quarta-feira, 11 de maio de 2022

Memórias do Cine Nazaré, no Otávio Bonfim (Farias Brito)

 

Antigamente na confluência dos atuais bairros Otávio Bonfim e Parque Araxá, havia uma lagoa denominada Lagoa da Onça, localizada a um quarteirão do Cercado do Zé Padre, na Rua Padre Graça. Naquelas imediações foi inaugurado um cinema, o Cine Nazaré, em 1945, final da guerra. Por causa lagoa, quando chovia, as ruas ficavam inundadas e o povo assistia aos filmes no Nazaré, com os pés dentro d’água, mas ninguém reclamava. O cinema se constituía a grande diversão do bairro, junto com o outro cinema, o Familiar, localizado em frente a Praça de Otávio Bonfim, que funcionava sob orientação dos frades franciscanos. Fora os cinemas, só havia as novenas e as quermesses da Igreja das Dores.


Região do bairro Otávio Bonfim, com a Igreja das Dores, e o fundo  estação da RVC
foto do arquivo Nirez

Não havia controle de acesso, todos podiam entrar, as mulheres geralmente levavam os filhos, mesmo que fossem crianças de colo, a não ser que o filme fosse censurado, no caso, aqueles de terror, ou os mais insinuantes, com mulheres de maiô ou cenas de beijos.

O Cine Nazaré foi tão marcante naquela época, que na exibição do “Ladrão de Bagad” foi necessário abrir uma segunda seção. Tinha tanta gente esperando do lado de fora e na lateral do cinema, que o muro caiu. O povo começou a se amontoar e a empurrar. Quando o muro caiu, quem já estava assistindo o filme nem ligou, continuou assistindo.

A sala cinematográfica tinha capacidade para 300 pessoas, com dois tipos de ingressos: 200 nas cadeiras com assento e encosto de madeira e 100 na geral, bem em frente a tela, com bancos sem encosto. Na geral, onde o preço do ingresso era menos de metade das cadeiras   (400 reis), quando chovia era um sufoco, a água minava do chão já que todo o terreno ao redor da Lagoa da Onça ficava encharcado.


Região onde ficava a Lagoa da Onça, nas proximidades da estação da RVC
foto Lucas Jr/Facebook/Fortaleza Antiga

Para minimizar o problema, oito pisos foram sobrepostos para aumentar o nível do chão, cuja base foi construída abaixo do nível da lagoa. Nesse caso, havia duas opções: ou o espectador ficava de cócoras sobre o banco, ou tirava o calçado e ficava com os pés na água, enquanto assistia o filme. Do lado de fora, esperando os cinéfilos para o lanche, estavam os vendedores de bolo, tapioca e café. A pipoca ainda não era moda.           

O primeiro arrendatário do cinema foi o marchante José Marcelino, que tinha uma banca de venda de carne no Mercado São Sebastião. Naquela época, final dos anos 40, início dos 50, os cinemas passaram a ser a principal diversão da cidade. E as salas se multiplicaram, havia diversas espalhadas nos bairros e no Centro. A partir dos anos 60, os cinemas fora do centro começaram a fechar: encerraram as atividades o Ventura, na Aldeota, o Dioguinho, na praça do Colégio Militar, e muitos outros. O Nazaré também fechou. Em 1968 foi a vez do Cine Familiar.


Cine Nazaré e seu proprietário Sr. Raimundo Carneiro de Araújo, no centro
foto Diário do Nordeste

O Cine Nazaré fechou e reabriu muitas vezes, capricho e menina dos olhos do seu proprietário desde 1970, o radiotécnico Raimundo Carneiro de Araújo, conhecido por Vavá. Foi durante muito tempo o único (e o último) cinema de bairro da cidade. Mas seu Vavá faleceu esse ano, em fevereiro de 2022, e levou com ele a luz que guiava os filmes de sonhos que animavam o Cine Nazaré, agora, definitivamente fechado. 


Fonte: 

Jornal Diário do Nordeste "Cine Nazaré conta a história do bairro", de 05/06/2006