terça-feira, 30 de junho de 2020

O Estilo Eclético da Igreja do Coração de Jesus


Naquele começo de tarde do dia 15 de março de 1957, o Sr. Júlio Pinto se aproximara da janela do seu escritório localizado no 6º andar do edifício jangada, na Rua Major Facundo com Senador Alencar, para conferir as horas com o grande relógio existente na torre da Igreja do Coração de Jesus. Eram pouco mais de 13 horas. Nesse exato momento, viu a torre desaparecer e uma espessa nuvem de poeira ocultar tudo – teria sido uma visão, um sonho? Perguntou-se incrédulo. Era verdade o que seus olhos viram, caíra a torre da igreja do Coração de Jesus.

 A Igreja do Coração de Jesus na forma original - 1913 - imagem: Revista FonFon 
Na década de 50, a torre agulha foi substituída por uma grande torre quadrada
para abrigar um conjunto de sinos. - imagem: Arquivo Nirez

Seu primeiro ato foi pegar o telefone e ligar para o “O Povo”, para o jornalista José Raimundo Costa, o primeiro a saber do fato, pela informação segura de um amigo. Por esta razão, e devido a proximidade, pois àquela época a redação do jornal funcionava na Rua Senador Pompeu, “O Povo” foi o primeiro a documentar a tragédia.

Logo a notícia do desabamento se espalhou pela cidade, levada pelas edições extraordinárias do noticiário radiofônico. E uma multidão foi se formando, de homens, mulheres e crianças, em torno da praça do Coração de Jesus. Vinham de todas as partes, de todos os bairros, todos queriam ver de perto o desmoronamento. Temia-se pela existência de vítimas, o que felizmente, não se confirmou. A polícia precisou cercar a área.


As bases da torre primitiva não resistiram às toneladas de concreto e a construção desabou sobre o corpo do templo. Era o dia 15 de março de 1957 - imagens O Povo e Arquivo Nirez 

Imediatamente, após o impacto da notícia, o governador Paulo Sarasate juntamente com a primeira dama Dona Albanisa Sarasate, compareceram ao local, solidarizando-se com o povo católico de Fortaleza. Dois dias após o fato, no dia 17 de março de 1957, já havia uma campanha em andamento para construção de uma nova igreja, e uma missa campal celebrada sobre os escombros, por frei Silvério de Calvairate selou o compromisso. A campanha só terminaria com a inauguração oficial da nova igreja, no dia 26 de novembro de 1961.

Da palavra à ação. A cidade já estava motivada para entender a motivação de reerguer o antigo local de sua veneração. Ao invés de reconstruírem a igreja, pois apenas a torre e parte da fachada fora afetada, os capuchinhos optaram por derrubar toda a igreja para construírem uma bem maior, com rampas para subida dos carros, uma torre vazada e uma grande cúpula sobre a nave principal.


Altar mor e cúpula romana - imagens Fortaleza em Fotos - 2011

No dia 15 de janeiro do ano seguinte, foi lançada a pedra fundamental da nova igreja, para a qual foi designado como construtor frei Francisco de Chiaravalle, com projeto de Emilio Hinko. O novo templo foi construído em estilo moderno, amplo, com abóbada lembrando os templos bizantinos. Tinha por características a arquitetura eclética, cúpula romana, imitando a Basílica de São Pedro, no Vaticano, torre lembrando o gótico. Do antigo templo foram conservadas as estátuas dos apóstolos, colocadas nas marquises da  frente e dos fundos.

Matéria publicada no “ O Povo” em 15 de setembro de 1978, dá conta de que ao escavarem os alicerces para a nova construção, em vez da pedra fundamental da Igreja do Coração de Jesus, encontrou-se apenas a pedra fundamental da pequenina capela de Nossa Senhora das Dores, que ali funcionou em época passada.



Interior da Igreja do Coração de Jesus - imagens Fortaleza em Fotos - 2011

Segundo o autor de "As pouco lembradas igrejas de Fortaleza", Eduardo Fontes, o estilo da nova igreja do Coração de Jesus não agradou aos que preferiam a antiga igreja, de linhas sóbrias, tradicionais, de torre branca. Muitos não aprovaram sequer a reforma realizada na torre primitiva da Igreja dos Albanos. A igreja que hoje se ergue no lugar da primeira não possui linhas arquitetônicas definidas. É uma igreja enorme, espaçosa, mas sem beleza. As portas da frente, de ferro, sem nenhum trabalho de fundição, lembram portas de armazéns ou de garagens. Nada indica que sejam próprias à igreja, pois são destituídas de estética. A enorme abóbada, revestida externamente de alumínio – herança da arte bizantina – destoa do restante do conjunto, de linhas retas, característico de construções modernas, da era do cimento armado. 


O novo templo foi inaugurado no dia 26 de novembro de 1961, pelo arcebispo de Fortaleza Dom Antônio de Almeida Lustosa, com a presença do governador Parsifal Barroso, do prefeito general Cordeiro Neto e do bispo de Carolina no Maranhão, Dom Cesário Minali.


fontes:
As pouco lembradas igrejas de Fortaleza, de Eduardo Fontes
Caminhando por Fortaleza, de Francisco Benedito
Jornal O Povo 



sábado, 6 de junho de 2020

Capistrano de Abreu – O Sogro de Jesus


João Capistrano Honório de Abreu nasceu na cidade de Maranguape, em 25 de outubro de 1853. Fez seus primeiros estudos em rápidas passagens por várias escolas. Em 1869, viajou para Recife, onde cursou humanidades, retornando ao Ceará dois anos depois. Em Fortaleza, foi um dos fundadores da Academia Francesa, órgão de cultura e debates, progressista e anticlerical, que durou de 1872 a 1875.

Estátua de Capistrano de Abreu em Maranguape - foto IBGE

Neste último ano, viajou para o Rio de Janeiro e aí se fixou, tornando-se empregado da Editora Garnier. Em 1879, foi nomeado oficial da Biblioteca Nacional. Lecionou Corografia e História do Brasil no Colégio Pedro II, nomeado por concurso em que apresentou tese sobre O descobrimento do Brasil e o seu desenvolvimento no século XVI. Eleito para a Academia Brasileira de Letras, recusou-se a tomar posse.

Dedicou-se ao estudo da história colonial brasileira, elaborando uma teoria da literatura nacional, tendo por base os conceitos de clima, terra e raça, que reproduzia os clichês típicos do colonialismo europeu acerca dos trópicos, invertendo, todavia, o mito pré-romântico do “bom selvagem”. Morreu no Rio de Janeiro, aos 74 anos, em 13 de agosto de 1927.


Capistrano de Abreu era agnóstico de carteirinha, daqueles que não acreditava nas coisas do céu muito menos nas do inferno, mas também não negava, não era contra nem a favor, muito pelo contrário. Por uma dessas ironias do destino, sua filha Honorina, a mais velha dentre os cinco irmãos, optou por seguir a vida religiosa.

Honorina de Abreu nasceu no dia 18 de fevereiro de 1882, no Rio de Janeiro. Ficou órfã aos 9 anos de idade, quando perdeu a mãe, vítima de febre puerperal. Quanto estava na casa dos 20 anos,  passou pelo que o pai chamou de "crise religiosa", e decidiu entrar para o Convento de Santa Teresa, da Ordem das Carmelitas Descalças, localizado no bairro carioca de Santa Tereza. A decisão abalou o pai profundamente, comprovou-se inaceitável para ele e deixou-o amargurado para o resto da vida.

Honorina de Abreu

A partir de 10 de janeiro de 1911, quando Honorina aos 29 anos, vestida de noiva, foi admitida solenemente no convento, onde recebeu o nome de madre Maria José de Jesus, a comunicação entre pai e filha, rara, passou a ser feita exclusivamente por carta. No início, Capistrano revelava inconformidade, como escreveu ao amigo Mário de Alencar uma semana depois da consagração da nova serva de Deus:

Acho, porém, o caso dela pior que a morte:  a morte é fatal; chega a hora inadiável; em resoluções como a de agora há sempre a crença, certamente errônea, de que o desenlace podia ser outro, e é isto que dói. Só agora vejo como a queria. Passo os dias sem sair, pensando nela, joguete dos sentimentos mais contraditórios, desde a indignação até as lágrimas ".

No convento, as carmelitas descalças viviam em um ambiente de clausura estrita, distanciadas de contatos físicos com o mundo exterior e regidas por uma rigorosa normatização quanto as comunicações internas, com horários de absoluto isolamento, intercalados por momentos de pouca conversa. Não foi diferente para madre Maria José de Jesus.

Capistrano manteve-se inflexível: jamais iria ao convento no mesmo bairro de Santa Teresa onde Honorina nascera e viveria até a morte, em 1959. Foi ali, no Mosteiro que a monja se dedicou integralmente a Deus, sem jamais desistir de escrever ao pai na tentativa de convertê-lo. Inapelável e irônico na sua dor, desde o início ele prometia ao amigo Mário de Alencar em carta de 18 de março de 1910, quando ela já se recolhia às orações mas ainda não fizera os votos oficiais: “Não irei vê-la; as cartas suas só responderei se precisarem de resposta; correspondência não quero ter. Não pretendo repetir o herói da Encarnação”.

A família de Capistrano de Abreu em 1945: Madre Maria José de Jesus com a irmã Matilde, as sobrinhas Isa e Honorina, o irmão Adriano e a cunhada Amneris. 

Os anos se passaram sem que houvesse reconciliação entre pai e filha. Não se viam. Capistrano mantinha-se firme na decisão de não ir ao convento. Julgava-se traído. Para ele, a filha fora insensível e injusta ao deixá-los. Quanto a ela, não desistia de amá-lo, de lhe pedir perdão e de tentar convertê-lo: “Meu pai muito querido”, iniciava ela carta de 10 de janeiro de 1922, penitenciando-se sempre: “Foi hoje, há onze anos, que pela última vez lhe beijei as mãos pedindo-lhe perdão dos inumeráveis desgostos que lhe dei com minhas faltas”.

Não só em prosa, mas em versos a monja insistiu nos apelos. Por ocasião do último aniversário do historiador, em 23 de outubro de 1926, ela escreveu o soneto “A meu pai”, e depois soube que ele distribuíra cópias aos amigos. “Mas para quê?” – perguntava-lhe, em carta, a menos de um mês da morte dele. O importante, para ela, seria a conversão, e não a divulgação dos versos:

E, agora, dá-me a mão… É noite. Vem comigo!
Vem, que eu te levarei a Jesus, teu Amigo,
Que te espera saudoso… Oh! dize-me que sim!
Foste meu pai, e eu tua mãe serei agora…
Dar-te-ei a Eterna Luz de que me deste a aurora,
Dar-te-ei – por esta vida – a Vida que é sem fim…

A noite, anunciada no soneto, foi chegando. Quando o médico Felício dos Santos, católico fervoroso, ao constatar a fragilidade da saúde do amigo e paciente, teria lhe lembrado que chegava a hora da conversão, ele teria respondido: “Ora, Felício, eu sou mais amigo de Jesus do que você. Nós somos íntimos… pois se ele é meu genro…”.
Assim morreu o já velho historiador em 13 de agosto de 1927: agnóstico e inconformado com a separação da filha.


Honorina ingressou no Carmelo de Santa Teresa, aos 29 anos. Quatro anos após sua profissão solene, ela foi escolhida como mestra do noviciado. Já em 1917, com apenas 35 anos de idade e seis anos de vida religiosa, foi eleita priora por unanimidade de votos, função a qual exerceu durante 27 anos, durante nove mandatos, dentre os 48 anos que viveu no carmelo.

A religiosa que dominava sete idiomas, entre eles o latim, foi a responsável pela tradução das obras completas de Santa Teresa de Jesus, trabalho que realizou por 23 anos – desde maio de 1936 até o ano de sua morte, em 1959 –  sem deixar de cumprir suas obrigações quanto à regra, os ofícios comunitários e às exigências enquanto superiora e mestra.

imagem: O Globo

Tendo tido formação literária das melhores, deixou uma obra poética e escreveu livros. O nome de Madre Maria José de Jesus consta do Protocolo 1691, com Nihil Obstat datado de 26 de outubro de 1989, do Vaticano, como candidata a Beatificação.

O que diria o incrédulo Capistrano de Abreu sobre este assunto?


Fontes: