sábado, 25 de junho de 2011

A Política de Passaportes

No final do Século XVIII uma das preocupações das autoridades coloniais cearenses e das elites latifundiárias era controlar a população, especialmente os pobres, os vadios e os indígenas. O objetivo do controle era obrigá-los a trabalhar e a produzir, sobretudo no período de expansão da cotonicultura. 
Uma das maneiras encontradas para exercer o controle desses segmentos da população, foi a instituição da política dos passaportes.



A Política dos Passaportes consistia na determinação de que os habitantes só poderiam se deslocar pela capitania caso portassem um documento – algo como o atual RG – com descrição física do indivíduo, endereço residencial e profissão.
No fundo era uma forma do poder público manter a ordem social, uma vez que criminosos e bandidos não poderiam receber o documento, assim ficavam com o acesso restrito. Era ainda uma forma de submeter a população livre e pobre a uma nova disciplina de trabalho, forçando-a ao trabalho agrícola, especialmente na lavoura algodoeira de exportação.
As primeiras noticias no Ceará sobre a exigência do passaporte datam da segunda metade do Século XVIII. Tradicionalmente a exigência de passaporte era dirigida aos estrangeiros e a pessoas oriundas de outras capitanias. 
Esta era a aparência da Praça da Lagoinha em meados do século XIX (arquivo Nirez)  

Contudo, a certa altura, passou a ser executada para controlar a movimentação da população nos limites da própria capitania.  Para concretizar esse controle, os governantes da capitania contavam com uma estrutura militar/policial local, formada pelos comandantes de distritos, de ordenanças e capitães-mores, postos ocupados pelos grandes latifundiários. 
Todos os indivíduos que chegassem a uma vila, deveriam portar a apresentar o passaporte às autoridades locais, sob pena de imediata prisão. Deveriam informar ainda que atividades exerciam, o tempo que permaneceriam e o onde ficariam. 
Em caso de prisão, os detidos teriam como pena o trabalho em serviços forçados, como a limpeza pública e até a expulsão da capitania. Chegou-se mesmo a determinar punição para os moradores que aceitassem em suas casas pessoas sem passaporte. (As penas eram iguais às dos acusados). 
Qualquer pessoa que pretendesse sair de uma vila para outra, era obrigada a solicitar o documento ao juiz ordinário. Na ocasião tinha que prestar uma declaração de suma importância: se era trabalhador. Se não fosse conhecida do juiz, a pessoa deveria apresentar duas testemunhas. 
Um dos governantes do Ceará que demonstrou maior empenho em aplicar a Política de Passaportes foi Inácio Sampaio (1812-1820). Com ele, a politica de controle da circulação de pessoas e de estímulo à produção ficou mais rígida e centralizada, pois a concessão do passaporte tornou-se de competência exclusiva do governador e do ouvidor da comarca. 
O juiz ordinário ainda tinha o direito de conceder o documento, mas deveria exigir do requerente um atestado de bons antecedentes, assim, as pessoas que tivessem cometido algum delito não teriam acesso ao passaporte e não poderiam circular pela capitania. 
Sampaio igualmente atuou ativamente no controle e repressão de indígenas, sobretudo na questão da dispersão, nativos que abandonavam suas vilas e encontravam-se sem ocupação. Índios sem passaporte ou atividade produtiva, deveriam regressar imediatamente às suas vilas de origem. 
Apesar de rígida, a lei dos passaportes foi sendo atenuada ao longo dos anos, beneficiando as camadas proprietárias. O próprio governador determinou várias exceções quanto à exigência dos documentos: vários ofícios do governador às autoridades das câmaras informavam que estavam dispensadas de apresentar o documento as pessoas “conhecidas”. 
A definição de “pessoa conhecida” ficava a critério de cada autoridade, que com base nas relações de poder, beneficiariam as próprias elites. Ou seja, a lei era aplicada principalmente em relação aos pobres, já que o objetivo era controlar e forçar a massa a trabalhar.

O Governador Sampaio

Manuel Inácio de Sampaio e Pina foi um dos mais polêmicos governantes cearenses, lembrado como eficiente administrador e ao mesmo tempo como um homem autoritário e ambicioso. Nas realizações materiais, determinou a reconstrução do forte de Nossa Senhora de Assunção, o erguimento do primeiro mercado público da capital e encomendou o primeiro plano urbanístico de Fortaleza, todos projetos de autoria de Silva Paulet.




o forte de Nossa Senhora de Assunção, atual quartel da 10ª Região Militar - até então uma paliçada de madeira, enquanto outras fortificações do Nordeste já eram de pedra e cal - foi recuperado pelo Governador Sampaio.   


Sampaio instalou em 1812 a repartição local dos Correios – até então correio só existia para comunicações oficiais, através dos denominados positivos, pessoas de confiança. O governador mantinha permanente comunicação com as autoridades das vilas, de quem exigia informações periódicas com o propósito de tomar conhecimento sobre os mais diversos acontecimentos da capitania. 
Em 1816, para melhor aplicar a lei e manter a ordem, o governador autorizou a criação da segunda comarca judicial no Ceará, situada no Crato – a sede da primeira comarca que era em Aquiraz, foi transferida para Fortaleza. 
Considerado um homem inteligente, culto, o governador teria lançado as bases literárias do Ceará, ao promover os outeiros, reuniões literárias realizadas no palácio do governo. 
Não obstante as realizações, Sampaio mostrou-se autoritário ao perseguir e reprimir adversários. 
Daí, por exemplo, entrou em confronto com o capitão-mor Antônio Moreira Gomes, rico comerciante português e homem de muito prestígio no Estado. Sampaio, coagindo a Câmara Municipal, conseguiu que os vereadores cassassem o posto de Gomes. 
Da mesma maneira confrontou-se com o ouvidor João Antônio Rodrigues de Carvalho e com o naturalista João da Silva Feijó. Ao reprimir a Revolução de 1817 no Ceará, Sampaio acusou essas pessoas de estarem envolvidas na revolta, visando dessa forma, livrar-se dos desafetos. Em janeiro de 1810 Sampaio deixou o Ceará para governar Goiás. Faleceu em Portugal no ano de 1856. 

Fonte:
História do Ceará, de Airton de Farias 

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