O sonho do jornalista Jáder de Carvalho foi realizado em
1947 com a fundação do Diário do Povo. Ele já havia participado da criação de
outros dois jornais: O Combate (1921) e Esquerda (1928). Mas é no Diário do Povo que exerce
com idealismo e vigor a defesa dos oprimidos e a liberdade de expressão do
pensamento.
Em pouco tempo, Jáder já tinha um inimigo de peso, o então governador do Estado, Faustino Albuquerque, com
quem trava embates de 1947 a 1948. Anti-integralista foi vítima de ataques,
tiros e agressões. Quatro anos antes da fundação do jornal, havia sido
denunciado como comunista e condenado a 27 anos de prisão, sendo o primeiro
cearense a ser conduzido ao cárcere por sentença do Tribunal de Segurança do Estado,
a justiça de exceção do Estado Novo. Depois de quase um ano de prisão no
quartel do Corpo de Bombeiros, no bairro Jacarecanga, foi solto pela anistia
concedida aos presos políticos (no mesmo quartel, esteve presa a escritora
Rachel de Queiroz).
Quartel do Corpo de Bombeiros, onde Jáder de Carvalho cumpriu quase um ano de prisão sob acusação de divulgar ideias marxistas. (arquivo Nirez)
O Diário do Povo era escrito por alunos do Jáder, recrutados
no Liceu do Ceará. Para ser selecionado, o candidato tinha que atender a três
critérios: ser um bom aluno de história, ter paixão jornalística e ser de
briga. Além dos estudantes trabalhavam na redação a esposa de Jáder, Margarida
Sabóia, cronista de destaque e os filhos do casal.
O jornal tinha tiragem irregular, circulação restrita a
alguns assinantes, em algumas bancas e com poucos gazeteiros, além de enfrentar
algumas dificuldades operacionais. Apesar de tudo, tinha um bom número de
anunciantes.
Vale ressaltar que o jornal aproveitava suas próprias
páginas para criticar a censura do Estado Novo. Na edição do dia 1º de novembro
de 1947, o editorial falava sobre a prisão dos originais de sua primeira
edição:
"O Diário do Povo, antes mesmo de circular, teve os originais de
sua edição de estreia apreendidos pela polícia, e presos o seu secretário e
dois revisores, num atentado inominável à Constituição e à consciência
democrática do povo cearense. Confortou-nos, entretanto, o protesto geral dos
democratas brasileiros, que em todo o País, pela imprensa, pelo rádio, da
tribuna do Congresso e da praça pública exteriorizavam a repulsa à atitude nazifascista
do governo do desembargador sem leu, sem luz e sem inteligência...".
Depois de 14 anos, o Diário do Povo deixou de circular por
problemas financeiros, deixando como legado uma época marcante do jornalista
cearense. Segundo o próprio Jáder de Carvalho, em entrevista concedida ao um
grupo de estudantes em 1967, essa teria sido a
melhor fase de sua vida. “Escrevo
por necessidade de desabafar. Para servir de porta-voz aos oprimidos e
humilhados, que nem sempre têm uma voz fiel, exata, leal e sincera, de que eles
se possam servir”.
Equívoco
O professor Heribaldo Costa, jurista, cearense ilustre, era
inimigo de Jáder Carvalho, então diretor do Diário do Povo. Heribaldo foi à Europa, voltou. O Diário do
Povo noticiou:
Chegou da Europa o ilustre professor Hericaldo Bosta.
O
professor, indignado, entrou na Justiça contra o jornal. O DP perdeu a questão e foi
condenado a se retratar na primeira página. Jáder de Carvalho escreveu uma nota
grande, se desculpando:
Esse jornal, sem querer, por equívoco gráfico, cometeu um
erro imperdoável. Chamou de Hericaldo Bosta o ilustre professor de nossa
Faculdade de Direito. Sabem os leitores que jamais este jornal poderia chamar
de Hericaldo Bosta um intelectual do nível e do renome do ilustre professor da Faculdade de Direito. Até porque jamais soubemos que o ilustre mestre se
chamasse Hericaldo Bosta.
Mas, errar o nome de personalidades ocorre em todos os
jornais do mundo. Acabamos chamando de Hericaldo Bosta o venerando catedrático
da Faculdade de Direito. Cumprindo determinação judicial, estamos nos
desculpando e informando aos leitores que, em vez de Hericaldo Bosta, o
verdadeiro nome do distinto professor é Heribosta Caldo.
O professor Heribaldo Costa pegou um revólver e foi ao
jornal matar o diretor Jáder Carvalho. Não deixaram.
Jáder
Moreira de Carvalho nasceu em Quixadá, Ceará, em 29 de dezembro de 1901 e
faleceu em Fortaleza no dia 7 de agosto de 1985, aos 83 anos de
idade. Bacharel pela Faculdade de Direito do Ceará em 1931, foi professor de
História do Colégio Estadual do Ceará e assessor jurídico do Conselho de
Assistência Técnica aos Municípios.
Jornalista brilhante e polêmico fundou os jornais Diário do Povo e A Esquerda. Poeta telúrico de grande
sensibilidade, tinha uma poesia arrebatada e comovedora. Foi um dos iniciadores
do movimento modernista no Ceará, em 1927, com o livro O canto novo da raça,
publicado em conjunto com Franklin Nascimento, Sidney Neto e Mozart Firmeza.
Obras
poéticas:
O canto novo da raça, 1927;
Terra de ninguém, 1931;
Água da fonte,
1966;
Toda a poesia, 1973;
Alma em trova, 1974; e
Terra bárbara, publicada pelo
Programa Editorial da Casa José de Alencar em 1998.
Foi também
ensaísta e romancista de cunho social, inaugurando no Ceará o chamado “romance
da classe média”, de fundo reivindicante.
Além de
ensaios sociológicos publicou os romances:
Classe média, 1937;
Doutor Geraldo,
1937;
A criança vive, 1945;
Eu quero o sol, 1946;
Sua majestade o juiz, 1962; e
Aldeota, 1963.
Foi agraciado com a Medalha da Abolição – a mais alta
condecoração do estado – em maio de 1982.
Ingressou na
Academia Cearense de Letras no dia 21 de maio de 1930 por ocasião da segunda
reorganização do sodalício.
Ocupou a
cadeira 15 (posteriormente número 14), cujo patrono é João Brígido.
Terra Bárbara
as estradas são tortuosas e tristes
como o destino de seu povo errante.
Viajor,
se ardes em sede,
se acaso a noite te alcançou,
bate sem susto no primeiro pouso:
— terás água fresca para sua sede,
— rede cheirosa e branca para o teu sono.
o cangaceiro é leal e valente:
jura que vai matar e mata.
Jura que morre por alguém — e morre.
(Brasil, onde mais energia:
na água, que tem num só destino
do teu Salto das Sete Quedas
ou na vida, que tem mil destinos,
do teu jagunço aventureiro e nômade?)
Ah, eu sou da terra do seringueiro,
— o intruso
que foi surpreender a puberdade da Amazônia.
planta de sol a sol o algodão para vestir o Brasil.
Eu nasci nos tabuleiros mansos de Quixadá
e fui crescer nos canaviais do Cariri,
entre caboclos belicosos e ágeis.
Filho de gleba, fruto em sazão ao sol dos trópicos,
eu sou o índice do meu povo:
se o homem é bom — eu o respeito.
Se gosta de mim — morro por ele.
Se, porque é forte, entender de humilhar-me,
— ai, sertão!
Eu viveria o teu drama selvagem,
eu te acordaria ao tropel do meu cavalo errante,
como antes te acordava ao choro da viola...
pesquisa:
Revista Fortaleza
Jornal Diário do Nordeste
Jáder de Carvalho disponível em
http://www.ceara.pro.br/ACL/Academicosanteriores/JaderCarvalho.html