quinta-feira, 31 de março de 2016

As Atribuições da Câmara Municipal na Fortaleza Antiga

No período colonial – 1530 a 1822 – apenas as localidades elevadas à categoria de vila podiam instalar uma câmara municipal. No Brasil as câmaras passaram a existir oficialmente a partir de 1532, com a instalação da Vila de São Vicente. 

A Câmara Municipal de Fortaleza, a segunda do Ceará, foi instalada quando o aglomerado recebeu a denominação de Vila de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, em 13 de abril de 1726, com a eleição de dois juízes e de três vereadores.
  
Ate 1889, todas as funções de organização sociopolítica da cidade eram exercidas pela Câmara Municipal. O poder era tanto que os camareiros se permitiam algumas excentricidades, como na vez em que o presidente da câmara propôs que a cidade fosse dividida em tantos bairros quanto fosse o número de vereadores.

E eram muitas as atribuições dos vereadores: cabia a Câmara Municipal fazer a fiscalização das lojas, vendas e açougues da cidade. Em companhia de um almotacé  (antigo oficial municipal encarregado de da fiscalização de pesos, medidas, preços e das condições de funcionamento dos estabelecimentos), os membros da câmara visitavam as casas comerciais, para detectar possíveis irregularidades.

Praça Carolina (atual Praça Waldemar Falcão) com o café Fenix - A câmara era responsável pela fiscalização dos estabelecimentos comerciais. 

Nos registros feitos pela câmara, no ano de 1860, foi encontrado o seguinte registro: 
"nesta vila da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, Capitania do Siará Grande, nas casas da câmara, delas saíram em correição, o juiz presidente e mais oficiais da câmara, e correndo todas as lojas, não se condenando a pessoa alguma por se achar tudo corrente, só se indo ao açougue a ver e rever os pesos, achou-se o açougue indigno de que se cortasse carne nele por se achar o cepo e tarimba com uma grande porquidade em cima da sangueira da mesma carne e da mesma forma a casa cheia da mesma porquidade, paredes e chão, e igualmente fazendo-se da cadeira em que se assenta o almotacé, igualmente tarimba de se bater carne em cima, que achava muito porca, e por estes motivos, o mesmo Senado condenou o dito contratador em     6$000 (seis mil) réis para as despesas do Senado". 

A forma dos despachos era às vezes insolente.  João Joaquim, que requeria não se sabe o quê,  teve como resposta o indeferimento do pleito - "por ser falto de verdade". Tinha também a competência para impor o "Termo do Bem Viver", o que levava os moradores a subscreverem as maiores ignomínias. 

Termo do Bem Viver era um documento imposto a pessoas de conduta pouco recomendáveis, aos que causavam distúrbios ou que perturbassem a ordem estabelecida. Depois que a pessoa assinava este termo, ela ficava obrigada perante a justiça a não criar mais conflito. Se desrespeitasse, era punida de acordo com a lei vigente. 

A legenda da foto descreve o grupo acima como "uma bando de vagabundos que se reunia na Rua da Praia". Pessoa de conduta fora da normalidade eram obrigadas a assinar o Termo do Bom Viver ( fonte: Revista Ceará Ilustrado)

O professor régio da vila se indispôs com os vereadores, quase todos portugueses, por lhe terem recusado atestado para receber seus vencimentos. A câmara o fez assinar o seguinte termo: "Aos 267 do mês de novembro de 1802, em vereação da Câmara e Senado desta Vila, mandou o presidente dela e mais vereadores, por ordem dos ilustríssimos senhores governadores interinos desta Capitania, chamar à sua presença o pardo João da Silva Tavares, mestre de Gramática Latina desta Vila, para assinar termo na presença de todos de viver daqui em diante com a paz e quietação, conforme as leis do reino e costumes de que deve fazer profissão. E sendo vindo o dito João da Silva Tavares, pelo dito Senado lhe foi dito, que para ocorrer ao sossego e tranquilidade pública perturbada pela língua difamadora, libertinagem e péssimos costumes, movendo ainda dele João da Silva Tavares, o justo castigo que por eles merecia, o advertiram de não continuar mais no exercício de mexeriqueiro, enredador e perturbador do público, magistrados e repúblicos, pondo fim à dissolução de sua vida e assinando termo de viver como bom vassalo de sua Alteza Real e bom vizinho desta Vila, sob pena, se o contrário praticar, de ser na conformidade da lei exterminado para os lugares d'África, além das mais penas, com que seus delitos agravassem a primeira; o que sendo ouvido pelo dito João da Silva Tavares prometeu mudar de conduta debaixo da dita pena e assinou com o mesmo Senado este termo para a todo tempo constar da sua emenda ou recalcitração, conforme o disposto pelo Regimento do mesmo Senado e leis do Reino."  

A esse termo seguiu-se uma longa contestação entre a Câmara e o professor. A Câmara negou-lhe ainda atestados e ele agravou para o príncipe. Na concessão deste recursos, a Câmara, assistida por um assessor que tomou para a causa, prendeu o agravante porque, estando o termo de agravo já lavrado e em meio, o mesmo professor entrou com palavras impetuosas , dizendo ser o escrivão suspeito e por dizer que o insultavam com o tratamento de "pardo". Tavares ainda andou muito tempo em conflito com os vereadores, até que finalmente chegaram a um consenso.

Rua 24 de Maio trecho Praça José de Alencar - era atribuição da Câmara a abertura de vias

A Câmara também julgava crimes de injúria, contratando um assessor a quem pagava de 640 a 1$600 réis por cada conselho. Promovia a aposentadoria dos magistrados, designando a casa que deviam ocupar e fazendo-lhes a despesa que regulava em torno de $600 réis por mês.  O missionário frei Vidal teve igual favor quando veio ao Ceará. Em dezembro de 1790 a Câmara designou para residência do frade a casa do alfaiate Salvador, na Rua do Quartel. 

Tratava da abertura e conservação dos caminhos, e obrigava os camponeses a plantar mandioca e cereais diversos, sob pena de multa e cadeia. 

Em 1803 a Câmara de Vereadores lançou um estranho Código de Postura em que cada lavrador era obrigado a caçar  30 pássaros de bico redondo a cada ano: papagaios, periquitos e maracanãs. 
Uma postura de março de 1803 impunha a cada lavrador a obrigação de apresentar anualmente em Câmara, 30 cabeças de pássaros de bico redondo. Esta perseguição que era feita em todas as Câmaras da Capitania, se referia a papagaios, periquitos e maracanãs. 

A Câmara promovia manifestações de regozijo ou de pesar, graduando-se pela sensibilidade do governador. Em março de 1812, por ocasião do nascimento de um filho do infante D. Pedro Carlos, comunicado ao governador por meio de ofício, expediu editais para que a população o festejasse com luminárias, três noites consecutivas.

Em abril de 1816, sendo-lhe igualmente comunicado o decreto que deu ao Brasil o título de reino, em testemunho público da reconhecida gratidão pelo privilégio, ordenou que, em ação de graças, se expusesse o Santíssimo Sacramento na matriz da Vila no dia 12 de maio e se oferecesse a Deus o sacrifício de uma missa cantada, em que se pedisse a conservação do príncipe regente e sua família.

Quando foi comunicada a morte de D. Maria I, em 1816, mandou que todo o povo da vila e distrito vestisse luto rigoroso por seis meses e aliviado por um ano. Atendendo a que a pobreza e os escravos não podiam satisfazer rigorosamente a esta exigência, permitiu que homens trouxessem nos chapéus e as mulheres na cabeça, qualquer retalho preto. Os que se recusassem teriam 30 dias de cadeia para cada vez que fossem encontrados sem distintivo.

O prédio da Intendência Municipal foi o primeiro sobrado de tijolo e telha, construído por Francisco Pacheco de Medeiros em 1825. Em 1831 a Câmara comprou o prédio mudou-se para a nova sede em 1833. 
(foto do Arquivo Nirez) 

Nas audiências gerais dos corregedores, solenidade a que comparecia todo o mundo oficial, vinha à Câmara em corporação ouvir os provimentos e advertências do magistrado. Lavrava-se de tudo um termo, que era assinado por ela e pelos repúblicos, como se encontra nos manuscritos do tempo.

fonte: Ceará (homens e fatos) de João Brígido
Revista Fortaleza, fascículo 4

quinta-feira, 24 de março de 2016

Bairro Cidade 2000

O Conjunto habitacional Cidade 2000, foi mais um conjunto residencial a dar origem a um bairro de Fortaleza. Surgiu em terras oriundas do parcelamento do Sítio Cocó, situado na margem esquerda do Rio Cocó, de propriedade da família Diogo. Foi construído com recursos do antigo BNH (Banco Nacional de Habitação), e inaugurado em 1970, numa região ainda despovoada, dividida em 46 quadras com duas alamedas cada uma, que levavam o nome de flores. 

Avenida Pontes Vieira, tendo à esquerda o bairro Dionísio Torres e a direita o São João do Tauape. Ao fundo as salinas do Cocó e a Cidade 2000 - 1973 (Foto de Nelson Bezerra)

Foi projetado pelo arquiteto Rogério Froes, com desenho que lembra a Taça Jules Rimet, troféu ganho pela Seleção Brasileira de Futebol, campeã da Copa do Mundo de 1970. O nome faz referência ao então distante ano 2000, pois em 1970, todos usavam este termo como sinônimo de futuro, prosperidade e avanço. 

Como sempre ocorria com os conjuntos habitacionais construídos naquela época, A Cidade 2000 também foi inaugurada com grande carência de infraestrutura. O prolongamento da Avenida Santos Dumont até a Praia do Futuro, com o objetivo de facilitar o acesso ao conjunto habitacional, só foi feito em 1976. Antes, chegar à Cidade 2000 era bastante difícil.
  
A distância era um desafio, de acordo com moradores mais antigos. A área onde o conjunto foi assentado era isolada da malha viária básica da cidade, os ônibus não chegavam até lá. No entorno, havia muito mato,  muitos morros e grandes espaços vazios.  O Jornal O POVO do início  da década de 1970 comparava a construção à Brasília feita anos antes por Juscelino Kubitschek. “Cidade 2000 caminha em ritmo de Brasília na Aldeota”, dizia a manchete de página do dia 6/2/1971. 

O Conjunto habitacional Cidade 2000 após a inauguração: as casas eram iguais, e guardavam alguma distância dos vizinhos. A ausência de arborização era absoluta (Foto de Nelson Bezerra)
 
Outro problema grave que afligia o Conjunto em seus primórdios era a coleta de lixo, feita de forma bastante precária. Em reportagem publicada em 24/03/1973, o jornal O Povo, denunciava:  "O serviço de limpeza pública não está atuando no conjunto habitacional Cidade 2000, localizado após o Hospital Geral do INPS, na Aldeota. Os poucos camburões de lixo ali localizados estão completamente cheios há dias e, como não exista outro local para colocar os detritos, os moradores depositam o lixo nas alamedas, formando verdadeiros monturos. Com o vento, aliás muito forte, pois o conjunto fica localizado perto da praia, o lixo espalha-se, provocando um mal-estar generalizado".

Prolongamento da Avenida Santos Dumont - 1975  (O Povo)

Com a construção e  ocupação da Cidade 2000 naquela parte de Fortaleza, e o prolongamento da Avenida Santos Dumont, ocorreu a expansão do sistema viário para o leste, e um acelerado processo de especulação imobiliária , abrindo-se novos loteamentos, sem nenhum acompanhamento do poder público municipal, e sem nenhuma infraestrutura, construindo-se residências de alto padrão em grandes lotes.

Avenida Santos Dumont, com o prolongamento até a Praia do Futuro. O motivo principal para a obra, foi construir um acesso para Cidade 2000 - 1973 (foto de Nelson Bezerra)
 
Além dos transtornos sociais causados pela especulação imobiliária, surgiram novos problemas decorrentes da degradação ambiental, gerada por aterros de lagoas e riachos e pelo desmonte de dunas. Os problemas ambientais também afetaram a Cidade 2000, com o surgimento do novo divisor de águas para a A Zona Leste - construção da Avenida Santos Dumont e o aterro da Lagoa de Três Corações, localizada nas imediações do conjunto. A partir do aterramento das lagoas, o lugar passou a registrar alagamentos, causando contratempos a pedestres e motoristas.  

A Paróquia do Divino Espírito Santo  foi fundada no dia 13 de setembro de 1974. (imagem Google)
  
Hoje a Cidade 2000 perdeu muitas de suas características originais.  O fato de ter sido construído em um local com grande potencial de valorização do solo, trouxe alterações no desenho do conjunto, e as muitas construções ao redor de vários empreendimentos imobiliários fez com que o bairro crescesse rapidamente em poucos anos. 

Alameda das Margaridas (google)
 
As casas da Cidade 2000, antes ordenadas em ruas estreitas e regulares, todas com o mesmo tamanho e modelo, ostentam hoje um segundo pavimento e ampliações variadas. O bairro conta com todos os tipos de comércios e serviços, como supermercados, bancos, restaurantes, etc.  Apesar dos nomes de flores que identificam as alamedas, por ali todos só se referem aos endereços pelas quadras, como bem mostra o mapa posto no meio da praça central.
  
Escola E.F.M arquiteto Rogério Froes

A Cidade 2000 tem 8.272 habitantes. São 3.576 homens e 4.696 mulheres, divididos em 2624 domicílios, segundo o Censo 2010 do IBGE. Limita-se com os bairros do Papicu, Dunas, Cocó e com o Rio Cocó, ao Sul.

 
fontes:
De Cidade a Metrópole: (trans)formações urbanas de Fortaleza, de Eustógio Wanderley Correia Dantas, José Borzachielo da Silva, Maria Clélia Lustosa da Costa.
Wikipédia
IBGE
Jornais O Povo e Diário do Nordeste

fotos de Nelson Bezerra do livro Cidade Saudade, Fortaleza anos 70

quarta-feira, 16 de março de 2016

Os Primeiros Anúncios Publicitários

 Os anúncios surgiram da necessidade de se comunicar algo a determinado grupo de pessoas, como uma forma de comunicação que, em um primeiro momento, fosse mais eficiente do que o boca-a-boca. E acrescente-se que o jornal, foi por longos anos, o seu principal veículo. 

Os primeiros anúncios consistiam de um texto puro, sem ilustrações, e sem título, embora não tenha demorado muito para aparecerem os primeiros impressos com desenhos e figuras. 

O primeiro anúncio de Fortaleza foi publicado sob forma de aviso no Diário do Governo do Ceará, jornal fundado para a propaganda do movimento republicano de 1824, que, mesmo após o fracasso da revolução, continuou a circular como órgão da contra-revolução. Trata-se de uma despedida assinada pelo Padre Mororó onde comunicava sua partida para a Corte do Rio de Janeiro dentro de três dias.

Com o aumento do número de jornais e de outros veículos de comunicação, a prática de anunciar produtos ou serviços, ampliou-se naturalmente.  Pedro II, Cearense, O Sol, foram alguns dos jornais que circularam em Fortaleza.



O Jornal Pedro II circulou em Fortaleza entre 1840 e 1889. Era destinado a promover a política conservadora. Foi fundado a partir do periódico Dezesseis de Dezembro por Miguel Fernandes Vieira. O Cearense foi fundado em 04 de outubro de 1846, órgão do Partido Liberal, fundado por Frederico Augusto Pamplona, Tristão Araripe e Tomás Pompeu. Encerrou suas atividades em 1892, quando caiu o governo Clarindo de Queirós. Esses dois jornais eram os preferidos pelos anunciantes.


Anúncio publicado na Revista Verdes Mares - dezembro de 1932

Anúncios publicados em jornais na década de 1860, sem imagens:
 
O Sol (1863)
Delfina Maria da Conceição, moradora da Rua de Baixo, tem doces à venda de todas as qualidades, assim como aprompta qualquer encomenda com aceio e promtidão.

A Constituição (1865)
Vende-se quatro moradas de casa, cobertas de telha, uma com frente de tijolo e as outras de taipa, todas em bom estado, comprehendendo as ditas casas 120 palmos de terreno, e porção de fructeiras, bem como coqueiros, laranjeiras, limoeiros, araçazeiros, sidreiras, condeceiras, gravioleiras e outras mais desfructaveis: uma excelente baixa para capim, e banhos na Rua do Livramento desta cidade. 

 
Cearense (1866)
Ao amanhecer do dia 1 do corrente mez encontrei em minha salla uma porção de dinheiro; quem o tiver perdido apareça para lhe ser entregue; e, se por ventura é alguma restituição oculta, o sujeito que pretende fazê-la, procure-me para explicar-se, certo de que n’este negócio serão guardadas as devidas conveniências.
Fortaleza, 2 de fevereiro de 1866
O Vigário Miguel Francisco da Frota

Pedro II (1865)
Atenção! Para o baile do clube chegaram para o Bazar Cearense as verdadeiras luvas de pelica, de Juven, para homem e senhora. Rua da Palma n° 93.

Cearense (1865)
O abaixo-assinado compra e paga uma escrava de 14 a 20 anos de idade, sendo de bonita figura, e que tenha alguma idéia de engommado e cozinha.
Ceará, 28 de agosto de 1865
José Luiz de Sousa.

Pedro II (1868)
Achão-se a venda na Botica do Ferreira, além de outras, muitas coisas chegadas no último vapor, as melhores pílulas para sezões, assim como pílulas depurativas, reguladores, água ante-cancrosa, ótima injeção para gonorréias recentes e velhas, e o remédio mais eficaz para mordidas de animais venenosos.

Os anúncios impressos conseguiram ganhar mais espaço com o lançamento das revistas no início do século XX, onde páginas inteiras eram dedicadas a eles. Os anúncios, também eram denominados "Reclames”. 




 anúncios publicado em 1925, no Álbum do Ceará

No Brasil, a propaganda surgiu no Rio com a chegada  da família real, em 1808. Logo depois, chegou a São Paulo. Começou com os classificados. Em seguida, os anúncios ganharam ilustrações e, com o tempo, aprimoraram-se por meio de elaborados desenhos coloridos, cujo objetivo era chamar atenção para as ofertas.

Propaganda da Casa Albano no ano de seu jubileu em 1912




Anúncios de empresas cearenses publicados no Almanaque Hénault, no ano de 1913. O almanaque era produzido na França e impresso na Inglaterra. 

Fontes: 
Coisas que o Tempo Levou, de Raimundo de Menezes
Capítulos de História da Fortaleza do Século XIX, de Eduardo Campos
uma breve história dos anúncios publicitários. disponivel em
http://ibict.metodista.br/tedeSimplificado/tde_arquivos/5/TDE-2011-07-07T120055Z-979/Publico/Capitu
lo4pg86_108.pdf

terça-feira, 8 de março de 2016

As Primeiras Livrarias de Fortaleza

Por volta da segunda metade do século XIX, Fortaleza vivia um momento  de grande efervescência  cultural, onde a produção textual, em particular a literatura, gozava de grande prestígio. Políticos, médicos, militares, advogados, acadêmicos,  buscavam no debate filosófico e na criação poética ou ficcional o prestígio social. Além disso, via-se a produção intelectual como uma missão, ou seja, como um instrumento capaz de mudar a realidade social e regenerar comportamentos e valores.

Se havia poucas pessoas aptas a participar dos embates intelectuais nas primeiras décadas do século XIX, isso mudou na segunda metade, sobretudo nos últimos 25 anos. Em 1845 começou a funcionar a primeira escola de ensino secundário do Ceará, o Liceu.  A chegada do Liceu incentivou ainda mais a atividade intelectual na cidade, e quatro anos depois, em 1849,  apareceu em Fortaleza uma espécie de primeira livraria da cidade, do comerciante português Manuel Antônio da Rocha Junior.

 Sede do Liceu, na Praça dos Voluntários
Nesse estabelecimento os livros ficavam divididos em duas sessões, uma destinada a venda e outra ao aluguel. A loja que comercializava livros ficava na rua Formosa (atual rua Barão do Rio Branco). Além dessa, Rocha Junior era proprietário de outras lojas de diversos no centro de Fortaleza, existentes desde a primeira metade do século XIX. 

Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco), em postal de 1910

Em 1849, o Jornal  "O Cearense" anunciava aos leitores do jornal, o aluguel de livros na loja do português, mediante o cumprimento de algumas exigências:


"Leitura de livros.
Na loja de Manoel Antonio da Rocha Junior, na rua Formosa, alugão-se livros, debaixo das condições seguintes:
1° Pagarão mensalmente 2$000 por assignatura, pagos adiantados.
2° Deixarem depositado o valor da obra.
3° Responsabilisarem-se pela danificação que os livros soffrerem." (sic)

Em 1850, surgiu o segundo livreiro, Joaquim José de Oliveira, que desde as suas atividades iniciais, esteve relacionado ao comércio de ficção.  Joaquim de Oliveira era português, viveu por muitas décadas em Fortaleza e morreu em julho de 1900. Durante muitos anos foi editor do jornal cearense Pedro II; morava em casa de esquina no sexto quarteirão da Rua da Boa Vista (atual Rua Floriano Peixoto), na casa onde editava o jornal.  

Segundo os dados dos almanaques do Ceará, a atuação do livreiro na cidade teve duração por um período de, no mínimo, 30 anos dedicados à venda de livros em Fortaleza, com loja sempre na praça da Municipalidade (atual praça do Ferreira). 

Outro pioneiro no ramo livreiro da cidade, foi Gualter Silva. Gualter Rodrigues Silva era natural do Ceará, nasceu em 1843 e morreu em 1891; mas sua livraria funcionou até o final do século XIX em mãos de sua viúva. Em 1870, atuou como caixeiro despachante, sendo um dentre os 10 nomes que constam nos almanaques daquele ano. Ainda em 1873 atuava como caixeiro. Na década de 80 do XIX, sua atuação como livreiro começa a se difundir nos jornais da cidade.

 Reunião na chácara do livreiro Gualter Silva no Benfica. Abaixo, identificação do grupo. 

Ele procurou atuar não só como comerciante livreiro, em alguns momentos exerceu também atividades de editor. Verifica-se a existência de referências para as obras "Lendas e Canções Populares", de Juvenal Galeno, e "A Fome", de Rodolfo Teófilo, editados por “Gualter R. Silva Ed.”, respectivamente em 1892 e 1890; além do livrinho "Catecismo da diocese do Ceará", doado pelo próprio livreiro para algumas escolas da cidade.
 
Depois desses estabelecimentos pioneiros, muitas livrarias surgiram em Fortaleza. Algumas delas:

Em 27 de fevereiro de 1917, foi inaugurada a Livraria Humberto, de Humberto Ribeiro, na rua Major Facundo.

A Papelaria e Tipografia Renascença foi instalada em 10 de abril de 1924, na rua Castro e Silva n° 76, propriedade de Aldo Prado e Francisco Prado. Depois passou a ser simplesmente Livraria Renascença, já em mãos do livreiro Luis Carvalho Maia, na Rua Major Facundo, 746. 


A firma Morais e Companhia funda a Livraria Ribeiro, em 28 de agosto de 1925, na Rua Guilherme Rocha, 198, Praça do Ferreira. 


A Livraria Comercial foi fundada no dia 17 de fevereiro de 1926, na Rua Major Facundo, 151, da firma Quinderé e Cia, de Luis Quinderé e Meton de Alencar Gadelha. Depois a empresa foi vendida a terceiros.


A Livraria Seleta foi inaugurada no dia 4 de maio de 1927, encampada pela Sociedade editora São Francisco das Chagas, administrada por Ananias Frota. A partir de dezembro daquele ano, passou a funcionar no prédio n° 155, da Rua Major Facundo. Em janeiro de 1934 passou a chamar-se Livraria Quinderé. 



A Rua Major Facundo era o endereço da maioria das livrarias antigas

Em dezembro de 1929, foi inaugurada na Rua Floriano Peixoto, Praça do Ferreira uma dos estabelecimentos que iria se tornar um dos mais tradicionais de Fortaleza: a Livraria Alaor, fundada por José Edésio de Albuquerque.
Edésio começou a vender jornais e revistas na Fortaleza da década de 20, ia buscar as publicações diretamente no porto e as levava para os leitores da capital e do interior, utilizando meios de transporte precários. Mais tarde contou com a ajuda de sua esposa, e de seu filho, José Alaor Albuquerque. Edésio não era apenas um comerciante de livros como tantos outros, empenhado tão somente na obtenção de lucros. Ele era antes de tudo um difusor da cultura, um idealista. E nesse mister nunca temeu arriscar a própria liberdade, desde que chegassem às mãos dos leitores, os jornais, revistas e livros condenados pela censura policial.
Líder estudantil, José Alaor era filiado ao Partido Comunista e fez amigos ilustres, como Luís Carlos Prestes, garantindo a continuidade dos negócios da família, que inaugurou uma distribuidora de livros, em 1962.


A Livraria Imperial foi inaugurada  no dia 5 de outubro de 1935, de propriedade dos irmãos Magalhães, Anglada e Japi. Depois pertenceu a Clóvis Mendes, já na Rua Guilherme Rocha, baixos do edifício Excelsior. A Imperial prestou relevantes serviços a cultura cearense.



Chamada de Imperial Porta por seus frequentadores,  foi durante muitos anos o último refúgio dos intelectuais da terra , os mesmos que frequentaram os cafés Richie, Art Nouveau, o Iracema, o Avenida, a Rotisserie, o Globo, confeitarias Nice e Glória, e por fim, o Abrigo Central. 


A livraria Imperial fechou com a aposentadoria do proprietário, Clóvis Mendes, que não era apenas um vendedor de livros:  Conhecedor do produto que vendia, indicava, discutia, orientava, escolhia autores e leitores. 


Inaugurada em 24 de outubro de 1947 a Livraria Melhoramentos, de propriedade de Clóvis Rolim de Nóbrega, com endereço à Rua Major Facundo, 716.


No dia 13 de maio de 1949, foi inaugurada a Livraria Arlindo, de Arlindo G. de Amoreira, no andar térreo do Palácio do Comércio. 


A Livraria Aéquitas foi inaugurada no dia 25 de novembro de 1944, na Rua Guilherme Rocha, 162, e além de livros e papelaria, tinha uma seção de discos. 


Livraria Feira do Livro no seu antigo endereço da Rua Floriano Peixoto, em 1983
(foto de Nelson Bezerra do livro Viva Fortaleza)

Manoel Coelho Raposo, foi o fundador da Livraria Feira do Livro ainda na década de 50. Raposo montou uma filial em plena Praça, nas proximidades da banca de jornal do Bodinho, passando a comercializar, como acontece em todas as feiras, com revistas, livros e jornais. No local, Jáder de Carvalho lançou Aldeota, o seu discutido romance de costumes. Tempos depois Jorge Amado promoveu ali mesmo, uma noite de autógrafos. A Feira do Livro existe até os dias atuais, funcionando no bairro Montese.


As antigas livrarias não eram meros espaços de comercialização de livros; a maioria promovia encontros e debates literários, com a presença de intelectuais e personalidades da cidade.


consultas:
A Atuação dos Livreiros e a Circulação de Romances em Fortaleza no Século XIX -   Ozângela de Arruda Silva
Cronologia Ilustrada de Fortaleza - Nirez
Geografia Estética de Fortaleza - Raimundo Girão
fotos do arquivo Nirez e do livro Geografia Estética de Fortaleza