Existe na historiografia local certa polêmica sobre o local, a
data e quem caberia a fundação de Fortaleza e do Ceará. Uma historiografia mais
antiga considera a Barra do Ceará como o local de origem da capital cearense,
atribuindo o feito a Martim Soares Moreno e ao forte de São Sebastião. Daí, o porquê no livro Iracema, de José de
Alencar, a referência ao “guerreiro branco”, Martim, cujas relações com a índia
teriam dado origem ao povo cearense.
Forte de São Sebastião, na Barra do Ceará, construído em 1612 por Martim Soares Moreno, no mesmo local onde, em 1603, o açoriano Pero Coelho, erguera o fortim de São Tiago.
Nos anos 1960, essa concepção foi questionada pelo livro
Matias Beck – fundador de Fortaleza, de Raimundo Girão. Baseado em argumentos
lógicos e sólidas fontes, apontou que o núcleo colonizador de Martim Soares
Moreno, na Barra do Ceará não teve maiores consequências – o forte de São
Sebastião foi conquistado pelos holandeses em 1637 e destruído pelos indígenas
em 1644; para Raimundo Girão, o núcleo original da cidade estaria sim, no forte
Schoonenborch, construído em 1649 por ordem do capitão flamengo Matias Beck.
Local na Barra do Ceará onde foram erguidos os fortes de São Tiago e São Sebastião. Uma cruz assinala o lugar. (foto Nirez)
Os
holandeses dominavam Pernambuco e estendiam seus domínios mais para o norte. Foi
em torno do forte – reconquistado em 1654 pelos portugueses, e renomeado para Fortaleza de Nossa Senhora da
Assunção, no local onde hoje se encontra o quartel da 10ª Região Militar, que
surgiria a capital cearense.
A tese de Girão provocou enorme polêmica, sendo
ardorosamente combatida pelos conservadores e católicos, os quais não viam com
bons olhos a tese de primazia holandesa, não pela nacionalidade em si, mas por
um princípio de civilização, pois caso aceita a nova versão histórica, se
atribuiria a um evangélico, um calvinista, a fundação de Fortaleza.
Fortaleza de N. S. da Assunção, antigo Forte Schoonenborch, onde no seu entorno, segundo historiadores, surgiu o povoado que mais tarde seria a Capital do Ceará. (foto Fátima Garcia)
O tema
ainda suscita debates, tanto que se comemora como data de aniversário da capital,
não o da construção do forte, mas a da elevação do povoado à condição de vila,
em 13 de abril de 1726, um episódio, portanto, católico e português.
Na verdade, as tentativas de conquistas feitas por
portugueses e holandeses em 1603-1654
não deixaram marcas importantes, não sendo possível falar de um marco zero para
a cidade em datas anteriores. Além do que, lusos e flamengos não vieram ao
Siará Grande para fundar uma cidade, mas para explorar a terra, o que foi feito
com a morte de milhares de nativos.
Vista área da Aldeota. Foto de Ricardo Vianna - outubro/2012
Fortaleza surgiu espontaneamente, não sendo fruto de ação intencional de uma única pessoa. Preocupar-se com um dia exato para ser o ponto zero de um país, estado ou município não passa de uma ação burocrática, e um mito de origem. Como criação histórica de longa duração, os países, estados e cidades não são construídos propriamente num ato fundador e heroico, mas na sucessão do tempo e com esforço anônimo de várias gerações.
O Ceará como o conhecemos hoje, é o produto da fusão de vários povos,
sociedades e cultura, do trabalho, do esforço, da dor e da alegria de milhares
de pessoas ao longo dos séculos. Assim, não podemos dizer que no século XVIII o
estado já lá estivesse a esperar as naus dos europeus para ser “descoberto”. O Ceará
para ser e existir precisava ainda de muito para acontecer: duras lutas,
guerras, confrontos, aqui e ali uma traição, uma derrota, uma frustração, uma
façanha, uma epopeia. Foi preciso audácia,
força, criatividade e bastante trabalho.
Extraído do livro de Airton de Farias
História do
Ceará