Até os anos 1940, toda a cidade convergia para a Praça do Ferreira. Os homens vestiam-se com elegância, usando ternos de linho (ou outros tecidos importados) e gravatas, no melhor estilo belle epoque. No pós-guerra, tudo mudou: os americanos trouxeram os slacks, os tecidos sintéticos e as calças jeans.
parada de ônibus na Praça do Ferreira, anos 60, e o novo conceito em vestir. O Cine Diogo tentou resgatar a tradição ao exigir que os homens vestissem paletó nas suas dependências.
E muita gente, que ia comprar alguma coisa, assistir a um filme,
beber uma cervejinha, discutir futebol e política, ou apenas conversar. Os
alunos do Liceu e da Escola Normal, em certas horas, predominavam na praça,
sempre barulhentos e agitados. Os bondes do Jacarecanga eram usualmente
ocupados por dezenas de estudantes.
Na Coluna da Hora, a Fortaleza provinciana viveu alguns dos
seus mais importantes movimentos cívicos. Oradores populares pediam a palavra e não
se conseguia distinguir os aplausos dos apupos. A vaia era instituição
dominante, vaiava-se a tudo e a todos.
Nessa época a Praça do Ferreira era cercada de frondosas
árvores, bastante espaço para conversas, bancos confortáveis. Lá podia ser
encontrado o velho Oscar Pedreira, a vigiar de perto os seus pequenos e bem
cuidados ônibus cinzentos que concorriam com os bondes da Light, que faziam a linha do Jacarecanga. Passava os dias no vaivém, fiscalizando as
viagens de seus veículos. Um dia, alguém lhe sugeriu: “Seu Pedreira, contrate
uns fiscais para evitar esse trabalho”. Ao que ele retrucou: “contrato não.
Basta o motorista e o trocador para me roubar. Se botar mais um fiscal não
sobra nada pra mim...”
Praça do Ferreira, no cruzamento da Rua Major Facundo com a Guilherme Rocha, conhecida como a "esquina do pecado"
A Praça do Ferreira era o tronco da árvore em crescimento –
a cidade de Fortaleza. Ela se espalhava com um acanhado comércio pelas ruas
Floriano Peixoto e Major Facundo, concentrando maiores atividades no trecho
entre o edifício da antiga Assembleia Legislativa (hoje Museu do Ceará) e o
Passeio Público, área na qual se inseria o Mercado Central, onde a cidade
costumava se abastecer de frutas, carnes cereais e muitos utensílios
domésticos.
As chamadas travessas – Liberato Barroso, Guilherme Rocha,
São Paulo, Pedro Borges, Senador Alencar e Castro e Silva – complementavam o
centro nevrálgico da pequena cidade.
Em 1940 Fortaleza deu partida rumo ao seu lado poente, até
então esquecido. A descoberta desse espaço geminado à Praça do Ferreira ocorreu
com a inauguração do Cine Diogo, nos baixos do edifício azul, que se tornou o
referencial de modernidade, marcando o ingresso da cidade na arquitetura
verticalizada. (já existia o Excelsior, com 7 andares, e a lenda de que seria
de alvenaria).
O Diogo, cinema moderno, de hall elegante, tinha duas graves
deficiências: não possuía sistema de refrigeração e as cadeiras eram comuns, de
madeira, e não poltronas, como era de se esperar de uma sala de primeira
classe. O mais novo cinema passou a
constituir o ponto de maior distinção da cidade, exigia-se do público masculino
o uso de paletó e gravata.
Logo depois a Ceará Rádio Clube, então a única emissora
local, mudou-se para os últimos andares do edifício, o 9° e o 10°, onde um
estúdio envidraçado tinha diante dele um pequeno auditório, constantemente
apinhado de fãs para aplaudir os cantores locais, como Gilberto Milfont, José
Jatahy, Mário Alves, Luri Santiago, Danilo de Aguiar e outros.
Com o melhor cinema, e a única emissora, o quarteirão da Rua
Barão do Rio Branco, entre a Guilherme Rocha e a Liberato Barroso, começou a
roubar a cena da Praça do Ferreira. A primeira grande adesão comercial foi a loja A
Cearense, a principal loja de modas da cidade, que deixou seu ponto tradicional
na esquina da Praça do Ferreira (Rua Floriano Peixoto com Pedro Borges) e
inaugurou luxuosas instalações naquele novo trecho. Vieram em seguida A
Cruzeiro, de Rubens Lima Barros, a Casa das Máquinas de Gontran Nascimento e
Casa Pio de Pio Rodrigues e outras.
Não tardou para que a publicidade incipiente, num intuitivo
processo de marketing, denominasse a área de o quarteirão sucesso da cidade.
Com efeito, por toda a década, a quadra em que predominava o Cine Diogo,
tornou-se o centro de irradiação do progresso de Fortaleza, libertando-o da
Praça do Ferreira, que, no entanto, continuou a ser o coração da cidade.
fotos do arquivo Nirez
Extraído do
livro
O Liceu e o
bonde, de Blanchard Girão
5 comentários:
Mesmo com as mudanças, eu ainda prefiro ir "à praça" do que ir ao shopping. Do que mais tenho saudade, no centro, é do Cine Diogo.
Matéria linda!!!!
sei não, viu Lúcia, o centro está tão deteriorado que faz medo andar por ali
Olá Maria, visitei seu blog e gostei. Vou virar leitora assídua. abs
Fortaleza, de uma história magnífica; de muita cultura, lutas e demais manifestações... Infelizmente a desmemorizaram, pela derrubada e/ou descaracterização de muitos monumentos dessa história. Mas dá tempo preservar alguma coisa ainda. Querem??? Eis a questão.
Fortaleza, de uma história magnífica; de muita cultura, lutas e demais manifestações... Infelizmente a desmemorizaram, pela derrubada e/ou descaracterização de muitos monumentos dessa história. Mas dá tempo preservar alguma coisa ainda. Querem??? Eis a questão.
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