sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Fortaleza no Tempo dos Bondes

Em 1880 Fortaleza começava a tentar se recuperar das consequências de uma das maiores secas da história do Ceará, a de 1877/1879. Nessa época era impossível se determinar o número de moradores da cidade, por conta da enorme população flutuante que se encontrava na capital, ainda em decorrência da tragédia provocada pela estiagem prolongada. Muitos que estavam em Fortaleza, voltariam mais tarde para seus locais de origem; outros permaneceriam aqui. Em meio a esse cenário de muitas dificuldades, a cidade ensaia seus primeiros passos visando a superação dos problemas advindos com a seca. 


A primeira grande conquista do período pós estiagem foi a inauguração do transporte coletivo urbano. Os bondes começaram a circular em Fortaleza no dia 25 de abril de 1880, num empreendimento de propriedade do Coronel Tomé A. de Mota, denominada Companhia Ferro Carril do Ceará. Eram 25 veículos, de 25 lugares cada um, movidos a tração animal, que cobriam 4.210 metros de percurso, contemplando inicialmente, as linhas do Matadouro e da Estação. Com o tempo, novas linhas foram ativadas.

Dirigidos por um boleeiro, e puxados por dois burros, os bondes trafegavam quase o dia inteiro, das 6 da manhã às 9 da noite. Partiam da Praça do Ferreira para todas as linhas. O último deixava a praça ao tocar a corneta nos quartéis anunciando o recolher. Naquela época as atividades comerciais eram encerradas ao cair da noite. A Cidade se recolhia cedo e o direito de locomoção era restrito: a polícia não permitia trânsito de pessoas depois das 9 horas da noite. Nessa hora tocava o recolher no quartel do corpo fixo, e o som da corneta era ouvido nos pontos mais afastados da então pequena cidade.


Rua Floriano Peixoto, com os postes de iluminação e os trilhos do bonde - arquivo Nirez

O pioneiro meio de transporte já encontrou as ruas iluminadas. Em 1848 o presidente Casimiro José de Moraes Sarmento contratou com Vitoriano Augusto Borges a instalação de 44 lampiões, que deveriam ser acesos das 6 horas da tarde até que amanhecesse o dia, ou que saísse a lua. Seriam alimentados a azeite de peixe e colocados ou suspensos nas esquinas de modo a iluminar duas ruas que se cruzassem.

Mais tarde, em 1866, esse tipo de iluminação seria substituída pelo gás carbônico em algumas ruas e residências. A companhia inglesa Ceará Gás Co. Ltd. foi a contratante. No dia 13 de dezembro de 1867 a iluminação a gás foi parcialmente inaugurada em alguns logradouros. Naquele período o perímetro urbano ainda era bastante limitado: ao Norte os limites eram as Ruas da Praia e da Misericórdia; a Leste, a Rua de Baixo (Conde D’Eu); ao Sul, Ruas Dom Pedro e D’Amélia (Senador Pompeu).
Fora dessa área, excetuando-se o Palácio do Bispo, o Colégio das Irmãs e o Seminário, tudo mais eram areias, casas de palha, uma  ou outra casa de tijolos. Assim, bem poucas casas e ruas tiveram o privilégio da iluminação a gás carbônico.


Antiga Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco) em 1910 - postal antigo 

Os trilhos dos bondes foram assentados em ruas pavimentadas, uma vez que a partir de 1857, aquelas ruas de areia solta começaram a cobrir-se de calçamento de pedra tosca, vinda do Mucuripe e trabalhadas por operários improvisados. 

Os telefones chegaram logo depois dos bondes, em fevereiro de 1883, serviço contratado com o comerciante Confúcio Pamplona. No dia acertado, a Casa Confúcio, situada na Rua Major Facundo n° 59, onde estava o primeiro aparelho, estava apinhada de gente. Entre os convidados, comerciantes, autoridades e muitos curiosos, que para lá se dirigiram, para assistir a inauguração solene do primeiro telefone que Fortaleza ia ter. O sistema já havia sido testado e apresentado resultados satisfatórios.

O instalador e técnico da engenhoca, complicadíssima para a época, era o holandês John Peter Bernard. O outro aparelho estava instalado na praia, na residência de José Joaquim Farias, no Largo da Alfândega. O centro telefônico era na Praça do Ferreira. À hora aprazada deu-se a primeira ligação. Foi um sucesso indescritível, a emoção era grande entre todos os assistentes. 


Posto central da Ferro Carril na Praça do Ferreira (do livro História da Energia no Ceará-1912)

Em 1888 mais 1.518 metros de linhas são incorporados ao serviço local de transporte coletivo, com os bondes trafegando entre a Praça de Pelotas (atual Clóvis Beviláqua) e o Benfica. O governo formalizaria ainda duas novas concessões para empresas que efetivamente se instalaram em Fortaleza. A Companhia Ferro-Carril de Porangaba, fundada a 10 de outubro de 1894, de propriedade de Gondim e Filhos, dirigida pelo Coronel Arlindo Gondim, estabeleceu sua estação e sede em Porangaba, explorando uma linha que passava pelo bairro Damas e finalizava no Benfica.


No dia 12 de outubro de 1896, era inaugurada a Ferro-Carril do Outeiro, de propriedade de membros da família Accioly, que atendia o bairro do Outeiro (atual Aldeota). A empresa tinha realizado durante cinco meses o assentamento dos trilhos e construído instalações de apoio, como sua estação, localizada na Rua Guajiru (atual Gonçalves Ledo). A linha percorria um pequeno trecho entre a Praça do Ferreira até as proximidades do atual Colégio Militar de Fortaleza. 

Os bondes de burros pararam de circular em 1913, quando foram substituídos pelos bondes elétricos.

Fontes:
Fortaleza e a Crônica Histórica – de Raimundo Girão
História da Energia no Ceará – de Ary Bezerra Leite 

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