segunda-feira, 29 de abril de 2013

Iguarias Típicas

Antiga Praça Carolina e José de Alencar, atual Waldemar Falcão com o Mercado de Ferro

Se Fortaleza hoje é um território desfigurado, sem guloseimas e totalmente incrustada no panorama geral, nas quais as cidades se ataram de pés e mãos aos refrigerantes engarrafados e as refeições em fast-foods, já foi uma cidade em que a merenda era um momento de glória das tardes familiares.
Não só as famílias caprichavam nos doces de fabricação caseira para o lanche, como a cidade pequena  era um mercado permanente de vendedores de tabuleiros que percorriam as ruas com pregões de sua mercadoria deliciosa, sedução e cobiça da população infantil e adolescente.

 foto do site: http://papjerimum.blogspot.com.br

Muitas tabernas e mercearias vendiam doces caseiros, como rosquinhas, suspiros, filhoses, bulins de goma, cocadas de rapadura ou de açúcar branco, alfenins com formas de bichos e cachimbos, castanhas de caju confeitadas, embrulhadas em papel de seda franjado.
No Mercado de Ferro da Praça José de Alencar – atual Waldemar Falcão – que foi desmontado na década de 1930, havia uma ala só para os tabuleiros. Famosos alguns pelas suas línguas de mulata, filhoses e seus doces secos.  Eram famosos os filhoses de farinha de trigo vendidos na mercearia do Zé Ramos, na esquina de Santa Isabel com Liberato Barroso. 

 filhoses (foto do site http://receitasana.pedroraf.com)

Igualmente muito procuradas, eram as cocadas da bodega de Eduardo Garcia, na Rua 24 de Maio esquina com a São Bernardo (Pedro Pereira). Nos tabuleiros avulsos havia puxa-puxas, cocadas de murici, balas de coco,  bolas douradas de mel em cartuchos de papel almaço, queijadinhas, bons bocados, bolinhos de arroz, etc.

 cocada de rapadura (foto do site http://www.dicaslegais.net)

Havia tabuleiros especiais só das tais bolas douradas, que iam diminuindo de tamanho de acordo com o afunilamento do cartucho de papel almaço. Tabuleiro pleno, sem tábuas nas extremidades, era cheio de furos onde se espetavam os cartuchos, como se fosse um grande paliteiro, como havia também para os roletes de cana, em feitio de flor, ligados por linha de costura. 


Nos arredores do Passeio Público, a vendedora carrega um cesto com seus produtos 

Famílias ilustres  completavam seu orçamento doméstico mandando seus tabuleiros envidraçados paras as ruas.  Durante muito tempo os baleiros das portas de cinema somente  vendiam balas de fabricação doméstica, envolvidas em papel de cor. Havia até alguns tabuleiros fixos em determinados pontos da cidade, um dos mais famosos era o de Maria Gorda, negra simpática que fazia ponto na esquina da Rua Formosa (Barão do Rio Branco) com Trincheiras (Rua Liberato Barroso), onde se localizava a Casa Amaral e onde depois esteve a Casa Singer.

Rua Floriano Peixoto, trecho da Praça Carolina, onde havia grande concentração de tabuleiros

Outro tabuleiro fixo, muito procurado pelos notívagos, e singular pela sua localização e horário, foi o de Dona Maria, conhecida como Dona Maria do Tabuleiro, que morava com os filhos pros lados da Rua do Sol (Costa Barros). Ela só chegava ao seu ponto noturno depois das 8 horas da noite e lá ficava até meia-noite, às vezes até de madrugada. Seu tabuleiro era mais dos bolos grandes, que ela vendia em fatias para os fregueses certos, que eram muitos.  O tabuleiro se localizava no canto do mercado de miudezas, em diagonal com o Banco Frota Gentil. Era um canto escuro e deserto que ela iluminava com uma lamparina grande e fumacenta que dava sinal de sua chegada e do início do seu expediente. A pontualidade de Dona Maria com seu tabuleiro naquele horário esquisito lhe deu popularidade. Surgiram anedotas a respeito dela. A mais corrente era a de um freguês que certa noite se chegou ao tabuleiro e disse:
 – Dona Maria, hoje estou no aro. A senhora vai me fiar um pedaço de bolo e ainda vai me emprestar dois mil réis. Amanhã eu lhe pago, sem falta.
 – olhe meu filho, não posso. Eu tenho um contrato com o coronel Zé Gentil, aí do banco. Nem ele vende tabuleiro, nem eu empresto dinheiro...

  Até a tradicional Mariola sumiu do mercado

O certo é que a Fortaleza de ontem, embora cidade pobre de menos de cem mil habitantes, tinha sua classe média que passava bem. As mercearias mais conceituadas eram bem sortidas. A lataria era abundante e em grande parte de procedência estrangeira. Vinhos e azeitonas portugueses, manteiga Lepelletier e Bretel Frères de origem francesa, chocolate Bering e Moinho de ouro; abacaxi em compotas em ltas especiais de Pernambuco; queijos Palmira; banha refinada marca Neve, do Rio Grande do Sul; leite condensado suíço, marca Moça.  As tabernas também vendiam as deliciosas bananas secas, em pacotes, de Pacatuba, entre as quais a mais procurada era a do fabricante Siqueira.

extraído do livro de Edigar de Alencar
Fortaleza de ontem e anteontem
fotos do Arquivo Nirez

sábado, 27 de abril de 2013

Avenida Gomes de Matos a Antiga Estrada do Gado

Avenida João Pessoa, antiga estrada Fortaleza-Parangaba em 1919 (Arquivo Nirez)

A Estrada do Gado foi em tempos passados um referencial da Pirocaia, antiga denominação da região atualmente ocupada pelo Grande Montese. Era o caminho dos bois destinados ao abate, em Otávio Bonfim, onde se localizava o matadouro da capital. O gado para corte, vindo do interior, era encurralado na Parangaba, antiga Vila Nova de Arronches. Ali, obrigatoriamente, a boiada ficava nos currais da Câmara Municipal, que cobrava uma taxa que era recolhida aos cofres da Vila. 

Matadouro de Otávio Bonfim, localizado ao lado da estação de trem.

A maior parte do gado que passava pelos currais de Arronches, vinha para Fortaleza diretamente para o Matadouro de Otávio Bonfim. Com a construção da Estrada de Ferro, no trecho Fortaleza-Parangaba, concluído no ano de 1873, tornou-se impraticável o movimento das boiadas pela ferrovia, não só pelo tráfego das locomotivas, mas também porque havia tráfego de carroças, animais com cargas, cavaleiros e pedestres.
A solução encontrada para o transporte do gado foi a abertura de uma nova estrada, uma vez que essa movimentação era feita até três vezes por semana.  Devido a pressa, o traçado da nova estrada foi feito sem a orientação de um engenheiro, sendo escolhido o lado do nascente do terreno da faixa zonal, situada entre o Arronches  e Fortaleza. 
Era um local coberto de matas, com exuberante vegetação nativa com algumas clareiras e tabuleiros, o que facilitou a construção da estrada em poucas semanas. Por algum tempo, ainda, essa estrada serviu de acesso ao Matadouro de Otávio Bonfim, razão pela qual a Rua Justiniano de Serpa antigamente também ter sido chamada de Estrada do Gado.  Isso perdurou até 1926, quando foi construído um novo matadouro nas imediações da Lagoa do Tauape – o que reduziu o antigo percurso quase pela metade. 

Prédio do Matadouro do Jardim América, demolido em 1970. No mesmo local foi edificado o atual Colégio Paulo VI (foto do arquivo Nirez)

As primeiras habitações que surgiram às margens da estrada do Gado eram poucas casas de taipa, cobertas de palha, construídas por agricultores que trabalhavam para donos dos sítios existentes na região. Nessas choupanas não havia qualquer conforto, nem banheiro ou sanitário.  Por ali passavam as boiadas, os comboios de jumento, com dez a quinze animais em marcha lenta e cadenciada, com cargas diversas em que predominavam carvão vegetal, lenha e madeira, às vezes noite adentro, acompanhados pelos sonolentos comboieiros. Também as tradicionais carroças puxadas a burro, faziam parte do cotidiano da Estrada do Gado, conduzindo lenha do Cardoso, o português da Estação do Quilômetro Oito para a Usina da Ceará Light no Passeio Público, e a famosa água da Pirocaia para o centro da cidade, acondicionada em grandes barris de madeira, distribuída para o consumo da população, pois era considerada a melhor água de Fortaleza.
No local somente podiam trafegar veículos de grande potência;  carros pequenos nem se falava neles, principalmente no inverno quando se formavam grandes lamaçais. Os meios de transporte garantidos eram o jumento, o cavalo ou andar a pé, quando por necessidade extrema.  Outra característica da Estrada do Gado era uma fileira de postes dos Correios e Telégrafos, com fios de transmissão de sinais de comunicação por “morse”, que já foi extinto.

 Inauguração da Avenida Gomes de Matos, no dia 28 de março de 1969. No palanque armado no triângulo formado pelas ruas Jorge Dummar e PRE-9 com a nova avenida. Da esquerda para a direita, estão o Coronel Elísio Aguiar, o vereador Renê Dreyfus, Thomaz Pompeu Gomes de Matos, o prefeito José Walter e o jornalista Epitácio Cruz

Em fins do século XIX a nome da via foi mudado para Boulevard 14 de Julho, denominação dada pelos franceses residentes no Ceará, que à época exerciam grande influência na vida sócio-econômico-cultural de Fortaleza. Em 1955, na gestão do prefeito Paulo Cabral de Araújo, já com a denominação aportuguesada para avenida, a 14 de Julho foi pavimentada com pedra tosca, um dos primeiros melhoramentos que a região recebeu do Poder Público. Em 1968, na administração do prefeito José Walter Cavalcante, a Avenida 14 de Julho foi rebatizada pela Câmara Municipal com a denominação de Avenida Gomes de Matos, homenagem ao professor e jurista cearense, Raimundo Gomes de matos.


Extraído do livro de Pirocaia a Montese – fragmentos históricos
De Raimundo Nonato Ximenes
  

sexta-feira, 26 de abril de 2013

O Surgimento das Vilas Operárias em Fortaleza

embarque de algodão na Estação Central, em fins do século XIX (foto O Povo)

As vilas Operárias estão ligadas a história do ciclo do algodão, produto responsável pela dinamização do comércio e pelo aparecimento das primeiras indústrias têxteis. O setor de fiação e tecelagem implantou-se no final do século XIX, mas as vilas operárias surgiram a partir de 1920.
As vantagens para os empresários, é que estando os operários próximos aos locais de trabalho, ficavam asseguradas a assiduidade, a pontualidade, a prontidão destes, bem como o envolvimento de toda a família, necessária ao tipo de trabalho que caracteriza a produção têxtil.  Ao mesmo tempo a ação do Estado se fez presente na forma de concessão de incentivos e isenções de impostos, propiciados pela legislação para o desenvolvimento dessa forma de habitação dos operários. Assim, vários empresários do ramo têxtil se empenharam na construção de casas de aluguel.
No Ceará esse padrão de construção está ligado à história do algodão. Entretanto o aparecimento dessas habitações em Fortaleza a partir de 1920 foi consequência de dois fatores: o rápido crescimento urbano da cidade e as novas necessidades do processo industrial.

Instalada em 1926, a Fábrica de Tecidos São José, que foi durante muitos anos a maior fabricante de redes do Brasil. A empresa possuía um parque fabril que ocupava área de 26.000 metros quadrados, empregando mais de mil operários. Em 1928 a empresa construiu a Vila São José, nos arredores da fábrica, no bairro Jacarecanga. (foto do arquivo Nirez)

Em outubro de 1922, quando a cidade sofre um processo mais intenso de crescimento urbano, e a indústria têxtil necessitava da proximidade domicilio/trabalho, foi sancionada a lei 2002, que concedia isenção de todos os impostos inclusive os municipais, a firma ou empresa que construísse para venda, casas populares, de sólida construção, com acomodações amplas e higiênicas.
A lei estabelece ainda suas implantações nos bairros menos habitados da cidade, empregando os meios apropriados para o saneamento e conveniente preparo dos terrenos baldios. A prioridade para ocupação dos imóveis seria dada aos operários, funcionários públicos e demais classes menos favorecidas.

Acima da foto fachada da Fábrica Santa Elisa que em 1928 contava com 350 operários que produziam diarimente, 1200 tubos de fios (para fabricação de redes) e 500 redes. Na 2a. foto, a Vila Diogo, para moradia dos empregados, composta de 66 casas.

Em 1915 os benefícios  foram ampliados e incluíram a isenção da décima urbana e de todos os impostos estaduais pelo prazo de 15 anos, para quem construísse vilas operárias com dez ou mais unidades, construídas de acordo com as normas de higiene e saneamento, e mediante planta devidamente aprovada  pela municipalidade.  Apesar das vantagens, somente duas vilas operárias ligadas à indústria têxtil foram construídas na década de 20: a Vila Diogo, fundada em 1922, do Grupo Diogo Siqueira, situada nas proximidades do centro e inserida na área urbanizada da época, e a Vila São José, fundada em 1928, do Grupo Philomeno Gomes,  implantada na extremidade do perímetro urbano,  no bairro do Jacarecanga.
O Almanaque do Ceará, de 1932 registra um total de 15 vilas operárias de aluguel isentas de impostos, com 293 casas, nas quais somente duas,  de Diogo e Pompeu são ligadas à indústria têxtil.  No entanto, em 1933, a Fábrica São José mantinha 80 casas alugadas com perspectiva de mais 70.

Fábrica de Cigarros Araken, de propriedade de Diogo Siqueira. Os operários tinham acesso a Vila Operária construída pelo empresário. (foto do Arquivo Nirez)

A construção de vilas operárias cresceu inda mais na década de 40. O Grupo Diogo Siqueira constrói a Vila Araken, nas proximidades do seu empório industrial. Mais uma vez ampliam-se as atividades imobiliárias desse grupo, na mesma área de seus primeiros investimentos.  

 Indústria Têxtil José Pinto do Carmo na década de 50 (foto IBGE)

O Grupo José Pinto do Carmo também cria um conjunto com 51 casas no bairro do Jacarecanga. A Vila São José cresce em unidades habitacionais, que atingem 247 casas ao final da década. Até 1945 oito vilas operárias foram criadas por empresários ligados à indústria têxtil em Fortaleza,  somando em torno de 500 unidades habitacionais.  Nota-se então que é depois de 1930 que o número de unidades habitacionais cresce, sendo que, enquanto alguns grupos criam novos conjuntos de vilas, outros aumentam o número de unidades de conjuntos já existentes.

Extraído do artigo de Margarida Andrade,
A Legislação no Campo da Habitação Popular em Fortaleza 
sites consultados:
http://www.fiec.org.br
e outros artigos consultados:
As múltiplas facetas de um marchante: a vida empresarial de Antônio Diogo de Siqueira 
de Carlos Negreiros Viana
 

terça-feira, 16 de abril de 2013

Os Clubes Elegantes

Clube Líbano Brasileiro fundado pela colônia Sirio-Libanesa estava localizado na Rua Tibúrcio Cavalcante, 271

Na década de 50, Fortaleza era a capital dos clubes elegantes. Havia dezenas deles, alguns suntuosos contrastando com a miséria geral, todos com clientela, origens e justificativas as mais diversas. De acordo com os maledicentes, tal exibição de luxo se devia às sobras dos dinheiros federais, vindos para a realização de programas contra as secas.  Outros de língua ainda mais comprida atribuíam aquelas sedes maravilhosas ao resultado de contrabando de cera de carnaúba e de algodão, tão frequentes naquele tempo.


Sede do Iate Clube no bairro do Mucuripe

O certo é que, naqueles tempos, em poucos iam ao banho de mar e não havia boates, dançava-se a valer nos salões do Náutico, nas tertúlias do Ideal, do Líbano, do Iate, dos Diários, do Iracema, do Comercial. Os bancários se divertiam na AABB. Os militares no Clube Militar.


Centro Massapeense, na Praia de Iracema

A diáspora de Massapê ia ao Massapeense, que teve seus instantes de glória, graças ao prestigio político e à expressão empresarial de seus integrantes. Chegou até a receber a visita de jacinto de Tormes, então afamado colunista social da Capital do país, o Rio de Janeiro, e uma miss Brasil o que, naquela época, significava muito.  A de Quixadá ia ao Quixadaense, a de Iguatu, ao Iguatuense. Existia até clube familiar, como o ASFAXIM, a associação que reunia s famílias Aguiar, Ximenes, parentes e afins.



Sede do Naútico, inaugurada na década de 1950 no bairro Meireles

O Náutico Atlético Cearense era reduto da classe média e bastião dos bons costumes. Ostentava a sede mais luxuosa, possuía o maior número de sócios, comerciantes médios, funcionários, profissionais liberais. Tinha muito prestigio. Seu presidente era mais importante que muito Secretário de Estado. Sua diretoria deveria, posteriormente, fornecer líderes civis ao golpe militar de 1964. Era composta de puritanos, ativíssimos na defesa da moralidade. Ali só entrava casal, e nesse tempo casal era homem e mulher. Além disso precisavam estar casados, de papel passado no cartório e na igreja. Sem isso, nada feito. 
Em nome da moral cristã, a diretoria não hesitou  em solicitar ao senador Olavo Oliveira que abandonasse seus salões porque, desquitado, não era casado legalmente com a moça com quem vivia. Mesmo   os casados, tinham de andar na linha, havia a história de um casal enamorado que dançava aconchegado em seus salões. Um diretor vigilante se tocou e lhe chamou a atenção. O rapaz explicou então, candidamente, que eram recém-casados, estavam em lua-de-mel, dançava com a mulher.  O diretor pôs termo aos arroubos apaixonados com uma indagação sutil:  “e não tem cama em casa não?”


fachada do Ideal Clube, quando ainda funcionava no bairro Damas

Viam assim o Ideal Clube, bem mais liberal, capaz de receber até casais que se haviam juntado, sem as bênçãos da Igreja, nem o ciente naquele tempo  em que ainda não havia o divórcio, como espécie de sofisticado antro da corrupção.  Durante muitos anos rolou na cidade que senhora das mais respeitáveis de seu quadro social se “apaixonou” por um colar. Foi várias vezes ao joalheiro, namorar a preciosidade. Até que nas proximidades do natal, o joalheiro lhe confidenciou que se tranquilizasse, porque a joia já era sua. O marido já fizera a encomenda, só faltava vir buscar. Segundo as fofocas daquele tempo, no baile de reveillon do Ideal, a mulher, mortificada, viu o desejado colar fazendo o maior sucesso no colo de outra, que diziam ser amante do marido.
A rapaziada de classe média adorava ir ao Maguary. Eles amavam o centro do salão de baile, o chamado “miolo” do clube, onde se curtiam sem restrições, porque a diretoria fazia “vistas grossas” para os amassos dos casais.


Fachada do Comercial Clube, na Praia de Iracema

Havia também o Comercial Clube que produziu uma miss Ceará e realizava suas tertúlias nas manhãs de domingo, a que rapazes e moças compareciam devidamente trajados, homens de paletó e gravata, mulheres de longo, naquele calorão. Ao meio dia, Edilmar Norões que era frequentador assíduo e locutor da Radio Verdes Mares, anunciava que a orquestra tocaria o Hino Nacional para que todos ficassem de pé. Logo após o presidente do clube José Cláudio Oliveira, fazia uma oração patriótica porque, com frequência, estavam presentes o Governador e o Comandante da 10ª. RM.  O clube era tão importante que distribuía até títulos de Cidadão Cearense.


fotos do Arquivo Nirez
extraído do livro de Lustosa da Costa
Louvação de Fortaleza  
   

domingo, 14 de abril de 2013

A Comissão Científica, Gonçalves Dias e os Dromedários


Aspecto da Praia Formosa (atual Iracema) em 1892 (arquivo Nirez)

O poeta maranhense Gonçalves Dias (10.08.1823-3.11.1864) - esteve duas vezes no Ceará no século XIX. Numa  das vezes veio como integrante da Comissão Científica Exploradora, enviada pelo imperador Pedro II ao Ceará, para estudos e pesquisas.
Esta comissão inspirada pelo Instituto Histórico e Geográfico tinha à sua frente cientistas, como Freire Alemão, Guilherme Schuch de Capanema, Manuel Ferreira Lagos, Giácomo Raja Gabaglia (que terminou casando em Sobral com uma irmã do futuro presidente da província, Jose Júlio de Albuquerque e Barros, depois Barão de Sobral), e Gonçalves Dias, poeta e jornalista, escolhido por ser estudioso de temas históricos, principalmente ligados aos indígenas. 

A atual Rua Major Facundo no início do século XX (arquivo Nirez)

Fortaleza era então uma cidade pequena, talvez com uns quinze mil habitantes. Essa população teve motivos de sobra para se escandalizar ante o comportamento de alguns dos integrantes da Comissão, que não cultivavam só a ciência. Reverenciavam Baco e Vênus, com muito fervor.
Guilherme Capanema, que diziam ser irmão do imperador D. Pedro II, era tão bom de copo a ponto de ser (às vezes) encontrado pelas rondas noturnas em total estado de embriaguez. Outro dos seus integrantes, o pintor José dos Reis Carvalho, além de voraz consumidor de cachaça, gostava de desfilar com prostitutas na garupa do cavalo. Certo dia, alguns deles tomaram banho nus, na praia fronteira ao local onde hoje está o Passeio Público. 

 Desenhos e aquarelas retratando as paisagens cearenses, foi um dos legados da Expedição Científica. Os trabalhos são de autoria do pintor José dos Reis Carvalho. 

Não andavam vestidos como pessoas importantes, de sobrecasaca preta e chapéu alto, e sim, de camisas e ceroula. Diziam-se, então, portadores de “uniforme científico”.  Outro deles foi surrado por um marido zeloso quando encontrado no interior de uma casa de família. Dirigiam galanteios atrevidos às senhoras. Tanto aprontaram que a Comissão foi rebatizada de Comissão Defloradora.
No governo do presidente José Martiniano de Alencar, fora assinada uma lei autorizando o governo da província, a importar das Canárias ou do Egito, dois casais de camelos. A lei "não pegou". O certo, porém, é que com a presença de Capanema no Ceará, a ideia foi ressuscitada e foram adquiridos catorze dromedários, quatro machos e dez fêmeas, que chegaram a Fortaleza no dia 24 de julho de 1859, acompanhados de quatro treinadores. 

Por interferência da Comissão Científica 14 dromedários foram trazidos para o Ceará numa tentativa de aclimatá-los. A experiência não deu certo.

Os animais viriam substituir o cavalo e o boi, animais de carga, geralmente dizimados nas secas. Em princípio deveriam ser divididos em dois lotes, um destinado ao cônego Antônio Pinto de Mendonça, de Quixeramobim e o segundo ao futuro senador Francisco de Paula Pessoa, de Sobral. Terminaram ficando em Fortaleza, depois de devidamente privatizados.
A chegada dos animais causou um grande alvoroço. Tendo um deles fugido do Deposito Municipal, logo depois da chegada, por um triz escapou de ser abatido a tiros de bacamarte pros lados do Arronches. Os bichos corriam espantados quando os viam pela primeira vez. Os comboios se desfaziam na estrada, com as cavalgaduras sacudindo selas e cangalhas. Os meninos choravam assustados e muita gente se benzia e batias as portas diante da insólita aparição, a que o povo no seu espanto e ingenuidade, chamava de anticristo.

 acampamento da expedição Científica em 1859. Um dos muitos nomes jocosos conferidos ao grupo foi  Expedição das Borboletas’, numa alusão à suposta superficialidade à qual ela se dedicava.

Capanema e Gonçalves Dias decidiram ir a Baturité nos animais. Armaram na corcova do único camelo manso, uma barraca que se assemelhava a ninho de joão-de-barro com uma abertura lateral. Assim arreiado, trouxeram-no para o ponto de partida, no coração da cidade. Fizeram-no abaixar-se, e em seguida, foi devidamente peado para que não se levantasse.  Os dois viajantes vestidos à moda científica montaram no animal. Tiraram as peias, e a montaria levantou-se com tão violenta guinada para frente, seguida de outra para trás, que quase sacode os viajantes fora da caranguejola em que se achavam metidos. Compunham a caravana mais três camelos: dois carregados e um montado por dois tratadores. 
 José dos Reis Carvalho, pintor da Comissão, retratava o costume dos sertanejos, tanto em festas quanto em situações menos alegres. Não há maiores indicações sobre quando e onde essas imagens foram feitas

Os viajantes não deram conta do recado. Enjoados e cansados, abandonaram a montaria perto de Pacatuba e foram a pé, depois à cavalo, até o destino. O pintor francês F. Biard, que visitou o Brasil em 1858, contou ter visto dromedários, passeando pelas praias do Ceará e passou por mentiroso. Não era mentira, como se vê, os animais existiram. E integraram o primeiro corso carnavalesco em Fortaleza.
Habituados porém, ao areal do deserto, os animais não se deram bem com o solo pedregoso do Ceará, que lhes enchia os cascos de feridas que infeccionaram, os encheram de bichos e os levaram à morte. Não deu certo a tentativa de aclimatação dos dromedários no Nordeste. 

Do livro de Lustosa da Costa
Louvação de Fortaleza 

 imagens da expedição científica:
http://cienciahoje.uol.com.br