segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Definição dos Limites de Fortaleza

Segundo dados do IBGE a última definição dos limites dos municípios cearenses ocorreu em 1951, ano em que foi assinada a lei de criação de municípios do Ceará. Trata-se da Lei nº 1.153 de 22/11/1951, que fixou a consolidação da divisa territorial do Estado do Ceará, materializadas em 95 municípios; de lá para cá, alguns dos marcos que serviam de referência para a divisão das cidades desapareceram - como linhas telegráficas, rochas, riachos que foram aterrados, etc...

Naquele documento legal, os limites de Fortaleza ficaram assim definidos: ao Norte com o Oceano Atlântico, da Barra do Rio Ceará à Ponta do Mucuripe; a Leste, com o mesmo Oceano, da Ponta do Mucuripe à barra do Rio Pacoti, e com o município de Aquiraz, a começar da barra, seguindo pelo mesmo rio Pacoti até sua confluência com o rio Gamboa da Cunhã. Desta confluência, em linha reta, até a parte mais norte da Lagoa da Precabura, seguindo por meio desta até sua parte mais sul, na foz do rio Coaçu e daí, por este rio acima, até a foz do seu afluente Carro Quebrado. Por este até a ponte situada no seu cruzamento com a estrada federal BR-13 (atual BR-116, que à época ligava Fortaleza a Feira de Santana, na Bahia). 

A foz do Riacho Coaçu é um dos limites entre Fortaleza e o município de Eusébio. Foto de 1919 do site Brasiliana Fotográfica
Estrada de Maranguape, antigo limite de Fortaleza - foto de 1919 - Brasiliana Fotográfica

Ao Sul, com os municípios de Pacatuba e Maranguape, por uma linha reta que, partindo da referida ponte na BR-13 (atual BR-116) vá atingir o serrote Ancuri. Deste, por outra linha reta até a foz do riacho Timbó ou Jereraú, no Rio Cocó, e daí, por uma linha reta, ao sangradouro da Lagoa do Mingau. Deste ponto, também em linha reta, à confluência do desaguadouro da Lagoa Jari com o rio Maranguapinho, seguindo outra linha reta até o cruzamento da chamada Estrada da Ribeira com o rio Urucutuba.

A Oeste com o município de Caucaia, do referido cruzamento em linha reta, até o bueiro da Estrada de Ferro Fortaleza-Sobral sobre o rio Tatumundé, descendo por este até seu encontro com o rio Maranguapinho. Por este, até a sua junção como o rio Ceará, descendo por este até o Oceano.

O território de Fortaleza era dividido em Distritos: Distrito Central, cuja sede era Fortaleza; Distrito de Messejana; Distrito de Parangaba e o Distrito de Antônio Bezerra. Os limites dos Distritos eram indicados em lei estadual.
Atualmente, Fortaleza limita-se com cinco municípios – Caucaia, Maracanaú, Eusébio, Aquiraz e Itaitinga. 

Estrada do Soure (atual Caucaia) em 1919 - foto Brasiliana Fotográfica 

Três desses – Maracanaú, Eusébio e Itaitinga, foram criados depois dessa delimitação. Maracanaú era parte de Maranguape.  Em 1983, emancipou-se definitivamente, passando a figurar como limite de Fortaleza juntamente com Pacatuba e Itaitinga; Itaitinga era distrito de Pacatuba, sendo elevado à categoria de cidade pela lei estadual nº 11927 de 27 de março de 1992;  outro município limítrofe, o Eusébio, era distrito de Aquiraz até a segunda metade da década de 1980. Com a instalação de indústrias na região, houve um incremento na economia local que acabou por acelerar o processo de emancipação do distrito que virou município em 1987.
  
Estrada do Eusébio - 1919 - foto Brasiliana Fotográfica
  
Com a expansão da cidade e com a criação desses novos municípios na região metropolitana, alguns desses limites, tiveram seus referenciais modificados; o problema é que não ficou definido onde termina um município ou onde começa o outro.
O bairro do Ancuri, localizado na “faixa de gaza” entre Fortaleza e Itaitinga, pertence parte à Fortaleza, parte a Itaitinga, apesar de constar no mapa de bairros da Capital. Mas o equipamento mais conhecido do bairro – a Escola de Música do Ancuri, está situada em terras de Itaitinga.

Famosa também é a confusão em que se veem envolvidos os moradores dessas regiões limítrofes, que recebem contas de prestação de serviços básicos como água e energia, ora de um município, ora de outro, às vezes dos dois. E quando necessitam de serviços de educação, saúde, transporte e saneamento, também não sabem a quem recorrer. A “conurbação”, fenômeno que acontece quando dois municípios se unem como se fossem a mesma cidade, tem deixado a população que mora nessas áreas em sérios apuros. 
     
Desde 2013, que estudos desenvolvidos pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE, e pelo IBGE, defendiam que os limites que envolvem os municípios de Maracanaú, Caucaia, Eusébio e Itaitinga – deveriam sofrer alterações. Agora, finalmente, o problema tende a se resolver. Em 22 de dezembro de 2016, a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou o Projeto de Lei 230/2016, que descreve os limites intermunicipais de 128 municípios do Ceará (os demais serão divulgados em breve). Sancionado pelo governador Camilo Santana, o projeto se transformou na Lei 16.198, de 29 de dezembro de 2016. 

Igreja Matriz de Aquiraz  (foto de 2012 - Fortaleza em Fotos)

Segundo a Lei 16.198/2016, o município de Fortaleza limita-se ao Norte com o Oceano Atlântico – litoral compreendido entre a Foz do Rio Ceará e a Foz do Rio Pacoti;  
A Leste com o município de Aquiraz – começa na foz do Rio Pacoti e sobe por este rio até a foz do riacho Gamboa da Cunhã;
A Leste e ao Sul com o município de Eusébio – começa na foz do riacho Gamboa da Cunhã, no Rio Pacoti, segue em linha reta até o ponto de coordenadas no canal de drenagem do desaguadouro da Lagoa da Precabura, segue por este canal de drenagem  até o meio da ponte na Rodovia CE-025; segue pelas águas da Lagoa da Precabura até a foz do riacho Coaçu; sobe pelo Riacho Coaçu até a foz do Riacho Itapeba, com topônimo Local de Riacho Carro Quebrado; sobe por este riacho até o meio da ponte da Rodovia BR-116;
Ao Sul com o município de Itaitinga – começa no meio da ponte da Rodovia BR-116 sobre o Riacho Itapeba, segue em linha reta até o Pico do Serrote do Ancuri e segue por outra reta até a foz do Riacho Lameirão, com topônimo local de Riacho Timbó, no Rio Cocó;

Maracanaú (foto de 2012 Fortaleza em Fotos)

Ao Sul com o município de Maracanaú – começa da foz do Riacho Lameirão, com topônimo local de Riacho Timbó, no Rio Ceará. Segue em linha reta até o sangradouro da Lagoa do Mingau, vai por outra reta até a foz do canal de drenagem da Lagoa do Jari no Rio Maranguapinho, e por mais uma reta até o ponto de coordenadas no Riacho Urucutuba;

Praça da Matriz em Caucaia (foto de 2011 - Fortaleza em Fotos)

A Oeste com o município de Caucaia – começa no ponto de coordenada no Riacho Urucutuba, segue em linha reta até o cruzamento da via férrea Fortaleza-Sobral com um afluente do Rio Maranguapinho. Segue por esta via férrea até o meio da ponte sobre o Rio Maranguapinho, desce pelo Rio Maranguapinho até sua foz no Rio Ceará e desce pelo Rio Ceará até sua foz no Oceano Atlântico.

O Ceará é o primeiro estado do Nordeste a realizar esse trabalho que atualiza a lei de 1951, que consolidou os limites intermunicipais do Ceará.  A nova Lei não modifica limites, mas os atualiza através da tecnologia moderna, bem como, em alguns casos, feitos ajustes interpretativos dos limites, em virtude das incertezas e, por vezes, inexistências dos pontos geográficos, respeitando-se as questões culturais, administrativas e especialmente a lei de criação de cada município. Com a definição de limites, os moradores que vivem nas áreas limítrofes terão uma clara definição a quem recorrer, nas questões ligadas a serviços e direitos básicos

Fontes:
Diário Oficial do Estado, de 16/01/2017
Guia Turístico da Cidade – organizado pela secretaria Municipal de Urbanismo – Prefeitura Municipal de Fortaleza – Administração do general Manuel Cordeiro Neto - 1961
    

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Antigos Portos:O Trapiche do Ellery

No final do século XIX, Fortaleza era uma cidade jovem, em plena ascensão econômica, cheia de árvores, poucos prédios, cadeiras nas calçadas. Por esse tempo, entrou em funcionamento no Passeio Público, um skating-rink (rinque de patinação), que animava os jovens. Com ampla vista para o mar, jarros e estátuas de deuses gregos, próximas ao areal da pólvora, o Passeio Público se tornara um agitado point. Era o ponto de encontro de moças e rapazes que trocavam olhares ao som da banda de música do 15° Batalhão do Exército nas retretas das quintas-feiras e dos domingos.

Essa parede que formava o antigo molhe do Hakshow serviu de cais de atracação no antigo Poço da Draga durante algum tempo

Do Passeio Público avistava-se o movimento dos navios ao largo, e se tinha também a melhor e mais privilegiada vista do acanhado porto de Fortaleza, então conhecido como Trapiche do Ellery. Segundo cronistas, esse trapiche estava localizado na Prainha, quase em frente a casa do seu dono, o inglês Henry Ellery, na Rua Senador Almino, esquina com a Rua Dragão do Mar.

Tinha 700 palmos de extensão por 80 de largura. As operações de carga e descarga eram geralmente, muito acidentadas. Raros eram os sacos de farinha que chegavam secos à praia ou a bordo dos navios. Os jornais da época tinham espaços reservados para críticas ao Trapiche do Ellery. Endossavam as reclamações dos comerciantes e das autoridades, que viam o crescimento do problema sem no entanto, assumirem responsabilidades. Faltava iniciativa e dinheiro. 

Outra tentativa de instalação de um porto em frente a Fortaleza, foi a do engenheiro inglês John Hawkshaw, que construiu um pequeno porto próximo onde hoje se encontra o estaleiro do Inace. Os poucos resquícios que atravessaram os anos ainda hoje são identificados, em frente ao forte de N. S. da Assunção.

Do antigo trapiche nada restou depois que foi desativado na última década do século XIX, mas sua exata localização é dado por Raimundo Girão, baseado em descrição feita por João Brígido: “há de se considerar como elevação interessante o planalto ou outeiro da Prainha, à margem direita do Pajeú, alargando-se até a barranca ou descida do mar. Daí, quase na sua extrema, veio a ser construído o Seminário Arquiepiscopal. Em baixo, estavam os trapiches e a alfândega velha”.

As exportações e importações nessa época, bem como o embarque e desembarque de passageiros, estavam seriamente comprometidos em função da precariedade operacional oferecida pelo Trapiche do Ellery, por absoluta falta de segurança. As manobras exigiam muita habilidade e força dos estivadores, e apesar dos cuidados, os acidentes se repetiam com frequência, da mesma forma que se avolumavam os prejuízos os usuários. Era uma situação insustentável.

No entanto, desde setembro de 1860, o governo da Província tinha em mãos um minucioso estudo elaborado pelo francês Pierre Berthot, do que seria o novo Trapiche do Ellery, para melhorar sua operacionalidade. Ele propunha entre outras coisas, a construção de um cais de madeira e um quebra-mar na altura da Praia do Meireles, para evitar o assoreamento do lugar e o plantio de grama, mas os resultados não foram capazes de acabar com os problemas. Outros projetos foram colocados, que apontavam soluções para os diversos problemas, todos de altíssimo custo de execução.


Foi, entretanto, um engenheiro cearense chamado Zózimo Bráulio Barroso quem apresentou a melhor alternativa: construir um novo porto na enseada do Mucuripe, a partir da fixação das dunas que a cercavam, ligando-o com o Trapiche do Ellery através de uma pequena linha férrea. Tanto Bráulio quanto o inglês Hawkshaw foram incisivos ao defender o Mucuripe como a melhor opção para se construir o novo porto da cidade.

Mas a Associação Comercial do Ceará declarou-se contra a mudança do porto para o Mucuripe, alegando a distância que ficaria para o centro comercial, o grande capital dispendido em armazéns, prensas de algodão, repartições e edifícios para as operações no porto. A impetuosidade das ondas e dos ventos aliados com o intenso movimento das dunas aniquilou o sonho do inglês que chegou a iniciar as obras no Mucuripe, amparado pelo decreto 8943-A. Fracassada a construção, o governo encampou todas as obras realizadas mediante o pagamento de uma indenização de 100 libras em ouro. 

Em 1902, no governo do presidente Campos Sales (1898-1902),  foram iniciadas as obras para construção de um novo porto para Fortaleza. A Ponte Metálica foi concluída em 1906. No dia 18 de dezembro fincaram-se as primeiras estacas, trabalho realizado pela firma Walter Max Floriano &, de Glasgow. Nessa época Fortaleza estava restrita a uma pequena extensão de pouco mais de 2,5 km, no que se constitui hoje o centro histórico da Cidade, no quadrilátero que vai da Estação João Felipe até a Igreja da Prainha, entre a atual Avenida Santos Dumont, descendo pela Avenida Dom Manuel até a praia próxima ao Hotel Marina (antigo Poço da Draga ou Curral das Éguas). A cidade beirava os 50 mil habitantes. 

Construção da Ponte Metálica

A Ponte Metálica, por suas estruturas de ferro, importadas de Londres, acomodava como piso lastros de madeiras retiradas das matas próximas a Fortaleza. Ela foi projetada para exercer as funções de porto de embarque e desembarque de passageiros e cargas ao longo de vinte anos e ficar em frente à cidade. Foi concluída em 1906. 

Extraído do livro Caravelas, Jangadas e navios – uma história portuária, de Rodolfo Espínola.
fotos do arquivo Nirez e do livro Caravelas, Jangadas e Navios

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Fortaleza no Tempo dos Bondes

Em 1880 Fortaleza começava a tentar se recuperar das consequências de uma das maiores secas da história do Ceará, a de 1877/1879. Nessa época era impossível se determinar o número de moradores da cidade, por conta da enorme população flutuante que se encontrava na capital, ainda em decorrência da tragédia provocada pela estiagem prolongada. Muitos que estavam em Fortaleza, voltariam mais tarde para seus locais de origem; outros permaneceriam aqui. Em meio a esse cenário de muitas dificuldades, a cidade ensaia seus primeiros passos visando a superação dos problemas advindos com a seca. 


A primeira grande conquista do período pós estiagem foi a inauguração do transporte coletivo urbano. Os bondes começaram a circular em Fortaleza no dia 25 de abril de 1880, num empreendimento de propriedade do Coronel Tomé A. de Mota, denominada Companhia Ferro Carril do Ceará. Eram 25 veículos, de 25 lugares cada um, movidos a tração animal, que cobriam 4.210 metros de percurso, contemplando inicialmente, as linhas do Matadouro e da Estação. Com o tempo, novas linhas foram ativadas.

Dirigidos por um boleeiro, e puxados por dois burros, os bondes trafegavam quase o dia inteiro, das 6 da manhã às 9 da noite. Partiam da Praça do Ferreira para todas as linhas. O último deixava a praça ao tocar a corneta nos quartéis anunciando o recolher. Naquela época as atividades comerciais eram encerradas ao cair da noite. A Cidade se recolhia cedo e o direito de locomoção era restrito: a polícia não permitia trânsito de pessoas depois das 9 horas da noite. Nessa hora tocava o recolher no quartel do corpo fixo, e o som da corneta era ouvido nos pontos mais afastados da então pequena cidade.


Rua Floriano Peixoto, com os postes de iluminação e os trilhos do bonde - arquivo Nirez

O pioneiro meio de transporte já encontrou as ruas iluminadas. Em 1848 o presidente Casimiro José de Moraes Sarmento contratou com Vitoriano Augusto Borges a instalação de 44 lampiões, que deveriam ser acesos das 6 horas da tarde até que amanhecesse o dia, ou que saísse a lua. Seriam alimentados a azeite de peixe e colocados ou suspensos nas esquinas de modo a iluminar duas ruas que se cruzassem.

Mais tarde, em 1866, esse tipo de iluminação seria substituída pelo gás carbônico em algumas ruas e residências. A companhia inglesa Ceará Gás Co. Ltd. foi a contratante. No dia 13 de dezembro de 1867 a iluminação a gás foi parcialmente inaugurada em alguns logradouros. Naquele período o perímetro urbano ainda era bastante limitado: ao Norte os limites eram as Ruas da Praia e da Misericórdia; a Leste, a Rua de Baixo (Conde D’Eu); ao Sul, Ruas Dom Pedro e D’Amélia (Senador Pompeu).
Fora dessa área, excetuando-se o Palácio do Bispo, o Colégio das Irmãs e o Seminário, tudo mais eram areias, casas de palha, uma  ou outra casa de tijolos. Assim, bem poucas casas e ruas tiveram o privilégio da iluminação a gás carbônico.


Antiga Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco) em 1910 - postal antigo 

Os trilhos dos bondes foram assentados em ruas pavimentadas, uma vez que a partir de 1857, aquelas ruas de areia solta começaram a cobrir-se de calçamento de pedra tosca, vinda do Mucuripe e trabalhadas por operários improvisados. 

Os telefones chegaram logo depois dos bondes, em fevereiro de 1883, serviço contratado com o comerciante Confúcio Pamplona. No dia acertado, a Casa Confúcio, situada na Rua Major Facundo n° 59, onde estava o primeiro aparelho, estava apinhada de gente. Entre os convidados, comerciantes, autoridades e muitos curiosos, que para lá se dirigiram, para assistir a inauguração solene do primeiro telefone que Fortaleza ia ter. O sistema já havia sido testado e apresentado resultados satisfatórios.

O instalador e técnico da engenhoca, complicadíssima para a época, era o holandês John Peter Bernard. O outro aparelho estava instalado na praia, na residência de José Joaquim Farias, no Largo da Alfândega. O centro telefônico era na Praça do Ferreira. À hora aprazada deu-se a primeira ligação. Foi um sucesso indescritível, a emoção era grande entre todos os assistentes. 


Posto central da Ferro Carril na Praça do Ferreira (do livro História da Energia no Ceará-1912)

Em 1888 mais 1.518 metros de linhas são incorporados ao serviço local de transporte coletivo, com os bondes trafegando entre a Praça de Pelotas (atual Clóvis Beviláqua) e o Benfica. O governo formalizaria ainda duas novas concessões para empresas que efetivamente se instalaram em Fortaleza. A Companhia Ferro-Carril de Porangaba, fundada a 10 de outubro de 1894, de propriedade de Gondim e Filhos, dirigida pelo Coronel Arlindo Gondim, estabeleceu sua estação e sede em Porangaba, explorando uma linha que passava pelo bairro Damas e finalizava no Benfica.


No dia 12 de outubro de 1896, era inaugurada a Ferro-Carril do Outeiro, de propriedade de membros da família Accioly, que atendia o bairro do Outeiro (atual Aldeota). A empresa tinha realizado durante cinco meses o assentamento dos trilhos e construído instalações de apoio, como sua estação, localizada na Rua Guajiru (atual Gonçalves Ledo). A linha percorria um pequeno trecho entre a Praça do Ferreira até as proximidades do atual Colégio Militar de Fortaleza. 

Os bondes de burros pararam de circular em 1913, quando foram substituídos pelos bondes elétricos.

Fontes:
Fortaleza e a Crônica Histórica – de Raimundo Girão
História da Energia no Ceará – de Ary Bezerra Leite 

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

A Primeira Cadeia Pública de Fortaleza

Em maio de 1835, o presidente da província Martiniano de Alencar, criou a Casa de Correção, acatando sugestão da Assembleia provincial. O estabelecimento deveria funcionar como uma espécie de cadeia, onde os presos prestariam serviços à comunidade. Apesar de dispor de mão-de-obra barata e utilizar o trabalho como forma de controle social, a referida Casa de Correção apresentava, por ocasião de sua criação, um sério problema em seu edifício, uma vez que a edificação não havia sido projetada para esse mister. Como solução para o problema, o administrador sugeria uma ampliação. Quatro anos após a sua inauguração, em 1839, o problema persistia, o próprio presidente da província reconhecia sua inadequação, aliada ao fato de estar localizada no Centro da Cidade e sem as comodidades próprias.



O sobrado onde funcionou a Casa de Correção e a Câmara Municipal (Casa de Câmara e Cadeia), foi erguido em 1825 por Francisco José Pacheco de Medeiros sendo o primeiro imóvel de tijolo e telha a levantar-se em Fortaleza. Em 1831 a Câmara comprou o prédio mudou-se para a nova sede em 1833. Mais tarde, com a saída da Casa de Correção, o prédio foi ocupado pela Intendência Municipal. Foi demolido em agosto de 1941, juntamente com todo quarteirão que ficava entre as ruas Major Facundo, Pará, Floriano Peixoto e Guilherme Rocha, na Praça do Ferreira.

Mas cumpria sua função de cadeia: nesse mesmo ano a Casa de Correção contava com 31 detidos, entre eles seis mulheres e dois escravos presos a pedido de seus proprietários até encontrarem compradores. Também figuraram entre os presos dois “filhos-família” (indivíduo, geralmente adulto, descendente de família abastada e financeiramente sustentado por ela. Era uma expressão bastante usada em documentos oficiais da época),um em 1836 e outro em 1838. Apesar de precária, a Correção não deixava de receber pessoas de diferentes origens, de sexos variados, de escravos a filhos-família. 


Entre 1° de abril e 30 de junho de 1841 foram relacionados 18 presos na Casa de Correção de Fortaleza. Dos detidos, oito eram mulheres. Entre as condenadas, sete foram julgadas por assassinato e uma por causar ferimentos, um forte indício de que a violência não era exclusividade masculina. As viúvas eram seis, todas acusadas de assassinato. Todas as mulheres também foram classificadas como “sem ofício”, evidenciando uma classificação administrativa que apartava a mulher de trabalhos reconhecidos institucionalmente como tais.

O número significativo de mulheres alertava para a necessidade de espaços específico para elas. Detentas sem marido e com dificuldades para produzir suas próprias receitas aumentavam as despesas da Correção, e ao mesmo tempo serviam como interessante mapeamento da violência cotidiana no Ceará: estas mulheres poderiam ser mais que vítimas, também poderiam ser agentes. Em relação as despesas, curiosamente quatro mulheres traziam para a Correção uma receita. A origem desse capital era imprecisa, talvez fosse fruto de trabalhos desenvolvidos dentro da prisão ou de ajuda de familiares. O fato de as presas – com uma exceção – não terem marido poderia significar que as suas vítimas foram seus próprios maridos, ou que a ausência da figura masculina expunha as mulheres a situações mais conflituosas.

Entre os demais condenados, nove respondiam por assassinato e um por estupro. Esse perfil inicial dos presos evidenciava a complexidade das relações travadas no espaço da Casa de Correção, principalmente por uma prisão que abrigava presos de ambos os sexos, com forte inclinação a violência. Estes homens, pela debilidade da edificação, acabavam convivendo proximamente com as presas. Traziam no rol dos crimes cometidos e nas penas imputadas (entre seis e vinte anos de prisão) um estigma social.

A naturalidade dos condenados era diversa, havia gente do Rio Grande do Norte, de Icó, de Sobral, de Aracati, do Crato, e outras localidades. Essa variedade poderia decorrer em razão da atração exercida por Fortaleza em relação a população de outras vilas e cidades, o que intensificava o fluxo de pessoas de várias origens na Capital. Também podia significar que os condenados de outras localidades fossem mandados para Fortaleza na esperança de encontrarem uma melhor opção de reclusão e correção.

A existência entre os condenados de ofícios que fossem reconhecidos pelos administradores provinciais já seria alvo de preocupação em 1835, por ocasião da inauguração da Correção. O trabalho emergia como possibilidade de readequação social e aumento das receitas da cadeia. Assim, em 1841, os ofícios que mais apareciam entre os prisioneiros eram os de carapina, de sapateiro e ferreiro. Ao lado do ofício aparecia a despesa do preso e a receita por ele produzida. Todos os presos que traziam receita para a instituição cobriam suas próprias despesas e geravam um saldo extra. Dos sete condenados que apresentaram receita, três eram homens: dois carapinas e um ferreiro. 

Os motivos da preocupação com a obtenção de receitas para a Casa de Correção eram simples: os recursos da província eram escassos, não havendo verbas suficientes para construir ou reformar prisões. Assim, até o salário do inspetor fora reduzido, a fim de ficasse assegurado, pelo menos, o vestuário e a alimentação dos presos. 
Em 1843 as limitações continuavam e a Correção foi mais uma vez classificada como imprópria para suas funções, o que tornava urgente a reforma do espaço. As mudanças não seriam de grande vulto, seriam basicamente às divisões internas das celas e reparos com caráter de conservação. Mais as tais pequenas alterações ainda teriam que esperar, pois pelo orçamento de 1843, a verba destinada aos reparos das cadeias provinciais, fora utilizada em outras coisas consideradas mais urgentes.

A Casa de Correção estava situada na Rua da Pitombeira (atual Floriano Peixoto), defronte a casa do comendador José Antônio Machado, que fora vendida em 1847 para o governo provincial, e passou a abrigar o quartel de polícia da Capital. A presença desse destacamento em frente a prisão tinha também a intenção de garantir maior segurança contra a fuga de presos e diminuir o gasto com vigilância.



O edifício onde funcionou o Quartel da Polícia, e mais tarde o Café Riche e o Hotel Central, (ambos instalados em 1913), era o sobrado mandado construir em 1825, pelo Comendador José Antônio Machado, na esquina das Ruas Guilherme Rocha com Major Facundo. A construção do sobrado derrubou um mito: na época existia a crença de que aquelas areias frouxas, no solo arenoso de Fortaleza não suportaria uma construção com mais de um pavimento, razão pela qual a decisão de construir foi considerada temerária; até os pedreiros se mostravam receosos, mas foram obrigados a levantar a obra com o auxílio dos presos da Cadeia do Crime. O sobrado foi demolido em 1927, quando já se encontrava na posse e domínio do capitalista Plácido de Carvalho, que ergueu no local o Excelsior Hotel. 

Em 1848 também era denunciada a fragilidade da casa do Comendador para abrigar o quartel. Principalmente devido à ausência de uma enfermaria, de um lugar seguro para guardar as armas e de uma prisão segura para os soldados. O quartel, tal e qual a Casa de Correção, precisava de reformas, o que não era possível devido a exiguidade dos recursos e a existência de outras prioridades.


A antiga Cadeia Pública, que sucedeu a Casa de Correção, foi projetada em 1850, levando cerca de 16 anos para ter suas obras concluídas, em 1866. Localizado no centro, na Rua Senador Pompeu, 350, hoje abriga o Centro de Turismo do Ceará.

Em 31 de dezembro de 1849, foram alocados recursos para o início da construção de uma nova Casa Penitenciária. Mas enquanto o novo estabelecimento não era construído, foram feitos alguns reparos emergenciais na Casa de Correção. Até 1850 a situação do prédio público ainda era precária, devido principalmente, a falta de recursos que dificultavam investimentos na infraestrutura da cidade.

Extraído do livro
Entre o Futuro e do Passado – Aspectos urbanos de Fortaleza (1799-1850) Antônio Otaviano Vieira Jr.
fotos: do arquivo Nirez e postais antigos


terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O Pré-Carnaval dos anos 60

Muitos acreditam que o pré-carnaval de Fortaleza é coisa recente, iniciada nos anos 80 com os blocos que desfilam na Praia de Iracema e no Benfica. Ledo engano. Lá pelos anos 60, o Bloco Prova de Fogo já fazia a festa no bairro Otávio Bonfim e adjacências. Quer saber como era? então leia a crônica do Tarcísio Garcia. 
  
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O ENSAIO DA PARADINHA
 (Tarcísio García)

No começo do ano começava a festa. Lá de casa dava para ouvir o baticum. Os ensaios de janeiro eram um pouco tímidos devido à falta de entrosamento dos músicos, afastados desde o ano anterior. À medida que se entendiam na execução, porém, passavam a tocar com mais desenvoltura, fazendo uma verdadeira algazarra que atraía a atenção dos moradores de toda a redondeza. Aos primeiros acordes da noite a gente se entreolhava, largava o que estava fazendo e começava a frenética e animada preparação para nossa participação no ensaio. Num entra e sai sem fim, driblávamos a vigilância dos pais e escondíamos no jardim de muro baixo, os saquinhos de carteira de cigarro com o material garimpado especialmente para a ocasião.


No repertório revezavam-se dois estilos distintos: marchinha e samba. No primeiro predominava o som dos metais, que se ouvia a quilômetros. No outro, o samba, onde todo arranjo deixava a música parecida com “eu vou pra Maracangalha”, do Dorival Caymmi. Só tinha uma diferença: em todo samba eles botavam uma paradinha, tivesse ou não no original. Até hoje acho graça sozinho quando ouço uma paradinha. Era assim: faziam a introdução, cantavam a letra e depois de um caprichado solo de cornetas, o mestre da bateria dava três apitos e a charanga fazia um breque. Mais dois apitos e novo breque. Mais dois apitos e novo breque. Por último, mais dois apitos, novo breque, dessa vez acompanhado de um frivião no repique, e só então o samba recomeçava.

O cidadão comum, morador de subúrbio não contava ainda com o feitiço da televisão que o anestesia e imobiliza na cadeira, de modo que as noites nesta época, eram dedicadas ao convívio social e à vadiação. Quem não estudava à noite, divertia-se com conversas, flertes e brincadeiras ao ar livre. Velhos, adultos, adolescentes e crianças, todos ocupavam democraticamente as beiras de calçadas. Nossa rua tinha uma posição estratégica que fazia dela um corredor bastante concorrido, ligava a Av. Treze de Maio à antiga Rua Juvenal Galeno, hoje, Bezerra de Menezes. Além disso, passava por ali toda sorte de novidades; de prosaicas boiadas a caminho do matadouro, a tropas de soldados do 23º BC, que iam acampar nas dunas do Papicu.


Nos meses de maio, junho e outubro, por ocasião das festas da igreja, os moradores cortavam as flores dos seus jardins e jogavam os ramalhetes na via pública para enfeitar a passagem das procissões de Nossa Senhora das Dores, Santo Antônio e São Francisco. Com uma vocação cultural dessas, nada passava despercebido ao olhar treinado dos moradores. Até o mais inocente vendedor de algodão doce com sua indefectível lamparina, era avistado de longe, parado pela freguesia e só liberado quando acabava a última colherada de açúcar.

Pois bem... nas semanas que antecediam o carnaval, o Bloco "Prova de Fogo" saía às ruas para corrigir as falhas do desfile, com destaque para a coreografia da paradinha, que depois de exaustivamente ensaiada no coração da Praça Tabajara, passava então para a etapa final da preparação: o ensaio em movimento. Neste propósito, o bloco enchia as noites do Otávio Bonfim com o mais autêntico e acalorado pré-carnaval. O primeiro sinal de que o bloco ia sair do Beco dos Pintos e passar na rua, era o volume do som, que de repente mudava de direção. Estava longe, ficava perto, sumia e voltava, como se estivesse sendo tangido pelo vento. Ficava mais nítido e ia se aproximando gradativamente até alguém na calçada anunciar sua visualização e a dúvida se transformar em certeza, despertando a vontade incontrolável de correr porta afora.


No abre alas, vinha o estandarte preto, enfeitado de espelhos e ostentando o nome do bloco. Carregada pelo porta-bandeira, uma caveira de uns três metros, sacudia braços e pernas de madeira ao sabor das evoluções. Os passistas veteranos seguiam na frente mostrando o estilo para aos jovens aspirantes a folião. Trajavam calça branca, blusa vermelha de mangas compridas e um colete preto adornado com lantejoulas vermelhas. Na cabeça, outro símbolo: um artefato metálico que lembrava ao mesmo tempo, um elmo das armaduras medievais e um capacete de bombeiro. Envolto numa nuvem de poeira, iluminado pelos faróis dos carros que pediam passagem, lá vinha o ensaio da "escola", solto na buraqueira, tomando conta da rua, arrastando a multidão.


Da calçada era possível avistar a silhueta do cortejo se aproximando. Uma piracema de gente acompanhava o desfile, correndo, pulando e achando graça, somando-se aos que se posicionavam em suas casas para ver de perto a performance dos passistas. Num crescendo medonho, o som da charanga cada vez mais alto, invadia todos os espaços, sacolejava a caixa dos peitos, afrouxava o risador. As cadeiras das calçadas eram recolhidas para dar passagem, as mulheres casadas corriam para as janelas pra evitar as mãos bobas, os muros das casas transformavam-se em camarotes cheios de gente de todas as idades. Crianças de braço eram alçadas às cacundas dos pais, as maiores fervilhavam de contentamento, os cachorros latiam inutilmente, os adultos se dividiam: uns torciam a cara achando aquilo uma fuleiragem, outros se empolgavam com a fanfarra e dançavam na calçada. A atmosfera cheirava a poeira, sovaco e cloretil, e o Prova de Fogo agora estava passando na porta de casa.  O povo acompanhava disputando um lugar perto da orquestra. A rua invadida. A música troando. Não sobrava lugar para uma pitomba. 

Ao som ensurdecedor dos tambores e das cornetas, a gente grelava os olhos nos passistas que dançavam de olho grelado no maestro, que no tempo certo da música levantava a batuta e regia a paradinha: pi- pi- piiiiiiiii!!! E todo mundo se abaixava: pi- piiii! Davam um pulinho e mudavam de pose: pi- piii! Mudavam de novo:  pi- pi- paracatum-paracatum-paracatum...e saíam saracoteando alegremente movidos por uma força misteriosa que lhes revigorava o ânimo. Felizes da vida seguiam pela Rua Justiniano de Serpa afora, indiferentes à nossa provocativa participação: uma chuva de areia provocada pelos saquinhos que eu e meus irmãos jogávamos sobre o desfile toda vez que os passistas se abaixavam ensaiando a paradinha.

fotos do arquivo Nirez e Diário do Nordeste
Tarcísio Garcia é cearense de Fortaleza, artista plástico e escritor, autor dos livros
Nó na Língua (1998)
Dicionário do Ceará - as palavras, as expressões e como usá-las - (2000) 
Auto-ajuda na Ruma - neurolinguística cearense (2000)