quinta-feira, 30 de junho de 2011

Teatro José de Alencar fez 101 anos

O dia 17 de junho de 1910 marcou a inauguração de um dos mais belos teatros de todo o Brasil: O Teatro José de Alencar. A casa de espetáculos foi entregue ao público da província pelo Presidente Nogueira Accioly, com direito a longo discurso proferido por Júlio César da Fonseca, um dos maiores oradoras da época. Na ocasião realizou-se um concerto pela Banda de Música do Corpo de Segurança do Estado, sob as batutas dos maestros Luis Maris Smido e Henrique Jorge.  


Aberto de terça a domingo o Teatro José de Alencar dispõe de vários espaços e vários modos de uso. 



Segundo Bloco: a sala de espetáculo de 1910, com a fachada mais conhecida, metálica e vitrais coloridos. Palco principal com o fosso da orquestra, contra-regra e coxias. Sob o palco, porão com camarins coletivos, copa, técnica e sanitários. Acima do palco, dois camarins individuais. 




Jardim do Paisagista Burle Marx - com palco ao ar livre, inaugurado em 1975 e reinaugurado em 1991. Com plantas nativas, tem a cara da terra de Iracema: cajueiros, jucás, juazeiros, oitizeiros, palmeiras e pau brasil. Tem a maior cascate verde do Ceará, com mais de 10 metros de altura.




Centro de Artes Cênicas - térreo. Base do TJA como centro de formação e intercâmbio, com acesso também pela rua 24 de Maio. Integra a galeria Ramos Cotoco, Biblioteca carlos Câmara, Cantina do Muriçoca, Praça Mestre Pedro Boca Rica, Teatro Morro do Ouro, oficinas de iluminação Álvaro Brasil, de figurino Flávio Phebo, de cenotécnica Helder Ramos.



Foyer - no andar superior do primeiro bloco, uma sala para 120 pessoas. Na trajetória do TJA teve usos distintos: serviu de ateliê para Ramos Cotoco e Raimundo cela, academia de dança, museu da instituição, etc. Além de sala de concerto, recebe espetáculos cênicos, lançamentos editoriais, cursos e seminários dentre outras atividades. 
    



Primeiro Bloco - voltado para a Praça José de Alencar é a fachada de alvenaria do TJA. Abriga o saguão, a bilheteria, o café. 
O mais exuberante exemplar da arquitetura de ferro no Brasil passou por várias reformas. Um profundo restauro (1989-1991) marca a trajetória recente da instituição, reinaugurada em 26 de janeiro de 1991.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Fortaleza e a Participação na 2ª. Guerra

O dia a dia da população modificou-se desde a eclosão do conflito mundial em 1939, e sofreu mais mudanças com a entrada do Brasil na Guerra. Houve racionamento de comida, de combustível e energia. Eram formadas grandes filas para adquirir produtos básicos. 

veiculo movido a gasogênio
Por medida de economia, restringiu-se e depois se proibiu a circulação de carros particulares, os quais, na falta de gasolina usavam gasogênio, um gás obtido através da queima de carvão, num equipamento acoplado à traseira dos veículos.

Eram realizados exercícios de defesa passiva antiaérea, nos quais se desligava a precária iluminação pública, de modo que a cidade ficasse às escuras, tudo porque se temia ataques germânicos.
Os moradores por sua vez, deveriam tomar precauções nas residências, colocando abajures em volta das lâmpadas e panos pretos ou papelão nas portas e janelas de vidro, para não revelar nenhuma réstia de luz. 
Foi decretado toque de recolher às 22 horas, patrulhas do exército vasculhavam as ruas da cidade. Foi criada a figura do inspetor de quarteirão, um morador da quadra era designado para vigiar o comportamento das demais famílias, e orientar os demais, em caso de necessidade. 
Suspeitava-se da existência de espionagem nazista no Nordeste, mantendo-se sob vigilância qualquer antigo membro da Ação Integralista Brasileira. Vários deles chegaram a ser detidos.
As pessoas temiam  ataques por parte de navios ou aviões alemães ou de serem denunciadas caluniosamente como espiãs e acabarem presas.

flagrante da passeata do dia 18/08/1942. Um popular carrega um retrato de Getúlio Vargas pedindo ao presidente que saia de cima do muro. (Ah, Fortaleza!)

Em 18 de agosto de 1942, diante de uma nova onda de torpedeamento de navios brasileiros, foi realizada uma grande passeata liderada pelos acadêmicos da Faculdade de Direito. Tal passeata, feita aos gritos de Morra Hitler, acabou provocando o incidente que resultou num grande quebra-quebra, onde populares enfurecidos depredaram e saquearam vários estabelecimentos e residências de propriedade de alemães, japoneses, italianos e simpatizantes do Eixo.

Revolta popular liderada pelos estudantes da Faculdade de Direito, promovem quebra-quebra para forçar a entrada do Brasil na Guerra com o Eixo - Alemanha, Itália e Japão  (Ah, Fortaleza!) 

As Lojas Pernambucanas da firma Lundgren & Cia são incendiadas pela população. (Ah, Fortaleza!)
Foram destruídos estabelecimentos como as Lojas Pernambucanas, a Casa Veneza, a Camisaria O Aluard, o Consulado da Alemanha, e até  o Jardim Japonês da família Fujita, que vivia do cultivo de flores. 
Em novembro do mesmo ano foi instalada a secção local da Liga de Defesa Nacional, que, em campanha junto aos cearenses, articulou a arrecadação de ferro, alumínio e outros metais para a construção de artefatos de guerra: capacetes,  armamentos, navios. 
Os jornais locais davam atenção ao confronto. A PRE-9 Ceará Rádio Clube, então a única emissora do Estado, mantinha um programa ao meio dia, dedicado especialmente aos pracinhas – soldados brasileiros enviados para lutar na Europa. 
Em 1943 os alunos da Faculdade de Direito, motivados pelas vitórias aliadas, dois antes do encerramento do conflito, ergueram o obelisco da Praça Clóvis Beviláqua, em comemoração á futura vitória dos Aliados. 

embarque dos soldados da borracha (foto: Portal São Francisco)

Outro fato que repercutiu no cotidiano de Fortaleza, foi o recrutamento dos chamados “soldados da borracha” – sertanejos e populares que foram atraídos por uma fabulosa propaganda do governo, na intenção de extrair látex da Amazônia, como esforço de guerra para ajudar o Brasil. (Os Estados Unidos estavam sofrendo com a falta de borracha). 
A propaganda maciça deu-se no contexto da seca de 1942, que mais uma vez levou milhares de sertanejos a migrarem para Fortaleza em busca de auxilio, elevando a tensão social. Os “recrutas” após um exame médico superficial eram alojados para esperar os trens, caminhões e navios que os levariam para o Norte brasileiro. 

Interior da Hospedaria Getúlio Vargas (imagem O Povo)

Vários deles ficavam nas hospedarias modelo, como a Getúlio Vargas, inaugurada em 1943, na distante área do Alagadiço (atual bairro de São Gerardo). Nos alojamentos as tropas eram mantidas sob firme disciplina militar. 
Cercados de arames e vigias, os alojamentos pareciam campos de concentração. Os sertanejos chegavam a realizar exercícios  físicos – na verdade eram apenas trabalhadores, aos quais o governo buscava passar um discurso de luta e esforço nacionais, confundindo uma atividade extrativista com a guerra na Europa. 
Os soldados da borracha eram mal vistos pelos setores sociais dominantes, que os tinham como arruaceiros e vagabundos. Por esse motivo a rígida disciplina a que eram submetidos os trabalhadores e a localização da Hospedaria Getúlio Vargas, numa área longe do centro da capital. 
Ao final da guerra, os soldados da borracha foram abandonados no Norte. A Pátria não precisava mais deles. 

pracinhas da Força Expedicionária Brasileira desembarcam na Itália (imagem: Diário do Nordeste)


Enquanto isso, 337 cearenses foram engajados nas tropas da Força Expedicionária Brasileira – FEB para lutar na Itália.  Em geral esses pracinhas vinham de famílias de classe média ou baixa, originários de vários municípios do Estado. Morreram seis pracinhas cearenses na guerra. 
O final do conflito, em 1945, deu motivos a muitas comemorações e festejos na cidade, pela vitória dos aliados e pelo fim das privações pelas quais passava a população.

O Mané Coco do Café Java

A mocidade elegante e intelectual que marcou época em Fortaleza, pelas alturas do ano de 1892, tinha seu ponto obrigatório no Café Java, um quiosque modesto, armado no canto da Praça do Ferreira, em frente ao edifício da Rotisserie,  hoje Caixa Econômica.
Era naquele local que reinava a boêmia literária que caiu no gosto do público, e de que nasceu a controvertida Padaria Espiritual, assinalando uma das épocas mais curiosas da história de Fortaleza. 

Café Java, um dos quatro cafés localizados nos cantos da Praça do Ferreira. Ali nasceu a ideia de se criar, em 1892, a Padaria Espiritual. O Java data da década de 80 do Século XIX. Foi demolido pela reforma da praça em 1925. 
(Foto de 1906, arquivo Marciano Lopes)

O Café Java tinha na figura do seu proprietário, que se chamava Manoel Pereira dos Santos, e atendia pela alcunha de Mané Coco, um dos tipos mais bizarros daqueles tempos.
O Mané Coco – segundo a descrição de Antônio Sales – era uma excelente pessoa, muito inteligente, embora destituído de cultura. Andava sempre vestido de um terno de fraque de cor cinza, sempre com uma grande rosa à lapela, e com a originalidade de nunca usar gravata. A exclusão da gravata o excluía de todas as festas e solenidades. 
Espírito alegre e folgazão tinha, todavia, uma alma generosa: aos sábados comparecia à sua porta uma multidão de mendigos, quem distribuía esmolas, com a frase habitual:

- vá trabalhar meu amigo, pois quem não trabalha não tem direito á vida!

Gozador, para tudo tinha a sua piada predileta.  Leitor apaixonado de Guerra Junqueiro, sabia de cor e salteado o Dom João e, a propósito de tudo ou sem propósito algum recitava trechos do imortal poema. 
Se via passar em frente ao Java alguma prostituta decadente, lá vinha uma citação de Dom João:

Nós somos, D. João, as pálidas amantes
Que tu assassinaste a rir e a cantar

Se passava um enterro de criança, dizia

Deixai, deixai voar as andorinhas
Em busca das paragens luminosas



Aspecto da Praça do Ferreira naquela época dos cafés e da Padaria espiritual. Dois ângulos do   Jardim 7 de setembro, orgulho da remodelação feita na praça pelo intendente Guilherme Rocha em 1902. Demolido em 1920 na reforma empreendida pelo prefeito Godofredo Maciel. (Foto de 1906, arquivo Nirez) 

Nas horas vagas das labutas do Café, dedicava-se à mecânica, consertando toda espécie de relógios e de máquinas de costura, dos quais, não raro, contavam as más línguas, sobravam peças que eram honestamente devolvidas num embrulho, ao seu legítimo dono. 
Em razão de sua popularidade, um dia, nos primeiros tempos da República, os amigos se lembraram de fazê-lo subdelegado de polícia, cargo que chegou a exercer, até que, sem um motivo plausível, foi demitido por telefone. Mané Coco indignado,  comentava o acontecido:
- isto é lá terra!  Pois se chama um homem de bem ao telefone, em sua casa, para dizer: "estois" demitido!
Quando havia qualquer incêndio na cidade, Mané Coco era chamado, com urgência, para apagar o fogo sozinho, munido unicamente de dois baldes de madeira e uma machadinha. Desse modo, acumulava ele também as funções de bombeiro. 
Mas sua inclinação acentuada, era, porém, pela classe dos literatos e dos poetas, que no Java tinham uma acolhida carinhosa e franca. 

Padaria Espiritual (Arquivo Nirez)
Assim é que, sob o teto do seu popular quiosque de madeira, nasceu, com sua ajuda material, a célebre Padaria, idealizada por Lopes Filho, Ulisses Bezerra, Sabino Batista, Álvaro Martins, Temístocles Machado, Tibúrcio de Freitas e Antônio Sales. 
As primeiras reuniões preparatórias, em maio daquele ano, foram feitas no Java, num recanto que o Mané Coco preparara, com requintes especiais, para a rapaziada intelectual.  E quando a Padaria andava em franca prosperidade, Mané Coco jamais esqueceu de festejar o aniversário de um padeiro. 
Embandeirava o Café Java, iluminava-o à noite, fazia uma enorme jarra de aluá, que era distribuído aos fregueses e elaborava um balão gigante, com dez metros de comprimento, com o letreiro padaria espiritual, para segundo ele, levar para o céu a notícia dos nossos feitos.  Assim o nome de Manoel Pereira dos Santos, o popular Mané Coco, ficou ligado à história da maior sociedade literária de então, o qual participou ativamente do glorioso apogeu da Padaria Espiritual.

Fonte:
Raimundo de Menezes.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Museu de Arte da UFC – 50 anos


A história do Museu de Arte da UFC começou ainda em 1956 quando a Reitoria é instalada no Benfica, passando a ocupar a mansão da família Gentil. Nos altos da edificação o gabinete do reitor exibia o regionalismo de Raimundo Cela através do óleo sobre tela Rolando para a Terra.  No térreo, o Salão Nobre, era estampado com um retrato de Martins Filho, pintado por Oswaldo Teixeira.


É a partir desse Salão Nobre que vai ser deflagrado um permanente programa de atividades artísticas. Este exercício de difusão cultural afirmará a necessidade do futuro museu de arte através de um programa que se estenderá a diversas áreas da instituição: além da Reitoria, a Imprensa Universitária, a Faculdade de Farmácia e a Faculdade de Direito serão palco desses eventos propagadores  da arte.  
Esse programa se torna visível a partir de 1957, e se prolongará até 1960, às vésperas da inauguração oficial do museu de arte, marcando o período pioneiro do que viria a se transformar no Museu de Arte da UFC.





O Museu foi inaugurado oficialmente no dia 25 de junho de 1961, no campus do Benfica, na Avenida da Universidade.  A sede própria foi construída em 1965, passando depois por sucessivas reformas e ampliações.
O MAUC encontra-se ao lado de outros equipamentos culturais da UFC como a Rádio Universitária, as Casas de Cultura Estrangeira, cursos de Arquitetura, Comunicação Social, História, Biblioteconomia, Cinema de Arte, que juntos compõem o Polo Cultural do Benfica.

Espaço Pioneiros e Fundadores


Espaço da Cultura Popular
  



Sala Aldemir Martins



Sala Antonio Bandeira


Sala Raimundo Cela


Sala Descartes Gadelha


 Sala Chico da Silva

O Museu está promovendo uma exposição comemorativa do seu cinquentenário, que teve inicio no dia 22 de junho e se estenderá até o dia 11 de novembro de 2011.
Horário de visitação: de segunda à sexta, de 8h às 12h e de 14h às 18 horas
Telefone (85) 3366-7481
Fica na Avenida da Universidade,  2854, Benfica  

domingo, 26 de junho de 2011

O Manezinho do Bispo

Manoel Cavalcante Rocha, jocosamente conhecido pela alcunha de Manezinho do Bispo, pernambucano, nascido em 12 de maio de 1856, porteiro por muitos anos do Palácio Episcopal, foi uma das figuras mais curiosas e populares da Fortaleza antiga.
Manezinho aparecia em público sempre trajando um surrado paletó de alpaca, cuja cor o tempo se encarregara de transformar até se tornar indefinida, exibindo á mostra os punhos brancos da camisa. 

antigo Palácio Episcopal, hoje Paço Municipal (arquivo Nirez)

Sob o chapéu ensebado , os cabelos brancos e lisos e sob a barbicha, se escondia uma minúscula gravata preta de laço preto. Debaixo do braço carregava sempre um maço de jornais velhos e, transbordando dos bolsos largos, os opúsculos dos seus Pensamentos. Manezinho do Bispo colaborava quase diariamente na seção ineditoriais do Jornal Correio do Ceará, depois reunia em opúsculos os seus apreciados pensamentos, que eram decorados por muita  gente. 
Muitas vezes, alta noite, o grande pensador levantava-se bruscamente da cama, e ia para a mesa de trabalho registrar alguma ideia que lhe parecera genial. No dia seguinte a ideia genial passaria á história jocosa do Ceará e seria motivo de comentários na Praça do Ferreira, à leitura do jornal Correio do Ceará.
De suas obras a que causou maior sucesso foi um folheto cujo título era M.C. Rocha – Biografia de sua ex-mãe  (ex-mãe porque já havia falecido) e subtítulo: acompanhada de um passa-tempo.
Também publicou um folheto intitulado Astronomia Popular, no qual dava noções dessa ciência. Na opinião de Otacílio de Azevedo, coisa mais estapafúrdia dificilmente seria encontrada
 Eis alguns dos originais pensamentos do Manezinho do Bispo, que fizeram época e o transformaram em motivo de chacota na cidade. 

Manezinho do Bispo 

Se o mar fosse insosso, seria desengraçado e nós não teríamos o bondoso sal com que temperamos as comidas.

O Passeio Público é um aprazível lugar para quem vai ali com boas intenções.

Amar sem ser amado e correr atrás de um trem e perder

O bacharel pobre que casa com moça pobre dá um tiro com a pistola do passado nos miolos do futuro.

Quem não quiser quebrar as pernas não suba em pau

Quem tem recurso e não socorre a sua pátria, é como bocório que anda pelas calçadas comendo banana com rapadura.

Gostaria de ser como as borboletas: as borboletas voam e eu não voo.

Todo homem ou mulher vaidoso ou dosa deve cuidar do asseio interno.

Manezinho não era especialista apenas em frases, às vezes em matérias de versos saíam de sua pena, coisas desta ordem:
Minha pátria, minha pátria,
querida terra brasileira
por ti dou eu
uma grande carreira.

Conta-se que o bispo D. Joaquim, aborrecido com a grande papelada que enchia o quarto do Manezinho, no Palácio Episcopal, chamou-o um dia e disse que queimasse aqueles folhetos. Manezinho saiu para a rua e queimou-os, vendendo pela metade do preço.

Fonte:
Raimundo de Menezes e Otacílio de Azevedo  

sábado, 25 de junho de 2011

A Política de Passaportes

No final do Século XVIII uma das preocupações das autoridades coloniais cearenses e das elites latifundiárias era controlar a população, especialmente os pobres, os vadios e os indígenas. O objetivo do controle era obrigá-los a trabalhar e a produzir, sobretudo no período de expansão da cotonicultura. 
Uma das maneiras encontradas para exercer o controle desses segmentos da população, foi a instituição da política dos passaportes.



A Política dos Passaportes consistia na determinação de que os habitantes só poderiam se deslocar pela capitania caso portassem um documento – algo como o atual RG – com descrição física do indivíduo, endereço residencial e profissão.
No fundo era uma forma do poder público manter a ordem social, uma vez que criminosos e bandidos não poderiam receber o documento, assim ficavam com o acesso restrito. Era ainda uma forma de submeter a população livre e pobre a uma nova disciplina de trabalho, forçando-a ao trabalho agrícola, especialmente na lavoura algodoeira de exportação.
As primeiras noticias no Ceará sobre a exigência do passaporte datam da segunda metade do Século XVIII. Tradicionalmente a exigência de passaporte era dirigida aos estrangeiros e a pessoas oriundas de outras capitanias. 
Esta era a aparência da Praça da Lagoinha em meados do século XIX (arquivo Nirez)  

Contudo, a certa altura, passou a ser executada para controlar a movimentação da população nos limites da própria capitania.  Para concretizar esse controle, os governantes da capitania contavam com uma estrutura militar/policial local, formada pelos comandantes de distritos, de ordenanças e capitães-mores, postos ocupados pelos grandes latifundiários. 
Todos os indivíduos que chegassem a uma vila, deveriam portar a apresentar o passaporte às autoridades locais, sob pena de imediata prisão. Deveriam informar ainda que atividades exerciam, o tempo que permaneceriam e o onde ficariam. 
Em caso de prisão, os detidos teriam como pena o trabalho em serviços forçados, como a limpeza pública e até a expulsão da capitania. Chegou-se mesmo a determinar punição para os moradores que aceitassem em suas casas pessoas sem passaporte. (As penas eram iguais às dos acusados). 
Qualquer pessoa que pretendesse sair de uma vila para outra, era obrigada a solicitar o documento ao juiz ordinário. Na ocasião tinha que prestar uma declaração de suma importância: se era trabalhador. Se não fosse conhecida do juiz, a pessoa deveria apresentar duas testemunhas. 
Um dos governantes do Ceará que demonstrou maior empenho em aplicar a Política de Passaportes foi Inácio Sampaio (1812-1820). Com ele, a politica de controle da circulação de pessoas e de estímulo à produção ficou mais rígida e centralizada, pois a concessão do passaporte tornou-se de competência exclusiva do governador e do ouvidor da comarca. 
O juiz ordinário ainda tinha o direito de conceder o documento, mas deveria exigir do requerente um atestado de bons antecedentes, assim, as pessoas que tivessem cometido algum delito não teriam acesso ao passaporte e não poderiam circular pela capitania. 
Sampaio igualmente atuou ativamente no controle e repressão de indígenas, sobretudo na questão da dispersão, nativos que abandonavam suas vilas e encontravam-se sem ocupação. Índios sem passaporte ou atividade produtiva, deveriam regressar imediatamente às suas vilas de origem. 
Apesar de rígida, a lei dos passaportes foi sendo atenuada ao longo dos anos, beneficiando as camadas proprietárias. O próprio governador determinou várias exceções quanto à exigência dos documentos: vários ofícios do governador às autoridades das câmaras informavam que estavam dispensadas de apresentar o documento as pessoas “conhecidas”. 
A definição de “pessoa conhecida” ficava a critério de cada autoridade, que com base nas relações de poder, beneficiariam as próprias elites. Ou seja, a lei era aplicada principalmente em relação aos pobres, já que o objetivo era controlar e forçar a massa a trabalhar.

O Governador Sampaio

Manuel Inácio de Sampaio e Pina foi um dos mais polêmicos governantes cearenses, lembrado como eficiente administrador e ao mesmo tempo como um homem autoritário e ambicioso. Nas realizações materiais, determinou a reconstrução do forte de Nossa Senhora de Assunção, o erguimento do primeiro mercado público da capital e encomendou o primeiro plano urbanístico de Fortaleza, todos projetos de autoria de Silva Paulet.




o forte de Nossa Senhora de Assunção, atual quartel da 10ª Região Militar - até então uma paliçada de madeira, enquanto outras fortificações do Nordeste já eram de pedra e cal - foi recuperado pelo Governador Sampaio.   


Sampaio instalou em 1812 a repartição local dos Correios – até então correio só existia para comunicações oficiais, através dos denominados positivos, pessoas de confiança. O governador mantinha permanente comunicação com as autoridades das vilas, de quem exigia informações periódicas com o propósito de tomar conhecimento sobre os mais diversos acontecimentos da capitania. 
Em 1816, para melhor aplicar a lei e manter a ordem, o governador autorizou a criação da segunda comarca judicial no Ceará, situada no Crato – a sede da primeira comarca que era em Aquiraz, foi transferida para Fortaleza. 
Considerado um homem inteligente, culto, o governador teria lançado as bases literárias do Ceará, ao promover os outeiros, reuniões literárias realizadas no palácio do governo. 
Não obstante as realizações, Sampaio mostrou-se autoritário ao perseguir e reprimir adversários. 
Daí, por exemplo, entrou em confronto com o capitão-mor Antônio Moreira Gomes, rico comerciante português e homem de muito prestígio no Estado. Sampaio, coagindo a Câmara Municipal, conseguiu que os vereadores cassassem o posto de Gomes. 
Da mesma maneira confrontou-se com o ouvidor João Antônio Rodrigues de Carvalho e com o naturalista João da Silva Feijó. Ao reprimir a Revolução de 1817 no Ceará, Sampaio acusou essas pessoas de estarem envolvidas na revolta, visando dessa forma, livrar-se dos desafetos. Em janeiro de 1810 Sampaio deixou o Ceará para governar Goiás. Faleceu em Portugal no ano de 1856. 

Fonte:
História do Ceará, de Airton de Farias