscências, o jornalista relembra de coisas e pessoas de quando residiam no local: quando vinham da capital, desciam do ônibus em frente ao sítio da Rosa, uma solteirona meio doida que tinha mania de limpeza, e que ocupava o tempo varrendo infatigavelmente o terreno, envolta em uma nuvem de pó, dizendo palavrões dirigidos às galinhas, que atrapalhavam seu trabalho.

Para chegar em casa passava pela bodega de um certo Seu Oliveira, e percorria cerca de um quilômetro de areal. O trecho era tido como perigoso, à noite. Nos seus tempos de criança, a grande aventura consistia em atingir o final do sítio, na atual BR-116, onde se situava a casa de um morador, um preto velho de nome José Pinto, que recebia com mimos e agrados, as visitas dos filhos dos patrões.

Uma grande tradição do sítio da família, era a comemoração ao 13 de maio, dia da aparição de Nossa Senhora de Fátima. As novenas organizadas pela tia do jornalista, eram concorridíssimas, geralmente apareciam os vizinhos, e os pobres da vizinhança vinham ver as sobrinhas e as protegidas da dona da casa, todas vestidas de anjos com asas de papelão. A avó do cronista era uma velha faladeira , destemida, amiga do general Eudoro Correia.

Praça da igreja imagem: Arquivo Nirez

À frente da paróquia de Messejana estava o padre Pereira, (Francisco Pereira da Silva, pároco de 1938 a 1980) que implicava, em vão, com os namorados mais acalorados, que escolhiam os fundos e a calçada da igreja, como local de encontro para troca de carinhos. No auge da indignação, o velho sacerdote sentenciava: “se peito de moça fosse buzina de carro, quem mora perto da igreja não ia poder dormir à noite, tamanho o barulho!”


Fundos da Igreja de Messejana imagem: acervo IPHAN

Nas águas transparentes da lagoa de Messejana, onde Iracema se banhava ao chegar do Ipu, o cronista se afogou e quase morreu ainda criança. Escapou por um triz, para usar uma das expressões da época.


Lustosa da Costa - Cajazeiras (PB) 1938 - Brasilia (DF) 2012







Hoje o belo e aprazível sítio – sede das Irmãs Missionarias Capuchinhas, funciona como lugar de retiro e acolhida de religiosos, promove eventos de cunho social e religioso e atua na área educacional. O terreno foi adquirido pela ordem religiosa e no dia 19 de março de 1961 foi lançada a pedra fundamental para a construção da Porciúncula.  No dia primeiro de maio de 1964, a Porciúncula acolheu o noviciado ocupando a terceira ala do prédio e dia 25 de maio chegou o Governo Geral e a partir daí, foi reconhecida como Sede Geral da Congregação. Em 1973, uma parte da casa foi cedida para encontros e cursos de maior e menor duração, em regime de internato.


Fontes:

sexta-feira, 3 de julho de 2020

A Vida nos Bairros de Fortaleza nos anos 40


Na primeira metade da década de 1940, os distritos de Messejana, Mucuripe, Parangaba e Antônio Bezerra eram como pequenas cidades do interior, de difícil acesso, por causa das estradas ruins e dos transportes escassos. Ir a um desses distritos implicava numa viagem. O Mucuripe era então quase isolado da cidade, pois não havia acesso de veículos, com muitas dunas e outros entraves.


O Mucuripe era distante, isolado e quase desabitado - imagem:  Ah, Fortaleza!

No distrito de Antônio Bezerra, ficava o bairro Brasil Oiticica, nome que herdou da fábrica de beneficiamento de oleaginosas que se instalou na Avenida Francisco Sá, em 1934. O bairro começava na primeira linha de trem e terminava na altura da atual matriz da localidade. Ali os ônibus faziam sua parada final, pois a pista, que já era bastante estreita, era interrompida por um riacho que a atravessava. A partir, daí, era só mata, de cajueiros e muricizeiros. Para atingir a Barra do Ceará, então, pequeno povoado, só a pé ou em lombo de animal. Aos poucos o bairro foi sendo ampliando e urbanizado, teve o nome foi mudado para Carlito Pamplona.


prédio do Matadouro Modelo, hoje no local está o Colégio Paulo VI no bairro Jardim América. imagem: Arquivo Nirez

Logo após o Prado, ficava o Matadouro Modelo, pequeno aglomerado em volta do abatedouro oficial da cidade, que ficava no local onde hoje se encontra o Colégio Paulo VI. Mais tarde surgiu neste local o bairro Jardim América. Depois que o matadouro público foi desativado, os trabalhadores e suas famílias ocuparam uma grande área do entorno, formando a hoje denominada Comunidade Brasilia. Reúne cerca de 300 famílias, a maioria de baixa renda, que ocupam becos e vielas que desembocam na Avenida dos Expedicionários e formam a única área carente identificada como favela do bairro.

Não existiam o Montese, e o então Porangabuçu, atual Rodolfo Teófilo, estava começando a se formar em volta da Lagoa do Bessa. Em tempos anteriores ali existiu uma fazenda, e a matriz de São Raimundo era a capela da propriedade. A capela ficava sobre um verde gramado que circundava a lagoa de águas cristalinas.



A atual Paróquia de São Raimundo Nonato era em tempos passados, a capela de uma fazenda que existia no local. A paróquia foi criada em 1963, por padres redentoristas. imagem: O Povo

Entre o Porangabuçu, que surgia e o São Gerardo, existia o Campo do Pio, pequena comunidade sem ruas definidas. Foi engolido pela Parquelândia. Outro bairro que começava a tomar forma era o Monte Castelo, entre São Gerardo e Brasil Oiticica.

Sem favelas, sem bairros miseráveis, tinha o Morro do Moinho, entre a estação da RVC e o Cemitério São João Batista. O Morro do Ouro situava-se entre o Açude João Lopes e o nascente Monte Castelo.  Outro bairro bem próximo do centro e que foi totalmente tomado pelo comércio, era o Seminário, que compreendia a região em torno daquela casa de ensino religioso.

O São João do Tauape localizava-se no final do bairro Joaquim Távora e se estendia até os charcos do Lagamar. Mais além, margeando a BR-116, estava o Alto da Balança e a seguir, vinha Cajazeiras, antes de Messejana.

Pequena e tranquila, com seus 200 mil habitantes, Fortaleza era singela, com poucos bairros, que dependiam do Centro para praticamente tudo. Tirando as mercearias ou cinemas em alguns, tudo o mais só era encontrado no centro: lojas, bancos, correios, farmácias, mercearias finas.

No Joaquim Távora tinha a Casa Girão, armarinho sortido que vendia até tecidos, um cinema – o Joaquim Távora – e a Farmácia Carneiro, da família do repórter Luciano Carneiro. No Otávio Bonfim tinha os cinemas Nazaré, Familiar, a Farmácia São Sebastião e os jardins Japonês e São José, que vendiam flores e confeccionavam coroas fúnebres.

A Aldeota contava com dois cinemas, o Santos Dumont na Praça Cristo Rei e o Ventura, na Avenida Barão de Studart. Na Praça dos Pinhões, tinha a Casa Paranaense, outro armarinho sortido que vendia de tudo. No Jardim América, na Praça Presidente Roosevelt, tinha o Cine América.


As compras de gêneros alimentícios eram feitas nas bodegas, cujos bodegueiros conhecedores da sua clientela, formada quase que exclusivamente por moradores da vizinhança, vendiam fiado e à retalho – ½ barra de sabão, 300 gr de manteiga, ½ pacote de café - que não havia supermercado para lhes fazer concorrência; as contas de luz tinham de ser pagas na sede da Light, no Passeio Público; as de água e esgoto, na Secretaria de Viação e Obras Públicas, na Rua Dragão do Mar.



As famílias ainda guardavam o hábito das cadeiras na calçada. O Costume predominava mais entre as famílias que residiam para além da Rua General Sampaio, rumo do Oeste e para os lados norte e leste além da Senador Alencar e da Governador Sampaio.

Nas ruas mais centrais, onde residiam os mais endinheirados ou projetados socialmente, as casas eram de porões e sacadas avarandadas, o que não significa que naquelas ruas não houvesse os adeptos da velha prática. Mas, geralmente, na hora de pegar o frescor vespertino, damas e cavalheiros não precisavam ir para as calçadas, bastava abrir as portas por trás das varandas, de balaustrada de ferro ou alvenaria trabalhada.



Praça Clóvis Beviláqua (antiga Praça a Bandeira)/ Rua Senador Pompeu 
imagem Arquivo Nirez

Havia duas razões entre as classes mais modestas para o hábito das cadeiras na calçada: a primeira era as casas pegadas umas às outras, as chamadas paredes-meias, sem áreas de circulação interna, abafadas como clausuras.

A segunda razão devia-se a necessidade do trato social, já que os clubes eram exclusivos, poucos possuíam rádio, televisão nem sonhava em chegar. Tudo isso motivava as reuniões nas calçadas em frente as casas, com as cadeiras arrumadas de modo a estabelecer a conversa fácil entre vizinhos, tudo amenizado pela brisa, sempre corrente, após o rigor do sol.

A Fortaleza de hoje, com mais de 2,6 milhões de moradores, precisou crescer, de forma desordenada, ampliando bairros, fazendo surgir uns e sumindo com outros, modificando hábitos e costumes, distanciando pessoas. Alguns bairros são verdadeiras cidades dentro da cidade, com toda infraestrutura, como supermercados, bancos, colégios, restaurantes, hotéis, e tudo o mais que compõem uma comunidade. O velho Centro, em torno do qual a cidade gravitava, está esquecido e esvaziado.



Fontes:
"Royal Briar – a Fortaleza dos Anos 40” de Marciano Lopes
"Crônicas da fortaleza e do siará grande" de Otacílio Colares
Guia Turístico da Cidade - Prefeitura Municipal de Fortaleza - 1961