Praça do Ferreira, com o prédio do Majestic Palace e a residência de Luiz Severiano Ribeiro (Arquivo Nirez)
Alguns poucos dizem sempre e poucos prestam atenção: o
fortalezense, de modo geral, não dá a mínima importância a essa coisa que,
noutras partes do Brasil, é quando não preocupação, pelo menos querência das
maiorias, ou seja, apego às boas tradições. Não fora o trabalho beneditino a que se
entregaram no passado, homens como Guilherme Studart, João Nogueira, Paulino Nogueira e João Brígido, entre outros
mais, quanta coisa interessante, por muitos aspectos, inclusive o pitoresco,
não estaria totalmente ignorada, mesmo para os raros que, hoje em dia
integrantes das chamadas novas gerações, tivessem desejo de adentrar-se em
nosso passado urbano.
O que aqui vai dito é consequência das preocupações de um
homem que, ainda menino, apercebeu-se desolado, de que a nossa Fortaleza de
Nova Bragança, quarenta anos atrás, começou a ser impiedosamente sacrificada no
pouco, mas de qualquer maneira significativo, que resguardava, como lembrança
de seus primeiros anos de vida, no complexo de evolução das cidades nordestinas.
Lagoa do Garrote (arquivo Nirez)
A Lagoa do Garrote fica dentro do Parque da Liberdade (Cidade da Criança), no centro de Fortaleza
Estamos no ano de 1973, aquele que assinala o
sesquicentenário da elevação do arruado de após Martim Soares Moreno aos foros
de vila e cidade. E achamos que tudo quanto houver de assunto relativo aos
fatos da Cidade Amada deverá vir à tona, para que as novas gerações não sejam
levadas a pensar que o que hoje ai está seja obra miracular apenas da
modernidade e, sim, conscientizarem-se de que tudo é resultado do trabalho,
quase em penúria, dos primeiros que aqui se plantaram, no século XVIII, entre
as vertentes que eram duas, em que se bifurcaram, naqueles idos, às águas
rumorejantes do ribeiro de Marajaitiba, hoje o quase desaparecido Pajeú; a vertente leste, aquém da margem esquerda do
braço do riacho ainda visível nalguns trechos; a outra, mais para Oeste, que ia
ter ao antigo areal da chamada Lagoinha, mais para as bandas de Jacarecanga.
Riacho Pajeú, canalizado, poluído e degradado
Achamos que, já a esta hora, um programa de destinação
escolar deveria estar sendo organizado por quem de comprovada competência a
saber no caso, por exemplo, Manuel Albano Amora e Mozart Soriano Aderaldo, do
Instituto do Ceará, com o fim específico de levar à juventude das nossas
escolas primárias e de ensino médio, um pouco daquilo que se constitui a
história das nossas tradições e de nosso desenvolvimento.
É necessário levar ao futuro cidadão de Fortaleza nomes como
os de Barba Alardo, Governador Sampaio, José Alves Feitosa, Silva Paulet e
tantos outros, sem esquecer jamais o do Boticário Ferreira, por conta de cujo
esforço e dedicação correram os primeiros impulsos de uma cidade que João
Brígido, dela tão amante, já dizia em fins do século passado, teria uma
destinação das mais altas e nobres na vida social, política e econômica do
nosso país.
Praça dos Mártires (Passeio Público), antigos Largo da Fortaleza, Largo da Pólvora, Largo do Paiol, Largo do Hospital da Caridade e Praça da Misericórdia
É preciso levar estudantes, em obediência a um programa bem
coordenado, a verem o Quartel-general da 10ª Região, antigo aquartelamento das
chamadas tropas de linhas lusas, que aqui vieram dar apoio aos desbravadores, a
partir de Pero Coelho e Soares Moreno. Levá-los ao hoje tão sacrificado Passeio
Público, antigo Largo da Pólvora, testemunha de longo tempo da vida da cidade,
desde quando esta não era mais que um modesto burgo de meia dúzia de casas, nas
cercanias da Praça da Sé.
Palácio Episcopal - na administração do prefeito Vicente Fialho, o palácio foi
desapropriado e é hoje o Paço Municipal (foto Diário do Nordeste)
Mostrar-lhes a Catedral em construção e chamar-lhes a
atenção para o imperdoável crime que foi a demolição da igreja matriz, pobre
mais cheia da história da Fortaleza amada. Leva-los em grupos, aos terrenos
onde está o prédio do antigo Palácio Episcopal,
hoje praticamente abandonado e objeto de transação comercial, e mostrar-lhes o
pouco que ainda resta do verde de antigamente no centro da cidade, árvores
algumas delas testemunhas da nossa história, vicejando ainda às margens do cada
vez mais sacrificado Pajeú.
Conjunto arquitetônico Igreja do Pequeno Grande e Colégio da imaculada Conceição (Arquivo Nirez)
Mostrar-lhes o centenário Colégio da Imaculada
Conceição, a Praça da Escola Normal, e dizer-lhes que, há um século a bem
dizer, ali terminava o perímetro urbano e o que existia mais para o leste e
norte eram raras construções esparsas, no areal sem fim.
Mostrar-lhes as águas
sempre poluídas , do lago existente na Cidade da criança e dizer-lhes que aquilo,
no tempo da cidade menina, era a lagoa do garrote e que aquela área centro-sul
da cidade amada, segundo opinião de João Brígido e outros, foi terreno que o
vulgo denominava “marinhas”, ou porque até ali faziam suas incursões,
periodicamente, as águas do Atlântico. Essas mesmas águas, que com o passar dos
anos, se foram afastando sempre e sempre, a ponto de deixarem hoje, como terra
firme, a baixada que vai do platô que é a Avenida Monsenhor Tabosa até as ruas
e avenidas mais próximas do mar dos nossos dias. Num tempo em que os palhabotes e as sumacas, vindos dos portos do sul e do norte, encontravam acostamento
tranquilo em frente à Igreja da Prainha e as ondas do mar batiam na muralha do
forte de Nossa Senhora da Assunção.
Cruzamento das Avenidas Historiador Raimundo Girão (antiga Avenida Aquidaban) e Monsenhor Tabosa, (antiga Rua do Seminário) no encontro das duas fica a Avenida da Abolição (Arquivo Nirez)
E outras coisas assim precisam ser ditas, reavivadas, quando
não com amostragem direta, ao menos através de memórias, já que muito foi
destruído pela insânia dos que, dominados pela mística do progresso, mandaram
sempre às favas, por desinteresse ou falta de sensibilidade, o pouco que
possuímos merecedor de preservação carinhosa.
Quem viajou por esses velhos Brasis, quem morou ou apenas
demorou em cidades como o velho Rio de Janeiro, Salvador, Belém, São Luis,
Recife, há de ter notado, sem grande esforço, a existência de uma constante
afetiva, na paisagem de cada uma delas: o doce perfume da antiguidade, não já
apenas em prédios, logradouros e mesmo ruas, que são conservadas como retrato
de épocas já vividas, mas também e, sobretudo nas denominações de certas ruas,
praças e bairros.
A Rua do Rosário manteve o mesmo nome desde a época da colônia, em fins do século XVIII. É a rua mais antiga de Fortaleza
É o tributo das novas gerações àquelas que já se foram. A guarda e o zelo ao
passado, levando os de hoje a derramarem o olhar sobre o que se foi, mas
permanece de maneira inefável, por força de nomes que estabelecem pontes entre
umas e outras épocas.
O belenense dos nossos dias, inapelavelmente, fala em
Igarapé das Almas quando se refere a uma determinada área urbanizada do centro
da cidade. Na Bahia, então, a coisa é de enternecer: Água de Meninos, Rua do
Pelourinho, Itaparica e tanta coisa gostosa, e tanta coisa regional e preciosa.
O bairro conhecido como Calçamento de Messejana, Estrada de Messejana ou Estação recebeu o nome de Joaquim Távora, por decisão do prefeito César Cals, em 1930 (Arquivo Nirez)
Aqui na Fortaleza, meu Deus, como tudo é artificioso e
destituído de raízes! Onde estão os nomes e expressões antigos de bairros
pobres, hoje ricos? Quem se lembra da
Tijubana, ali para as bandas do Cemitério de São João Batista? Quem ainda fala
nos Guajirus, na zona das atuais ruas Gonçalves Ledo e João Cordeiro, parte que
demanda o chamado sertão? E o Mata Galinha? E o Alto da Balança? E o Calçamento
de Messejana? E a Itaoca e a Precabura? E o Alagadiço e o Seminário? E a Praça
dos Coelhos?
Praça José Bonifácio (Praça do Quartel da Polícia) é a antiga Praça dos Coelhos (Arquivo Nirez)
Fortaleza é por excelência, a cidade dos nomes de ruas homenageando a Deus e ao mundo. Uma cidade que não dá bolas ao passado gostoso dos que vieram antes de nós.
Há ruas, em nossa cidade, com nomes de gente que não resiste à mais superficial indagação histórica, dados numa gratuidade que encontra razão de ser, quase sempre, na bajulação, no parentesco, na demagogia, no compadrismo. O que é uma pena, e às vezes, um crime.
Praça da Sé, antiga Praça do Conselho, Largo da Matriz, Praça Pedro II, Praça Caio Prado, Praça Dr. Pedro Borges.
A Praça da Sé parece ser a primeira praça de Fortaleza, em 1726 já aparece o espaço da praça no 1° mapa de Fortaleza, atribuído a Manuel Francês.
A antiga Sé - Igreja de São José - foi demolida em 1938 (Arquivo Nirez)
Onde era a Praça do Conselho? É uma das primeiras
testemunhas do nascimento da cidade, hoje Pedro II. Onde era a Rua das Flores, que é também dos
tempos da cidade criança? Perdeu seu nome poético há muito tempo: chama-se
Castro e Silva, E como há na vida evolutiva da cidade, vários Castro e Silva, um inclusive dos tempos do Governador Sampaio, não se sabe, assim de
improviso, a qual deles diz respeito a denominação. E Rua das Flores era
denominação que vinha mesmo a calhar, sabido que dantes como ainda hoje, ligava
a velha Sé ao cemitério.
Praça Carolina, no início do século XX, depois mudada para José de Alencar (Arquivo Nirez)
A antiga praça, foi subdividida, numa parte foi construído o prédio dos Correios e Telégrafos; noutra uma agência do Banco do Brasil; e noutra o Palácio do Comércio. Sobraram alguns metros entre a primeira e a segunda construção, para uma espécie de respiradouro: é a Praça Waldemar Falcão.
Tempo houve em que, no centro urbano, encontrava-se a Praça
Carolina, depois mudada em José de
Alencar. Onde a Rua Direita dos Mercadores? Era a que é hoje por uns chamada
Sena Madureira e por outros, Conde D’Eu. E o Beco dos Pocinhos, tão das
lembranças dos cinquentões, ligando a Praça do Ferreira à da Escola Normal,
sempre enfeitado pelo branco e vermelho e o branco e azul das meninas do
imaculada e do velho estabelecimento estadual de ensino, ao tempo em que, tanto
pobres como ricos, desde que estudantes, desconheciam os luxos do transporte em automóvel.
Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco) em foto de 1910 (Arquivo Nirez)
E a Rua Amélia? E a Rua da Palma? E a Rua do Fogo? E a da
Boa Vista, a da Alegria, a Rua Formosa? E a da Trindade, a do Lago? E a
Travessa das Trincheiras, a cuja denominação uns dão foros de belicosidade de
tempos passados, enquanto outros aludem a morada, ali, de umas senhoras que se
dedicavam a preparar jantares de leitões e aves, que já enviavam trinchados a
quem os encomendava?
Este já foi o cruzamento da Rua da Palma com a Rua das Trincheiras
Está bem claro que ninguém iria desejar, de uma hora para
outra, a volta, em termos absolutos, de todas as velhas denominações.
Reconhecemos que algumas nem mesmo se coadunariam com a nossa época, nos
costumes e preconceitos de modernidade. Mas o que a municipalidade poderia
iniciar, com cuidado para lograr permanência através das administrações, era um
plano de confecção e afixação de placas identificadoras, contendo a denominação
atual, precedente ou simplesmente graciosa e, abaixo, com o mesmo destaque, a
denominação da História e da Saudade.
Crônicas da Fortaleza e do siará grande, de Otacílio Colares
livros consultados
Fortaleza Antiga praças, ruas e esquinas, de Marciano Lopes
Fortaleza Velha, de João Nogueira