domingo, 14 de abril de 2013

A Comissão Científica, Gonçalves Dias e os Dromedários


Aspecto da Praia Formosa (atual Iracema) em 1892 (arquivo Nirez)

O poeta maranhense Gonçalves Dias (10.08.1823-3.11.1864) - esteve duas vezes no Ceará no século XIX. Numa  das vezes veio como integrante da Comissão Científica Exploradora, enviada pelo imperador Pedro II ao Ceará, para estudos e pesquisas.
Esta comissão inspirada pelo Instituto Histórico e Geográfico tinha à sua frente cientistas, como Freire Alemão, Guilherme Schuch de Capanema, Manuel Ferreira Lagos, Giácomo Raja Gabaglia (que terminou casando em Sobral com uma irmã do futuro presidente da província, Jose Júlio de Albuquerque e Barros, depois Barão de Sobral), e Gonçalves Dias, poeta e jornalista, escolhido por ser estudioso de temas históricos, principalmente ligados aos indígenas. 

A atual Rua Major Facundo no início do século XX (arquivo Nirez)

Fortaleza era então uma cidade pequena, talvez com uns quinze mil habitantes. Essa população teve motivos de sobra para se escandalizar ante o comportamento de alguns dos integrantes da Comissão, que não cultivavam só a ciência. Reverenciavam Baco e Vênus, com muito fervor.
Guilherme Capanema, que diziam ser irmão do imperador D. Pedro II, era tão bom de copo a ponto de ser (às vezes) encontrado pelas rondas noturnas em total estado de embriaguez. Outro dos seus integrantes, o pintor José dos Reis Carvalho, além de voraz consumidor de cachaça, gostava de desfilar com prostitutas na garupa do cavalo. Certo dia, alguns deles tomaram banho nus, na praia fronteira ao local onde hoje está o Passeio Público. 

 Desenhos e aquarelas retratando as paisagens cearenses, foi um dos legados da Expedição Científica. Os trabalhos são de autoria do pintor José dos Reis Carvalho. 

Não andavam vestidos como pessoas importantes, de sobrecasaca preta e chapéu alto, e sim, de camisas e ceroula. Diziam-se, então, portadores de “uniforme científico”.  Outro deles foi surrado por um marido zeloso quando encontrado no interior de uma casa de família. Dirigiam galanteios atrevidos às senhoras. Tanto aprontaram que a Comissão foi rebatizada de Comissão Defloradora.
No governo do presidente José Martiniano de Alencar, fora assinada uma lei autorizando o governo da província, a importar das Canárias ou do Egito, dois casais de camelos. A lei "não pegou". O certo, porém, é que com a presença de Capanema no Ceará, a ideia foi ressuscitada e foram adquiridos catorze dromedários, quatro machos e dez fêmeas, que chegaram a Fortaleza no dia 24 de julho de 1859, acompanhados de quatro treinadores. 

Por interferência da Comissão Científica 14 dromedários foram trazidos para o Ceará numa tentativa de aclimatá-los. A experiência não deu certo.

Os animais viriam substituir o cavalo e o boi, animais de carga, geralmente dizimados nas secas. Em princípio deveriam ser divididos em dois lotes, um destinado ao cônego Antônio Pinto de Mendonça, de Quixeramobim e o segundo ao futuro senador Francisco de Paula Pessoa, de Sobral. Terminaram ficando em Fortaleza, depois de devidamente privatizados.
A chegada dos animais causou um grande alvoroço. Tendo um deles fugido do Deposito Municipal, logo depois da chegada, por um triz escapou de ser abatido a tiros de bacamarte pros lados do Arronches. Os bichos corriam espantados quando os viam pela primeira vez. Os comboios se desfaziam na estrada, com as cavalgaduras sacudindo selas e cangalhas. Os meninos choravam assustados e muita gente se benzia e batias as portas diante da insólita aparição, a que o povo no seu espanto e ingenuidade, chamava de anticristo.

 acampamento da expedição Científica em 1859. Um dos muitos nomes jocosos conferidos ao grupo foi  Expedição das Borboletas’, numa alusão à suposta superficialidade à qual ela se dedicava.

Capanema e Gonçalves Dias decidiram ir a Baturité nos animais. Armaram na corcova do único camelo manso, uma barraca que se assemelhava a ninho de joão-de-barro com uma abertura lateral. Assim arreiado, trouxeram-no para o ponto de partida, no coração da cidade. Fizeram-no abaixar-se, e em seguida, foi devidamente peado para que não se levantasse.  Os dois viajantes vestidos à moda científica montaram no animal. Tiraram as peias, e a montaria levantou-se com tão violenta guinada para frente, seguida de outra para trás, que quase sacode os viajantes fora da caranguejola em que se achavam metidos. Compunham a caravana mais três camelos: dois carregados e um montado por dois tratadores. 
 José dos Reis Carvalho, pintor da Comissão, retratava o costume dos sertanejos, tanto em festas quanto em situações menos alegres. Não há maiores indicações sobre quando e onde essas imagens foram feitas

Os viajantes não deram conta do recado. Enjoados e cansados, abandonaram a montaria perto de Pacatuba e foram a pé, depois à cavalo, até o destino. O pintor francês F. Biard, que visitou o Brasil em 1858, contou ter visto dromedários, passeando pelas praias do Ceará e passou por mentiroso. Não era mentira, como se vê, os animais existiram. E integraram o primeiro corso carnavalesco em Fortaleza.
Habituados porém, ao areal do deserto, os animais não se deram bem com o solo pedregoso do Ceará, que lhes enchia os cascos de feridas que infeccionaram, os encheram de bichos e os levaram à morte. Não deu certo a tentativa de aclimatação dos dromedários no Nordeste. 

Do livro de Lustosa da Costa
Louvação de Fortaleza 

 imagens da expedição científica:
http://cienciahoje.uol.com.br

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