quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O Quarteirão Sucesso e o Crescimento da Província

Na Fortaleza dos anos quarenta a referência à praça, subentendia a Praça do Ferreira. Toda a cidade convergia para lá, os bondes, os ônibus, os carros de aluguel antecessores dos táxis. Naquele quadrilátero se encontravam os pontos de maior frequência popular, como as bancas de jornal, os cinemas Majestic e Moderno, os cafés Central e Sport os restaurantes Gruta e Cascatinha, a garapeira do Mundico, as principais farmácias – Pasteur, Oswaldo Cruz e Humanitária – o Bar da Brahma, a loja A Cearense, a garagem do Posto Mazine, o Leão do Sul, o armarinho do Orion.


Até os anos 1940, toda a cidade convergia para a Praça do Ferreira. Os homens vestiam-se com elegância, usando ternos de linho (ou outros tecidos importados) e gravatas, no melhor estilo belle epoque. No pós-guerra, tudo mudou: os americanos trouxeram os slacks, os tecidos sintéticos e as calças jeans.  

parada de ônibus na Praça do Ferreira, anos 60,  e o novo conceito em vestir. O Cine Diogo tentou resgatar a tradição ao exigir que os homens vestissem paletó nas suas dependências. 

E muita gente, que ia comprar alguma coisa, assistir a um filme, beber uma cervejinha, discutir futebol e política, ou apenas conversar. Os alunos do Liceu e da Escola Normal, em certas horas, predominavam na praça, sempre barulhentos e agitados. Os bondes do Jacarecanga eram usualmente ocupados por dezenas de estudantes.

Alunos do Liceu no bonde da linha Jacarecanga

Na Coluna da Hora, a Fortaleza provinciana viveu alguns dos seus mais importantes movimentos cívicos. Oradores populares pediam a palavra e não se conseguia distinguir os aplausos dos apupos. A vaia era instituição dominante, vaiava-se a tudo e a todos.

Nessa época a Praça do Ferreira era cercada de frondosas árvores, bastante espaço para conversas, bancos confortáveis. Lá podia ser encontrado o velho Oscar Pedreira, a vigiar de perto os seus pequenos e bem cuidados ônibus cinzentos que concorriam com os bondes da Light, que faziam a linha do Jacarecanga.  Passava os dias no vaivém, fiscalizando as viagens de seus veículos. Um dia, alguém lhe sugeriu: “Seu Pedreira, contrate uns fiscais para evitar esse trabalho”. Ao que ele retrucou: “contrato não. Basta o motorista e o trocador para me roubar. Se botar mais um fiscal não sobra nada pra mim...”

Praça do Ferreira, no cruzamento da Rua Major Facundo com a Guilherme Rocha, conhecida como a "esquina do pecado"

A Praça do Ferreira era o tronco da árvore em crescimento – a cidade de Fortaleza. Ela se espalhava com um acanhado comércio pelas ruas Floriano Peixoto e Major Facundo, concentrando maiores atividades no trecho entre o edifício da antiga Assembleia Legislativa (hoje Museu do Ceará) e o Passeio Público, área na qual se inseria o Mercado Central, onde a cidade costumava se abastecer de frutas, carnes cereais e muitos utensílios domésticos.

bancas de frutas no Mercado Central

As chamadas travessas – Liberato Barroso, Guilherme Rocha, São Paulo, Pedro Borges, Senador Alencar e Castro e Silva – complementavam o centro nevrálgico da pequena cidade.
Em 1940 Fortaleza deu partida rumo ao seu lado poente, até então esquecido. A descoberta desse espaço geminado à Praça do Ferreira ocorreu com a inauguração do Cine Diogo, nos baixos do edifício azul, que se tornou o referencial de modernidade, marcando o ingresso da cidade na arquitetura verticalizada. (já existia o Excelsior, com 7 andares, e a lenda de que seria de alvenaria). 

Portaria do Cine Diogo

O Diogo, cinema moderno, de hall elegante, tinha duas graves deficiências: não possuía sistema de refrigeração e as cadeiras eram comuns, de madeira, e não poltronas, como era de se esperar de uma sala de primeira classe.  O mais novo cinema passou a constituir o ponto de maior distinção da cidade, exigia-se do público masculino o uso de paletó e gravata.

Logo depois a Ceará Rádio Clube, então a única emissora local, mudou-se para os últimos andares do edifício, o 9° e o 10°, onde um estúdio envidraçado tinha diante dele um pequeno auditório, constantemente apinhado de fãs para aplaudir os cantores locais, como Gilberto Milfont, José Jatahy, Mário Alves, Luri Santiago, Danilo de Aguiar e outros.

A Cearense, a preferida das elegantes da época, e a principal loja de modas da cidade

Com o melhor cinema, e a única emissora, o quarteirão da Rua Barão do Rio Branco, entre a Guilherme Rocha e a Liberato Barroso, começou a roubar a cena da Praça do Ferreira. A primeira grande adesão comercial foi a loja A Cearense, a principal loja de modas da cidade, que deixou seu ponto tradicional na esquina da Praça do Ferreira (Rua Floriano Peixoto com Pedro Borges) e inaugurou luxuosas instalações naquele novo trecho. Vieram em seguida A Cruzeiro, de Rubens Lima Barros, a Casa das Máquinas de Gontran Nascimento e Casa Pio de Pio Rodrigues e outras.

Cartaz de propaganda da A Cruzeiro, loja masculina de alto padrão

Não tardou para que a publicidade incipiente, num intuitivo processo de marketing, denominasse a área de o quarteirão sucesso da cidade. Com efeito, por toda a década, a quadra em que predominava o Cine Diogo, tornou-se o centro de irradiação do progresso de Fortaleza, libertando-o da Praça do Ferreira, que, no entanto, continuou a ser o coração da cidade.

fotos do arquivo Nirez
Extraído do livro
O Liceu e o bonde, de Blanchard Girão    

5 comentários:

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Mesmo com as mudanças, eu ainda prefiro ir "à praça" do que ir ao shopping. Do que mais tenho saudade, no centro, é do Cine Diogo.

Matéria linda!!!!

Fátima Garcia disse...

sei não, viu Lúcia, o centro está tão deteriorado que faz medo andar por ali

Fátima Garcia disse...

Olá Maria, visitei seu blog e gostei. Vou virar leitora assídua. abs

Unknown disse...

Fortaleza, de uma história magnífica; de muita cultura, lutas e demais manifestações... Infelizmente a desmemorizaram, pela derrubada e/ou descaracterização de muitos monumentos dessa história. Mas dá tempo preservar alguma coisa ainda. Querem??? Eis a questão.

Unknown disse...

Fortaleza, de uma história magnífica; de muita cultura, lutas e demais manifestações... Infelizmente a desmemorizaram, pela derrubada e/ou descaracterização de muitos monumentos dessa história. Mas dá tempo preservar alguma coisa ainda. Querem??? Eis a questão.