No
período colonial – 1530 a 1822 – apenas as localidades elevadas à
categoria de vila podiam instalar uma câmara municipal. No Brasil as
câmaras passaram a existir oficialmente a partir de 1532, com a
instalação da Vila de São Vicente.
A
Câmara Municipal de Fortaleza, a segunda do Ceará, foi instalada quando
o aglomerado recebeu a denominação de Vila de Fortaleza de Nossa
Senhora da Assunção, em 13 de abril de 1726, com a eleição de dois
juízes e de três vereadores.
Ate
1889, todas as funções de organização sociopolítica da cidade eram
exercidas pela Câmara Municipal. O poder era tanto que os camareiros se
permitiam algumas excentricidades, como na vez em que o presidente da
câmara propôs que a cidade fosse dividida em tantos bairros quanto fosse
o número de vereadores.
E eram muitas as atribuições dos vereadores: cabia a Câmara Municipal fazer a fiscalização das lojas, vendas e açougues da cidade. Em companhia de um almotacé (antigo oficial municipal encarregado de da fiscalização de pesos, medidas, preços e das condições de funcionamento dos estabelecimentos), os membros da câmara visitavam as casas comerciais, para detectar possíveis irregularidades.
Praça Carolina (atual Praça Waldemar Falcão) com o café Fenix - A câmara era responsável pela fiscalização dos estabelecimentos comerciais.
Nos registros feitos pela câmara, no ano de 1860, foi encontrado o seguinte registro:
"nesta vila da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, Capitania do Siará Grande, nas casas da câmara, delas saíram em correição, o juiz presidente e mais oficiais da câmara, e correndo todas as lojas, não se condenando a pessoa alguma por se achar tudo corrente, só se indo ao açougue a ver e rever os pesos, achou-se o açougue indigno de que se cortasse carne nele por se achar o cepo e tarimba com uma grande porquidade em cima da sangueira da mesma carne e da mesma forma a casa cheia da mesma porquidade, paredes e chão, e igualmente fazendo-se da cadeira em que se assenta o almotacé, igualmente tarimba de se bater carne em cima, que achava muito porca, e por estes motivos, o mesmo Senado condenou o dito contratador em 6$000 (seis mil) réis para as despesas do Senado".
A forma dos despachos era às vezes insolente. João Joaquim, que requeria não se sabe o quê, teve como resposta o indeferimento do pleito - "por ser falto de verdade". Tinha também a competência para impor o "Termo do Bem Viver", o que levava os moradores a subscreverem as maiores ignomínias.
Termo do Bem Viver era um documento imposto a pessoas de conduta pouco recomendáveis, aos que causavam distúrbios ou que perturbassem a ordem estabelecida. Depois que a pessoa assinava este termo, ela ficava obrigada perante a justiça a não criar mais conflito. Se desrespeitasse, era punida de acordo com a lei vigente.
A legenda da foto descreve o grupo acima como "uma bando de vagabundos que se reunia na Rua da Praia". Pessoa de conduta fora da normalidade eram obrigadas a assinar o Termo do Bom Viver ( fonte: Revista Ceará Ilustrado)
O professor régio da vila se indispôs com os vereadores, quase todos portugueses, por lhe terem recusado atestado para receber seus vencimentos. A câmara o fez assinar o seguinte termo: "Aos 267 do mês de novembro de 1802, em vereação da Câmara e Senado desta Vila, mandou o presidente dela e mais vereadores, por ordem dos ilustríssimos senhores governadores interinos desta Capitania, chamar à sua presença o pardo João da Silva Tavares, mestre de Gramática Latina desta Vila, para assinar termo na presença de todos de viver daqui em diante com a paz e quietação, conforme as leis do reino e costumes de que deve fazer profissão. E sendo vindo o dito João da Silva Tavares, pelo dito Senado lhe foi dito, que para ocorrer ao sossego e tranquilidade pública perturbada pela língua difamadora, libertinagem e péssimos costumes, movendo ainda dele João da Silva Tavares, o justo castigo que por eles merecia, o advertiram de não continuar mais no exercício de mexeriqueiro, enredador e perturbador do público, magistrados e repúblicos, pondo fim à dissolução de sua vida e assinando termo de viver como bom vassalo de sua Alteza Real e bom vizinho desta Vila, sob pena, se o contrário praticar, de ser na conformidade da lei exterminado para os lugares d'África, além das mais penas, com que seus delitos agravassem a primeira; o que sendo ouvido pelo dito João da Silva Tavares prometeu mudar de conduta debaixo da dita pena e assinou com o mesmo Senado este termo para a todo tempo constar da sua emenda ou recalcitração, conforme o disposto pelo Regimento do mesmo Senado e leis do Reino."
A esse termo seguiu-se uma longa contestação entre a Câmara e o professor. A Câmara negou-lhe ainda atestados e ele agravou para o príncipe. Na concessão deste recursos, a Câmara, assistida por um assessor que tomou para a causa, prendeu o agravante porque, estando o termo de agravo já lavrado e em meio, o mesmo professor entrou com palavras impetuosas , dizendo ser o escrivão suspeito e por dizer que o insultavam com o tratamento de "pardo". Tavares ainda andou muito tempo em conflito com os vereadores, até que finalmente chegaram a um consenso.
A Câmara também julgava crimes de injúria, contratando um assessor a quem pagava de 640 a 1$600 réis por cada conselho. Promovia a aposentadoria dos magistrados, designando a casa que deviam ocupar e fazendo-lhes a despesa que regulava em torno de $600 réis por mês. O missionário frei Vidal teve igual favor quando veio ao Ceará. Em dezembro de 1790 a Câmara designou para residência do frade a casa do alfaiate Salvador, na Rua do Quartel.
Tratava da abertura e conservação dos caminhos, e obrigava os camponeses a plantar mandioca e cereais diversos, sob pena de multa e cadeia.
Em 1803 a Câmara de Vereadores lançou um estranho Código de Postura em que cada lavrador era obrigado a caçar 30 pássaros de bico redondo a cada ano: papagaios, periquitos e maracanãs.
Uma postura de março de 1803 impunha a cada lavrador a obrigação de apresentar anualmente em Câmara, 30 cabeças de pássaros de bico redondo. Esta perseguição que era feita em todas as Câmaras da Capitania, se referia a papagaios, periquitos e maracanãs.
A Câmara promovia manifestações de regozijo ou de pesar, graduando-se pela sensibilidade do governador. Em março de 1812, por ocasião do nascimento de um filho do infante D. Pedro Carlos, comunicado ao governador por meio de ofício, expediu editais para que a população o festejasse com luminárias, três noites consecutivas.
Em abril de 1816, sendo-lhe igualmente comunicado o decreto que deu ao Brasil o título de reino, em testemunho público da reconhecida gratidão pelo privilégio, ordenou que, em ação de graças, se expusesse o Santíssimo Sacramento na matriz da Vila no dia 12 de maio e se oferecesse a Deus o sacrifício de uma missa cantada, em que se pedisse a conservação do príncipe regente e sua família.
Quando foi comunicada a morte de D. Maria I, em 1816, mandou que todo o povo da vila e distrito vestisse luto rigoroso por seis meses e aliviado por um ano. Atendendo a que a pobreza e os escravos não podiam satisfazer rigorosamente a esta exigência, permitiu que homens trouxessem nos chapéus e as mulheres na cabeça, qualquer retalho preto. Os que se recusassem teriam 30 dias de cadeia para cada vez que fossem encontrados sem distintivo.
O prédio da Intendência Municipal foi o primeiro sobrado de tijolo e telha, construído por Francisco Pacheco de Medeiros em 1825. Em 1831 a Câmara comprou o prédio mudou-se para a nova sede em 1833.
(foto do Arquivo Nirez)
(foto do Arquivo Nirez)
Nas audiências gerais dos corregedores, solenidade a que comparecia todo o mundo oficial, vinha à Câmara em corporação ouvir os provimentos e advertências do magistrado. Lavrava-se de tudo um termo, que era assinado por ela e pelos repúblicos, como se encontra nos manuscritos do tempo.
fonte: Ceará (homens e fatos) de João Brígido
Revista Fortaleza, fascículo 4