domingo, 30 de setembro de 2012

Adolfo Herbster, e os Mapas de Fortaleza

Pernambucano, nascido em 14 de maio de 1820, filho de pai suíço-alemão e mãe francesa, Herbster veio para o Ceará em 1855, desembarcando em Fortaleza a 29 de janeiro. Veio contratado para trabalhar como engenheiro da Província, tendo firmado contrato em 21 de novembro daquele ano. No ano seguinte assumia a direção das obras públicas gerais, para o qual fora designado pelo Presidente Francisco Xavier Paes Barreto. 
Em sessão do ano anterior, a Câmara Municipal havia decidido dispensar o arruador Antônio Simões Ferreira de Farias que “não pode desempenhar este lugar porque quase sempre está fora da cidade, ficando muitas vezes empatadas as obras dos particulares”.  Assim, deliberou-se que o engenheiro da província deveria ser contratado para ser também o engenheiro da Câmara, obrigado a cordoar e tudo o mais que fosse concernente à sua profissão.


Planta da Cidade de Fortaleza e Subúrbios, de Adolfo Herbster, elaborada em 1875 (Arquivo Ah, Fortaleza!).

E efetivamente Herbster substituiu ao velho Simões Ferreira, desde muito tempo no exercício das funções de arruador e cordoador, uma espécie de arquiteto leigo. Muitos bons serviços prestou Herbster à Capital, não somente pelo levantamento de cartografias, como a Planta da Cidade de Fortaleza de 1852, mas também pela construção de edifícios, estradas e várias outras obras, como a Via Fortaleza-Maranguape e a ponte que ligava a Praça da Sé à Prainha, na “subida do Seminário”.
Adolfo Herbster era de uma paciência infinita em se tratando de ordem e simetria dos arruamentos,  desapropriando, medindo e alinhando, de modo a servir a beleza da cidade e fazer observar o Plano Paulet, que devia dividir a cidade em paralelogramos.  
A maior prova disso, com efeito, está nas cartas de Fortaleza que traçou, tendo em mira, a sua remodelação e notadamente, à sua ampliação.
A primeira, de abril de 1859, levantada por ordem da Câmara e aprovada pela lei provincial n° 914, de 12 de setembro, está na escala de 4.800 palmos e 480 braças e se restringe ao estado atual da cidadezinha acanhada. Sua população, contando com os subúrbios, constituídos de tugúrios de palha, não ultrapassava os 16 mil habitantes. Casas de tijolo, alinhadas, apenas 690, dos quais 80 eram sobrados. 
A segunda data de 1875. Intitula-se “Planta Topográfica da Cidade de Fortaleza e Subúrbios”, porém, é antes de tudo, um traçado expansionista: pretende disciplinar o crescimento da cidade, levando o sistema xadrez muito além da parte construída. A escala dessa planta é ainda em palmos.


 Avenida dom Manuel, antigo Boulevard da Conceição

 Avenida Duque de Caxias, antigo Boulevard Duque de Caxias

Avenida do Imperador, antigo Boulevard do Imperador

preocupado com o direcionamento do crescimento da cidade, Herbster desenha na sua segunda planta de 1875, não só a situação real da cidade, mas o seu plano de expansão. Ele propõe os boulevards, as grandes avenidas circundando o espaço urbano já habitado: os Boulevards da Conceição, Duque de Caxias e Imperador.  

De 1888 é a última, organizada pelo arquiteto no pleno gozo de sua aposentadoria. “Planta da Cidade de Fortaleza Capital da província do Ceará” , é o título. De grandes dimensões e escala de 0,005=100 palmos e consolida o enxadrezamento. Impressa em Paris, por Burke e Cie, num dos exemplares, existente no Museu do Ceará, Herbster, a tinta, consigna as cotas de altitude  de vários pontos da cidade. Também naquele museu se guarda, na “Sala da Cidade”, a prancheta de trabalho do ilustre cartógrafo. 
Ainda outros mapas deixou Adolfo Herbster: A Planta da Povoação de Arronches, Planta do Porto da Cidade de Fortaleza, 1887, e a planta cadastral dos terrenos foreiros a N.S. do Rosário de Fortaleza. 


Palácio Senador Alencar, que abrigou a Assembleia até a década de 1970 (foto O Nordeste)

São ainda de sua autoria, os planos e desenhos do Paço da Assembleia Legislativa, cujas obras, inicialmente (1856) estiveram sob a responsabilidade do empreiteiro Joaquim da Fonseca Soares e Silva. Interrompidas mais de uma vez, acabaram entregues exatamente a quem as projetara. De fato, em 1867, Herbster contratou com o governo os serviços finais de carpintaria, marcenaria, pintura e outros acabamentos dos pavimentos térreo e superior do prédio, que foi concluído em 1871.


Nesta casa localizada no cruzamento da Rua Conde d'Eu com a Rua Sobral, na Praça da Sé,  funcionou a primeira sede da Assembleia Provincial do Ceará. 


Quando de sua instalação em 7 de abril de 1835, pelo Presidente José Martiniano de Alencar, a assembleia localizava-se em prédio da Praça da Sé, no qual mais tarde esteve a Casa Singlehurst. Nas palavras do presidente Dr. Joaquim Vilela de Castro Tavares, mais parecia edifício destinado às sessões de alguma municipalidade de aldeia. Em 1859 mudou-se para o Paço da Câmara Municipal (Intendência), na Praça do Ferreira.
Adolfo Herbster casou-se a primeira vez com Henriqueta Maria de Almeida, falecida em maio de 1866, e a segunda com Filismina Lopes. Faleceu em 12 de novembro de 1893, em Fortaleza, completamente esquecido. Os jornais da época mal noticiaram sua morte. O Barão de Studart, nas suas tão minuciosas Datas e Fatos, deixou em branco a data do seu desaparecimento. Só em 1932, veio seu nome a figurar na placa de denominação de uma rua, numa homenagem tardia, prestada por Raimundo Girão quando exerceu o cargo de Prefeito de Fortaleza.

fotos do Arquivo Nirez
Extraído do livro de Raimundo Girão
Geografia Estética de Fortaleza

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A Cidade Moderna



O Palacete Ceará é uma das obras mais representativas das primeiras décadas do século passado (1920), período em que ocorre grande transformação na aparência arquitetônica da cidade. Foi autor do projeto o arquiteto João Sabóia Barbosa. A edificação era de propriedade do Sr. José Gentil Alves de Carvalho, tendo sido construída por Rodolpho F. da Silva e Filho. (foto de Tarcísio Garcia)

As edificações remanescentes das décadas iniciais da história de Fortaleza – a maior parte delas localizadas no centro – se caracterizam por misturar elementos de vários estilos arquitetônicos como o neoclássico e o neogótico. Mas os traços retos da arquitetura moderna, começam a integrar a paisagem  da cidade a partir dos anos 1960. O fim dos anos 50, início dos anos 60 marcam a chegada dos primeiros arquitetos com formação moderna, que iriam projetar os primeiros edifícios modernos da cidade. 
Liberal de Castro foi o autor do projeto do Palácio do Progresso e do Colégio Cearense; Neudson Braga criou o prédio do antigo Centro dos Exportadores, caracterizado pelo painel em pastilhas do artista plástico Zenon Barreto;  Ivan Barreto assina o Clube de Regatas da Barra do Ceará e a Residência Universitária da UFC, no Benfica. 

 foto Jornal O Povo
   prédio construído pelo arquiteto Neudson Braga, para o antigo Centro dos Exportadores, mais tarde ocupado pelo Bancesa. Tem como caracteristica, o painel em pastilhas, trabalho do artista plástico Zenon Barreto.  

O espaço urbano de Fortaleza passa a ter um novo modelo de referência. Além de trazer o traço de influência corbusiana para a cidade, o grupo de pioneiros permite a consolidação de uma arquitetura fortalezense ao fundar o Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), que passa a funcionar a partir de 1965. 

  O edifício onde funcionou o Colégio Cearense foi um projeto de Liberal de Castro (foto do Arquivo Nirez)

Ivan Brito projetou o prédio do Clube de Regatas da Barra do Ceará (arquivo particular)

A “cultura do novo”, além de erguer novas edificações, representa uma ameaça ao patrimônio mais antigo. Ao mesmo tempo em que chega a arquitetura moderna, se intensifica a destruição do que já havia, porque o novo é o que é desejado. Um fato entrou para a memória da cidade, simbolizando esta destruição. No início da década de 1970, o Palácio do Plácido, mandado construir pelo comerciante Plácido de Carvalho como réplica de um castelo italiano, na Avenida Santos Dumont – onde hoje é a Praça Luiza Távora – foi demolido para a construção de um supermercado que nunca chegou a ser construído. Conhecido como “castelinho”, apesar de não ter relevância arquitetônica, por ser uma réplica, o edifício fazia parte da paisagem afetiva da cidade. Houve uma grita geral. Esse fato talvez tenha gerado o primeiro debate amplo acerca da importância da preservação do patrimônio.

A demolição do palácio do Plácido deu início ao debate acerca da destruição do patrimônio arquitetônico de Fortaleza (foto do Arquivo Nirez)

Os anos 70 além de trazerem a intensificação da destruição do patrimônio edificado, principalmente nas áreas de atuação da especulação imobiliária, marcam a verticalização da cidade, primordialmente na área leste.
O centro se esvazia cada vez mais, principalmente com a saída do poder financeiro e do poder político – o Palácio do Governo e depois a Assembleia Legislativa. Enquanto isso, na Aldeota, surge o Center Um, um marco simbólico deste processo. 


A saída do Centro de instâncias do poder, como o Governo do Estado e a Assembleia Legislativa, contribuiu para o esvaziamento da área. Hoje o Palácio da Luz, antiga sede do poder Estadual, é ocupado pela Academia Cearense de Letras, enquanto o Palacete Senador Alencar, que abrigava a Assembleia Legislativa, hoje é a sede do Museu do Ceará (fotos acervo do blog) 

Seguindo a tendência nacional das políticas de financiamento à habitação, surgem os conjuntos habitacionais – hoje transformados em bairros – como o Conjunto Ceará e José Walter, entre tantos outros surgidos entre os anos 70 e 80. Não havia preocupação com o meio ambiente nem com a individualidade das pessoas. Era uma nova tentativa de isolar os indesejáveis, nas áreas periféricas, em espécies de cidades-dormitórios. Afastados do centro e forçando a expansão da infraestrutura urbana, como os serviços de água e luz, os conjuntos habitacionais também criam possibilidades de ocupação dos vazios urbanos entre eles os núcleos já habitados, espalhando ainda mais a cidade no mapa, e favorecendo, em muitos casos, a interesses de donos de terrenos que eram valorizados. A cidade começa a tomar jeitos de metrópole. 


 fonte:
Revista Fortaleza -A Formação urbana - fascículo 10 de 11 de junho de 2006

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Dos Direitos dos Criminosos...

No dia 12 de agosto de 2001, seis cidadãos portugueses desembarcaram no Aeroporto Internacional Pinto Martins em Fortaleza, e... desapareceram.  Depois de 12 dias de intensas buscas e investigações policiais, a cruel realidade: os seis homens, que vieram a Fortaleza em busca de lazer e oportunidades de negócios, haviam sido barbaramente, covardemente, perversamente assassinados por uma quadrilha liderada por indivíduo também português, que planejou o crime, roubou os pertences e executou os incautos patrícios. O nome da besta: Luiz Miguel Militão Guerreiro.
Os detalhes sórdidos e macabros dos assassinatos ainda estão nos sites de busca, e chocam, como chocaram desde o primeiro dia da descoberta. Preso, junto com a escória que o ajudou,  condenado a 150 anos de prisão, o assassino, mesmo dentro da cadeia, já foi acusado de tramar uma rebelião, de tráfico de drogas e de portar arma branca; Em 2007 foi transferido para um presídio de segurança máxima no Paraná, acusado de chefiar organizações criminosas no Ceará.
Pois essa figura nefasta acabou de ganhar uma regalia destinada a poucos: condenado a cumprir pena em regime fechado, do qual cumpriu apenas 9 anos dos 150 a que fez jus, recebeu autorização judicial para frequentar as aulas do Curso de Geografia da Universidade Federal do Ceará. As condições para a saída do xilindró para a UFC seriam cômicas se não fossem ridículas: o facínora será escoltado por contingente policial composta por dez homens, para “garantir a segurança da sociedade”.
Para garantir a segurança da sociedade, o mais certo é que o assassino continue onde está, trancafiado e convivendo somente com seus iguais, criminosos  como ele,  posto que não reúne condições mínimas para o convívio social entre pessoas normais.
Conceder privilégios a pessoa tão nociva, e impor sua presença deletéria no campus da UFC é no mínimo, um insulto à memória de suas vítimas, um desrespeito para com seus familiares, um achincalhe a alunos, professores e funcionários da universidade, um tapa na cara da sociedade.


Lugar de bandido é na cadeia, não é nem na rua, nem na universidade. Chega de meia justiça, de proteção a assassinos, de assegurar direitos a quem infringiu todas as regras.
Li em algum lugar, que o Ministério Público recorreu dessa decisão absurda. Até que enfim, um pouco de bom senso nessa mixórdia que é a justiça do Brasil. 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Silva Paulet e a Cidade Xadrez

 Fortaleza vista do alto, foto (provavelmente) dos anos 30
 Planta do Porto e Villa da Fortaleza, de autoria de Silva Paulet.

O Português Antônio José da Silva Paulet, ajudante de ordens do governador é personagem central na evolução do desenho da cidade de Fortaleza. Ele traça a “Planta da Villa” em 1818 – embora a versão que chegou à posteridade seja de 1831. O Riacho Pajeú continua aparecendo como limite físico, com poucos indícios de mancha urbana para a margem direita. 
Chamam a atenção as vias que levavam às saídas da Vila. Essas saídas, todas convergentes para o Centro, das quais algumas não subsistem, já antecipavam o plano radial que Fortaleza viria a assumir. 

Mucuripe

A cidade tem um núcleo original, que se irradia para o interior a partir das vias de penetração: a estrada de Soure, de Caucaia que corresponde à BR-222, a Estrada das Serras, Visconde de Cauípe, hoje Avenida da Universidade que ligava Fortaleza a Maranguape e Pacatuba, o calçamento de Messejana, hoje BR-116, a via que ligava aos Arronches, a Vila da Parangaba, além da picada do Mucuripe, onde havia o farol como remanescente das preocupações portuguesas em vigiar a costa.

Estrada Fortaleza - Parangaba 1929

Inicialmente, ao longo destas vias, se estabeleceram as famílias abastadas vindas do interior; desejando a proximidade com a cidade sem abrir mão das vantagens da vida rural, estas famílias se instalam em sítios e chácaras.
Na planta de Paulet, não se nomeiam as edificações, a cidade aparece dividida em blocos, como o primeiro indício do traçado xadrez que a capital viria a ganhar – e até hoje marca a configuração de sua malha urbana. Nas plantas que desenhou Paulet traçou ainda que vagamente, o futuro axadrezado do desenho da vila.  Desde Paulet, o risco de ruas paralelas passou a ser uma constante na cidade, de modo que os primeiros sobrados fortalezenses, erguidos a partir daquela época, observaram o alinhamento em retícula. 

 O prédio da Intendência Municipal foi o primeiro sobrado da cidade. Tinha 4 frentes: uma para a Praça do Ferreira, outra que ligava a Praça com a Rua Pará, outra para a Rua Pará e uma para a Rua Floriano Peixoto. Foi demolido porque nós não zelamos, nem valorizamos nada do passado.

A organização enxadrezada proposta por Silva Paulet encontrou no presidente da Câmara Antônio Rodrigues Ferreira, o Boticário Ferreira, um grande entusiasta. Por encomenda dele outros mapeamentos da cidade foram feitos, mas eram imprecisos. A primeira representação precisa da organização urbana de Fortaleza, é a Planta Exacta da Capital do Ceará, de 1859, a primeira de três plantas desenhadas pelo pernambucano Adolfo Herbster.  
O currículo do português Silva Paulet, que permaneceu no Ceará até 1821, traz ainda outra ligação intima com a história da capital: ele projetou e construiu a nova Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, considerada a edificação mais antiga da cidade. 

Fonte:
Revista Fortaleza, fasciculo 10, de 11 de junho de 2006
Roteiro Sentimental de Fortaleza, Coordenação de Simone de Souza
e Sebastião Rogério Ponte
fotos do Arquivo Nirez
 

domingo, 23 de setembro de 2012

O Meio-Fio e as Ruas do Centro


trecho canalizado do Riacho Pajeú entre a Rua 25 de março e a Avenida D. Manuel. Na gestão do prefeito Vicente Fialho (1971-75), foi cogitada a abertura de uma avenida(Avenida Pajeú) que margearia o que resta do histórico riacho. Não fizeram, lamentavelmente (foto do acervo do Blog)  

Segundo o historiador Mozart Soriano Aderaldo, Fortaleza, a exemplo de Roma é uma cidade construída sobre colinas. Além de assentar-se sobre uma planície que varia de 15 a 20 metros acima do nível do mar, facilmente percebida em toda a orla marítima, do Mucuripe ao Pirambu, existem ainda hoje, não obstante o esforço de minimizá-las com o aplainamento de ruas, diversas elevações menores que então dividiam os cursos d’água que desembocavam no mar ou reforçavam o Pajeú e o Cocó.

Ladeira da Rua General Sampaio, que terminava na Praia Formosa (arquivo Nirez) 

O riacho que partia da antiga Praça da Lagoinha (Praça Capistrano de Abreu), e que seguia em direção ao Pajeú, alcançando-o na altura do Mercado Central, era um deles. Outro curso d’água se dirigia da atual Praça Clóvis Beviláqua em demanda da Lagoa do Garrote, atual Parque da Liberdade onde se acha a Cidade da Criança, passando antes nas proximidades da Praça do Carmo, antiga Praça do Livramento. 

Rua no Bairro do Pirambu e a grande ladeira até a praia (foto do acervo do Blog)

Esses riachos serpenteavam entre pequenos outeiros. Quando da pavimentação da cidade, as ondulações foram amenizadas, razão por que em muitos trechos de ruas, justamente os aterrados, o piso das antigas casas era mais baixo  do que o novo nível da artéria, enquanto em outros trechos se dava justamente o contrário, formando-se as chamadas “calçadas altas”, resultantes do rebaixamento do leito do logradouro, fenômeno esse ainda hoje percebido na Rua Senador Pompeu, nos quarteirões entre as Ruas Senador Alencar e São Paulo e entre as Ruas Guilherme Rocha e Liberato Barroso.

Antiga Rua Sena Madureira e o grande desnível entre o calçamento da rua e a calçada (foto do Arquivo Nirez)

Constituíam sério problema, principalmente para os cegos e os velhos essas “calçadas altas”. Foi por isso que Ildefonso Albano, mais uma vez prefeito de Fortaleza, mandou assentar no final da década de 1920 – o até então para nós desconhecido – meio-fio, nivelando todas as calçadas e fixando sua largura. 
Essa iniciativa significou para Fortaleza um largo progresso, apesar dos desacertos cometidos nessa mesma administração, que na mesma época mandou substituir as mongubeiras, que sombreava nossos logradouros, com sua copa frondosa e bela, pelo fícus-benjamim, que estragava as calçadas e era viveiro de um inconveniente inseto que a população apelidou de “lacerdinha”.
     
extraído do livro de Mozart Soriano Aderaldo
História Abreviada de Fortaleza e crônicas sobre a cidade amada

sábado, 22 de setembro de 2012

O Banco da Opinião Publica

Em 1918 foi fundada na Praça do Ferreira,  a Sociedade dos Banquistas, ou seja, o Banco, pois os associados se apropriaram de um dos bancos situado em frente ao Cine Majestic-Palace.  Ali se reuniam velhos respeitáveis - advogados, farmacêuticos, políticos, comerciantes, escritores, poetas, artistas de tatro, pintores e músicos. 


À proporção que aqueles ilustres frequentadores iam desaparecendo, por doença ou morte, eram logo substituídos por outros, que prestavam fidelidade à estranha organização. Todos os assuntos eram ali abordados: críticas à administração municipal e a outras autoridades, questões da lingua portuguesa ou outras disciplinas, questões religiosas e reviravoltas políticas. Como sobremesa, o velho e apimentado prato da vida alheia.
Do Banco faziam parte o milionário Antônio Diogo de Siqueira, Raimundo Cícero, João Quinderé, Meton de Alencar, Vicente de castro, Tibúrcio Targino, Guilherme Moreira, João Nogueira e outros, os quais foram aos poucos, sendo substituídos por João Mac-Dowel, Manoel Lobo, Demócrito Rocha, João de Almeida, Demóstenes Brígido, Adolfo Siqueira, Carlos de Miranda, Luis Costa, Pires de Carvalho, e muitos outros. 

 O banco da Opinião Pública ficava em frente ao Cine-teatro Majestic-Palace
Com o decorrer do tempo, o grupo foi-se desfazendo sob o som barulhento das buzinas agudas e irritantes dos automóveis. O progresso sufocava, aos poucos, aquelas vozes. Os últimos remanescentes se mudaram para o Café Avenida, nos baixos do Palacete Ceará (hoje Caixa Econômica Federal) e, depois para o Café Globo, e a seguir para a Confeitaria Glória, situada nos baixos da antiga Prefeitura Municipal, esquina da Rua Pará com Floriano Peixoto.

 No térreo da Antiga Intendência Municipal funcionava a Confeitaria Glória
Fechada a Confeitaria, passaram para a porta larga da Casa Dummar, onde havia uma placa com os dizeres - pede-se a fineza de não estacionar à porta -  placas que eles fingiam não ver.
com o passar do tempo, o Banco desapareceu. Fora instalado na Praça do Ferreira em 1918 e foi retirado dali em 1968, já completadas as suas bodas de ouro.
O Banco foi mais uma tradição tipicamente de Fortaleza que desapareceu para sempre, engolida em nome do progresso e da modernidade.

fotos do livro Geografia Estética de Fortaleza e do Arquivo Nirez
texto extraído do livro de Otacílio de Azevedo
Fortaleza Descalça; reminiscências  
    

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

As Fantásticas Histórias do Doutor Batérico



Prédio onde ficavam os transmissores da Ceará Rádio Clube
Em outubro de 1941 a Ceará Rádio Clube (PRE-9) mudou-se das Damas (Avenida João Pessoa) para o Edifício Diogo e os transmissores foram para a Rua Senador Pompeu esquina com uma rua de um só quarteirão, sem denominação. Depois de vários anos lá, mudou-se, em 1960 para a Estância (hoje Dionísio Torres) e o terreno dos transmissores foi vendidos. A rua sem denominação passou a chamar-se Rua PRE-9.


Em fins da década de 1950, as noites domingueiras da Ceará Rádio Clube (PRE-9) eram lideradas por alguns programas  bastante populares e de forte audiência. Um desses programas era intitulado Eles Fazem a Cidade, que fazia tanto sucesso que não tinha hora para acabar.
Eles Fazem a Cidade buscava por tipos especiais, que por suas excentricidades, seu comportamento exótico ou curioso, conquistavam espaço e popularidade no meio em que viviam. Era o caso de Dalila, uma velhinha simpática que, por esclerose ou outra patologia qualquer, dizia-se deputada estadual, frequentando normalmente as sessões de Assembleia Legislativa, como se fosse dona de um mandato popular. Dalila foi ao programa e falou por mais de uma hora sobre suas atividades políticas. 

 Edíficio Pajeú para aonde a PRE-9 mudou-se em 1949

Sucesso, porém, obteve José Teodorico, o célebre Dr. Batérico, emérito contador de histórias fantásticas, todas produto de sua fértil imaginação, a par de uma capacidade incomum de narrar com detalhes, fatos que, em determinados momentos, chegavam a convencer.  Noutros, as histórias eram tão absurdas, que logo deixavam claro a arte que o Dr. Batérico exercia com raro talento:  a de contar lorotas.
Figura conhecida, nascida na classe média das primeiras décadas do século passado, Batérico era mecânico de velocimetros, proprietário de uma oficina localizada na Rua Meton de Alencar, próxima a Faculdade de Direito. Lembrando seus dias de artista do velho Centro Artístico da Avenida Tristão Gonçalves, Batérico tocava piano no programa Coisas que o Tempo Levou, comandado por José Limaverde.  

 os programas de auditório eram as maiores atrações das emissoras de rádio da época

Pianista de ouvido, capaz de executar com certa graça algumas peças populares, a imaginação criadora de Batérico concebeu a história de que, antes da Segunda Guerra Mundial, em andanças pela Europa (o mecânico/pianista  nunca saiu de Fortaleza), chegou à Roma e fez amizade com o ditador fascista Benito Mussolini, a quem, assegurava, dera aulas de piano.
Como especialista em mecânica automotiva, viu-se transformado em mestre do volante, ensinando a ninguém menos do que a Francisco Franco, o ditador espanhol. E foi amigo de Stalin, com quem costumava beber cachaça, nas noites geladas de Moscou, em pleno Kremlin, cachaça levada do Ceará, muito apreciada pelo líder russo.
Pontilhado de conversas assim, o programa com o Dr. Batérico invadiu todos os horários, com os ouvintes lembrando por telefone, essa ou aquela história famosa que já ouvira do pianista, como a do disco-voador que sofreu uma pane em Fortaleza. Incrível – informava Batérico ao microfone – mas a Base Aérea mandou chamá-lo em casa, com urgência e em absoluto sigilo, para tirar a nave espacial do “prego”.   
Os detalhes eram simplesmente sensacionais. O tamanho gigantesco de uma chave de fenda de que só ele dispunha; a altura dos tripulantes da nave que, para serem ouvidos, exigiam a colocação de um cavalete para atingir a sua cabeça. Havia ainda uma “Luana” (os tripulantes eram da Lua e não de Marte, eternos suspeitos dessas visitas intergalácticas), de tamanho descomunal que, ao dar-lhe um beijo de agradecimento quando da conclusão do trabalho, quase o esmaga com a força dos braços.
As risadas ecoavam por toda a Fortaleza naquela noite. Batérico dominava a audiência num show de potocas inéditas e extremamente cômicas. Um sucesso inesquecível. 

extraído do livro de Blanchard Girão
"Sessão das Quatro"  cenas e atores de um tempo mais feliz