terça-feira, 30 de julho de 2013

Os Bairros da Cidade

Casa do banqueiro José Gentil, no Benfica, atual sede da Reitoria da UFC

Nos anos 40 a Aldeota terminava no final da linha de bondes, entre as Ruas Silva Paulet e José Vilar. O que se seguia era uma densa floresta de cajueiros e a areia branca e macia, cantos de pássaros ou o silêncio quase absoluto.
O Jacarecanga, com seus palacetes, suas mansões e seus solares disputava com o Benfica, o título de mais aristocrático dos bairros – este, também ostentando belíssimas residências, destacando-se o palacete de José Gentil, atual sede da Reitoria da UFC.
Jacarecanga era uma espécie de feudo de Pedro Philomeno Gomes, pioneiro da industrialização moderna do Ceará, que deu nobreza ao local, construindo ou incentivando a outros, a construção de casas de grande porte, copiadas de revistas europeias ou inspiradas nas moradas do Velho Mundo.

 Avenida Visconde de Cauípe, atual Avenida da Universidade, no Benfica

Benfica era o feudo da família Gentil, de banqueiros e comerciantes, que mandaram construir para suas moradias, suntuosas casas, algumas com assinatura de Rodolpho Silva, o arquiteto que dotou Fortaleza dos prédios mais rebuscados e de maior beleza. Além  destes bairros, a Aldeota tinha dezenas de ricaços, morando em magnificas residências, a maioria delas já desaparecidas, demolidas ou radicalmente transformadas.

 Avenida Visconde do Rio Branco

Joaquim Távora, antigo Calçamento de Messejana, de menores dimensões e menos nobre, pois compreendia praticamente apenas a Avenida Visconde do Rio Branco, tinha também alguns moradores ilustres e, consequentemente, umas poucas casas de certa imponência. Sua construção mais grandiosa era o Colégio das Doroteias, imponente e de elegante estilo, ainda hoje conservado.

 Colégio e Capela das Doroteias, na década de 40 

No pequenino bairro da Praia de Iracema, os ricaços tinham suas casas de veraneio, com as varandas fechadas com vidros para proteger do vento. Nas Damas, as muitas chácaras serviam para os fins de semana dos mais abastados. O Meireles, entre a Praia de Iracema e o afastado Mucuripe, começava a surgir, atraído pela construção da nova sede do Náutico que seria inaugurada em 1950.

 Praia do Meireles no início dos anos 50

São Gerardo, antigo Alagadiço, era o mais distante do centro, possuindo três seções na linha de bondes. Possuía bonitas e vastas moradias, quase todas com enormes quintais, muitos deles com pequenos riachos, que a região era de muita água e muito verde. Algumas propriedades eram tão grandes que se constituíam verdadeiros sítios, com capela, engenho e casa de farinha.

 Praça do Quartel da Polícia Militar no bairro José Bonifácio, antiga Praça dos Coelhos

A expansão da cidade extinguiu os pequenos bairros mais próximos do centro comercial, estando eles hoje integrados, formando no todo, o quadrilátero central. Entre eles, o bairro José Bonifácio, que compreendia a região em torno do Quartel da Polícia Militar; Soares Moreno, nas proximidades do cemitério São João Batista; Açude João Lopes, logo após o Liceu, por trás do Bom Pastor; Piedade, ao lado do Joaquim Távora, imediações da atual Avenida Antônio Sales em seu início; Prado, onde está hoje o estádio Presidente Vargas;  Otávio Bonfim, logo após a Praça São Sebastião.

 Dunas do Mucuripe (foto IBGE)

Na primeira metade dos anos 40, os distritos de Mucuripe, Messejana, Parangaba e Antônio Bezerra eram como pequenas cidades do interior. De acesso difícil, por causa das péssimas estradas e dos transportes escassos, ir até uma dessas comunidades implicava numa viagem. O Mucuripe, então, era quase isolado da cidade, pois não oferecia condições para o acesso de veículos, com muitas dunas e outros entraves.

Mudança de Nomes dos Bairros

Bairro Antônio Bezerra, antigo Barro Vermelho nos anos 50

Alguns bairros de Fortaleza, que tinham nomes diferentes, em décadas passadas: Parangaba era Arronches, Pirocaia era o nome do atual Montese, Carlito Pamplona era Brasil Oiticica, Açude João Lopes era como se chamava o atual Morro do Ouro. 
Antônio Bezerra era Barro Vermelho, a Praia de Iracema era Praia do Peixe. Aldeota era Outeiro e, também Aldeiota. Dionísio Torres era Estância, Castelão era Mata Galinha e Parquelândia ocupa a área que antes era do Campo do Pio e do Coqueirinho.
Alto da Balança era o nome original da atual Aerolândia e o Lagamar agora é Tancredo Neves. Caso peculiar: o antigo Otávio Bonfim teve o nome trocado para Farias Brito, porém ninguém aceitou a mudança e o bairro continua a ser conhecido como Otávio Bonfim. 

 Antigo bairro da Prainha, no espaço onde hoje está o Centro Dragão do Mar

Prainha é o nome correto da área antiga onde agora está o Centro Dragão do Mar e que o povo, por falta de informação chama Praia de Iracema. Incorreto: a Praia de Iracema é mais adiante. A parte alta daquele pequeno bairro, onde está a Praça Cristo Redentor era o Outeiro da Prainha.
Cercado do Zé Padre é aquele conglomerado, arremedo de favela, entre as avenidas Duque de Caxias e Bezerra de Menezes, logo após a Praça São Sebastião. 

O Parque Americano deu o nome a um pequeno bairro

Parque Americano era uma pequena área entre a Rua Padre Valdevino e o bairro da Piedade. O nome surgiu devido a existência ali, de um parque de diversões, instalado pelo dono do famoso Bar Americano. Marcou época, mas hoje só existe na memória dos mais velhos.
 
fotos do Arquivo Nirez
 Extraído do livro de Marciano Lopes
Royal Briar, a Fortaleza dos anos 40
e do Jornal Diário do Nordeste, coluna Tirada do Baú. 

   

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Fortaleza, segunda metade dos anos 40


Praça do Ferreira em 1940, com o Edifício São Luiz em construção

Em meados dos anos 40, a população de Fortaleza, de cerca de 200 mil habitantes, assim como as demais cidades do Brasil e do mundo, vivia ainda a euforia pelo término da Segunda Guerra Mundial, e mostrava um clima de comemoração pelo fim do conflito.
Talvez por ser tão pequena, Fortaleza era uma cidade com ares aristocráticos, era francesa no seu aculturamento. 
A Franca determinara a formação das senhoritas de boa estirpe, comandava a moda, o padrão das lojas, e de suas artísticas vitrines, a vida social que acontecia no Clube Iracema, no Clube dos Diários e no Ideal Clube. Por isso era comum naquela época, as moças "de boas famílias"conversarem em francês e tocarem piano nos fins de tarde, nas senhoriais moradias do centro da cidade.

Edifício onde funcionava a Casa Parente na Rua Guilherme Rocha esquina com a Barão do Rio Branco

Também era chique assistir à sessão das sete e meia do Cine Diogo, fazer compras na Casa Sloper, ver as vitrines da Casa Parente, merendar no Jangadeiro ou no Eldorado, ter  na sala uma ampliação colorida da Aba Film, usar perfume Promesa, encomendar chapéus às Irmãs Almeida, frisar os cabelos na Madame Santinha, comprar tecidos finos na A Cearense ou na Broadway e, aos domingos, assistir a missa das 8 na Capela das Missionárias, na Avenida Rui Barbosa.

anúncio da loja A Cearense (Revista Verdes Mares)

Em agosto de 1945 com o término da guerra e a debandada dos soldados americanos, as “Coca-Cola” estavam em recesso, embora ainda fizessem sucesso. As damas de fino trato usavam peças de bronze e alabastro para ornamentar suas casas, não dispensavam os cristais da Bohemia, as baixelas de prata, os abajures com cúpula de pergaminho legítimo, os aparelhos de jantar em faiança “castelo azul” de origem chinesa, comprada via Inglaterra.

Vila Morena (Estoril) imóvel construído na Praia de Iracema entre 1920 e 1924 que durante a 2a. Guerra funcionou como cassino dos oficiais norte-americanos, baseados em Fortaleza.

Fortaleza nos idos de 1945 compunha-se além do centro, que era comercial e residencial, de poucos bairros e, consequentemente, de poucas linhas de bondes e de ônibus.  A vida era pacata. Nas calçadas das residências, à noite, formavam-se as chamadas rodas de calçadas com papos variados e as reuniões iam noite a  dentro. As ruas muito limpas eram pavimentadas com paralelepípedos, com pedras toscas ou concreto. As praças eram ajardinadas, fartamente arborizadas e frequentadas por pessoas de todas as idades. Havia segurança, não se ouvia a palavra assalto e ladrões, só os de galinha. Podia-se andar livremente, a qualquer hora do dia ou da noite, em todos os quadrantes da cidade, sem o menor receio.

 Praça da Sé, anos 40 (cartão postal da época)

Não havia exploração nem carestia, os preços das mercadorias, principalmente dos chamados “secos e molhados” passavam até um ano sem serem alterados.  A moda também era duradoura. Roupas, sapatos e chapéus eram usados até a saturação. Não havia técnicos de marketing determinando que a moda tinha de ser efêmera e mudar continuamente para agradar às indústrias têxteis. 

anúncio da Alfaiataria Amâncio, uma das mais famosas da cidade

Tampouco havia a indústria da confecção, todo mundo era obrigado a comprar os tecidos e procurar os alfaiates e as costureiras para a confecção de suas roupas.
Os homens usavam ternos de linho irlandês de dia, e de casimira inglesa à noite.  As mulheres usavam muita seda francesa,  com estampa florais sobre o fundo negro, musselinas para os vestidos de noite, com muito laço, muito drapeado e fivelas. Os sapatos eram quase sempre combinados de pelica e camurça, abertos de preferência e, não raro, os ditos plataforma, inspirados em Carmem Miranda. As luvas e os chapéus eram indispensáveis, até para as compras; os decotes eram discretos, as saias desciam até esconder os tornozelos envoltos em meias de seda.

 anúncio da loja Crysanthemo

As compras de mercearia e comestíveis importados eram efetuadas na Casa Tupy, na Casa Joana D’Arc, na A Miscelânea, na Casa Leitão, na Casa Tabajara e na Leão do Sul. O Posto Mazine oferecia os melhores carros de aluguel e era de bom tom, tomar sorvete no Café Belas Artes, no Palácio do Comércio, após sair das sessões noturnas do Diogo e do Moderno.
 
anúncio do Cine Moderno (do livro A Tela Prateada)

Os cinemas do centro apresentavam duas sessões, sendo uma às três e meia e a outra às sete e meia. Assim era Fortaleza em 1945, quando as mulheres se arrumavam para sair, se faziam elegantes para ir ao cinema, quando as bijuterias eram filigranas e marcassitas, quando as meias eram de seda, quando as sombrinhas protegiam dos raios solares as “cútis aveludadas como pétalas de rosas”.

Extraído do livro de Marciano Lopes
Royal Briar, a Fortaleza dos anos 40.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Costumes e Histórias Antigas da Capital

Igreja de Bom Jesus dos Aflitos na antiga Vila de Arronches, atual Parangaba (foto do Museu da Imagem e do Som)

Fortaleza de 1887, da festa do Senhor do Bonfim dos Arronches, com a chegada dos caboclos, descendentes dos índios Algodões, os quais  partiam no último domingo de outubro, recebendo antes na sua igreja, a coroa de espinhos da grande imagem do crucificado, para retornarem na tarde do dia 23 de dezembro, dois meses depois, com as esmolas conseguidas em distantes lugares, até mesmo em Caucaia, a fim de condignamente celebrarem o tradicional festejo.


 Fortaleza das novenas de Nossa Senhora da Saúde no Mucuripe, a boa e terna padroeira dos Pescadores, com sua capelinha enfeitada de flores, palmas e luzes, os rapazes da pequenina vila vestindo camisa de flanela de cor e calça branca engomada, com larga faixa vistosa a cintura e as donzelas com vestidos novinhos de chita,  e voltas e braceletes de aljôfares.


Praça do Ferreira 
Fortaleza do carnaval sem malícia, com papangus, dominós e mascarados, os  Maracatus do Outeiro ou do Morro do Moinho, as laranjinhas de cheiro, a tina d’água que o Boticário Ferreira, estabelecido ali naquele prédio em que funcionou até bem pouco tempo a Farmácia Galeno, depois ocupada pelas Lojas Brasileiras, fazia colocar no centro da Praça que tomou seu nome, para nela mergulhar quem quer que por ali passasse e depois oferecer lauto banquete à vitima de sua brincadeira.
Fortaleza das calçadas desiguais, lá pras bandas do Mororó, que por lá ainda não haviam chegado os fios-de-pedra.

 Rua Major Facundo, em 1893. A casa em primeiro plano do lado esquerdo era da família dos Mississipis, com as janelinhas quadradas do sótão e os famosos "jacarés" para descida d'água. Foi remodelada por João Sabóia Barbosa em 1927

Fortaleza dos apelidos espirituosos, mal recebidos a principio, para  findarem adjudicados ao prenome dos crismados – as Pedrocas, filhas de um Pedro de tal; as Itapipocas, por terem vindo daquela localidade; as Mundórias, em vista de seu pai, professor de latim, viver declinando mundus, mundorum;  as Garapas, tias de Gustavo Barroso, porque muita gente recordava ainda o pseudônimo com que o avô do ilustre escritor assinava seus artigos políticos – Zé Garapa; as Mississipis, em razão de o pai ter possuído uma bodega denominada “Ao Mississipi”, aproveitando o intercâmbio forçado do Sul dos Estados Unidos com o Nordeste brasileiro durante a Guerra da Secessão; as Palhabotes, em vista do chefe da família ter montado estabelecimento comercial com o nome de “O Palhabote”...

 cacimba na Praça do Ferreira

Fortaleza dos tipos de rua – do Antônio Galo Chinês, espumando de raiva quando os moleques cantavam de galo próximo a ele; do Sabão Mole, merecendo apelido pela amarelidão do rosto, e que só faltava matar alguém quando lhe perguntavam pela velhinha que antes o acompanhava e depois o abandonara;  do Casaca de Urubu, contínuo do outrora Tribunal da relação, herdeiro forçado dos fraques dos desembargadores, sendo assim alvo das brincadeiras da meninada; e outros mais, todos êmulos da Mimosa, do Lapada, da Siri, do Jararaca, vítimas dos aperreios decorrentes da despreocupada infância daquele tempo.
Fortaleza das “donas” e “doninhas” que serviam água de chuva em copos de barro em salvas de prata, cujas famílias ostentavam louças com iniciais e frisos dourados e possuíam oratórios que eram verdadeiros museus artísticos, com santos de madeira, resplendores de ouro, Nossa Senhora da Soledade e o infalível Menino Jesus;  

  prédio onde funcionou o Hotel Avenida, incendiado nos anos 20

Fortaleza dos incêndios dominados a baldes de água, das dunas errantes e livres como o espírito de sua população, dos passeios calçados com lajes vindas de Portugal, dos chafarizes públicos, como o da rua hoje chamada José Avelino, o da Feira Velha, o da Feira Nova, o da Praça dos Voluntários, o do Outeiro, o da Praça do Patrocínio, do da Misericórdia e o da Praça de Pelotas.
Fortaleza dos frades de pedra, vindos do Reino, feito da chamada pedra de Lisboa, que adornavam vários pontos da cidade, inclusive a Praça do Ferreira.
Fortaleza das cacimbas públicas, hoje desaparecidas, cavadas ali mesmo, na Praça do Ferreira, Capistrano de Abreu e Voluntários.

 Igreja do Carmo

Fortaleza das janelas guarnecidas com gradis de madeira, de fitas estreitas e malhas quadradas, como aquelas da Igrejinha do Rosário e da Matriz do Carmo, ainda conservadas.
Fortaleza dos velhos sobrados de fachadas de azulejos, desaparecidos ou destinados a fins impróprios.

 Rua Major Facundo - trecho Praça do Ferreira

Fortaleza dos boêmios, daqueles e dos presentes, tempos em que um deles disfarçado em escritor modernista, não se envergonhou de cantar – o “cem por cento Cidade-Mulher”; não é sem razão que os poetas te cantam hoje como te cantavam no passado, em versos de oferendas e do mais puro amor, e os fiéis seresteiros, mais ou menos aposentados – ainda teimam apesar de todas as ocorrências – em vagabundear pelas tuas ruas nítidas e vazias, largando a voz no mundo os acordes de um violão que sobrou, à lua lá em cima com seu brilho adamantino, a econômica lua com quem uma vez teus administradores fizeram um incrível contrato, mas tão simples e peremptório , e que só deu certo porque os teus filhos são mesmo lunáticos.

Extraído do livro de Mozart Soriano Aderaldo
História Abreviada de Fortaleza e crônicas sobre a cidade amada


domingo, 14 de julho de 2013

Cidade nas Antigas

Praça Clóvis Beviláqua, antiga Praça de Pelotas

Na Fortaleza de muito tempo atrás havia na Praça de Pelotas, mongubeiras centenárias que foram criminosamente destruídas, a despeito da simetria e ordem com que foram plantadas pelos primeiros viajantes que iam e vinham das bandas do Arronches. Outrora sem palacetes, sem casas modernas e sem o belo edifício da Faculdade de Direito, atrás do qual se levantavam as duas caixas d’água que serviram à população urbana, tinha a praça o encanto das coisas silvestres e a utilidade dos parques infantis. 

 Praça do Carmo no antigo Boulevard do Livramento, atual Avenida Duque de Caxias

Um pouco mais para leste havia o Largo do Livramento, com o nicho da pequena imagem da Virgem ainda hoje exposta à veneração dos fiéis na matriz do Carmo. E passando pelo Alto da Pimenta e pelo Garrote, existia adiante o Pajeú, ao longo do qual foi construído o primeiro açude do Ceará, por iniciativa do Senador Alencar quando Presidente da Província e melhorado na seca de 1877 pelo Barão de Sobral. 
Nesses tempos antigos desenvolvia-se pacatamente a vida de alguns milhares de cearenses, com seus costumes infelizmente desaparecidos, como os Fandangos, auto popular que relembra a conquista da África, as Pastorinhas, com sua ingênua representação do Natal do Menino Jesus, as procissões, principalmente a dos Passos e a do Enterro, esta na Semana Santa, e aquela na penúltima semana da Quaresma.
   
Rua Barão do Rio Branco com o prédio da Santa Casa da Misericórdia
 
Os dois cortejos saíam da Sé, o primeiro à tarde e o segundo à noite. A procissão dos Passos percorria a Rua Castro e Silva até a Rua Barão do Rio Branco alcançando a Praça do Ferreira pela Rua Guilherme Rocha e depois a Praça General Tibúrcio, onde encontrava outra procissão menor, que transportava o andor de N. S. das Dores. 
Na sexta-feira da Paixão saía a procissão do Enterro, partindo da Sé pela Rua Castro e Silva até a Barão do Rio Branco, dobrando em direção ao mar para alcançar a capela da Santa Casa da Misericórdia, com círios iluminando as ruas escuras. 

 Rua Castro e Silva, percurso das procissões e dos enterros que saíam da Igreja da Sé

Impressionavam estes cortejos noturnos, como impressionantes eram também os enterros daquela época, todos solenes e a pé. À frente, a cruz alçada e o padre paramentado. O caixão carregado pelos amigos e parentes ou por quatro gatos pingados – origem da expressão popular – de andar lento, sobrecasacas negras e cartolas de oleado. Somente homens acompanhando, todos de preto, silenciosos. Se o falecido era importante, socialmente falando, o cortejo terminava por uma banda de música tocando funeral.

 Praça José de Alencar, com a Igreja do Patrocínio ao fundo. Fim do século XIX/início do século XX

Para neutralizar tanta seriedade, havia o Judas, nos chamados Sábados de aleluia. Havia os famosos, como o do Teodureto, bodegueiro estabelecido no começo do Calçamento de Messejana,  que soubera certa vez, defender seu Judas da investida dos cadetes da Escola Militar, desbaratando-os e pondo em fuga vários deles que pretendiam furtá-lo.
Todos queimavam seus Judas, grandes e pequenos, aprimorados ou grosseiramente vestidos, cheios de taquaris ou de palha seca adquirida nas carpintarias da cidade. E após liam-se os testamentos. Eram os do Outeiro, os de Arronches, os de outros arrabaldes da cidade. Criticando a todos, principalmente os avarentos da pacata e encantadora capital de outrora.

   Rua 24 de Maio chegando na Praça José de Alencar - 1910

Completando a alegria esboçada na véspera da ressurreição, as festas de junho – Santo Antônio, São João e São Pedro – concorriam para a diversão de um povo que não dispunha ainda do cinema nem dos clubes sociais. Fogueiras de cavacos e paus velhos enfiados numa barrica, em pleno centro das ruas. Parentescos hipotéticos – compadres, primos, afilhados. Fogos e alegria. Fortaleza, século XIX.  
fotos do Arquivo Nirez
extraído do livro de Mozart Soriano Aderaldo
História Abreviada de Fortaleza e Crônicas  sobre a Cidade Amada