quinta-feira, 21 de junho de 2012

A Esquina da Broadway e a Ferrugem

Eram tempos em que as mulheres ainda usavam saias, assim, plural, porque além da principal havia outra por baixo, a combinação, peça do vestuário feminino que caiu em desuso há muito. Mas por conta da saia, as mulheres vez por outra passavam  vexames. Qualquer descuido e lá o vento atirava a vestimenta para o alto, deixando-as no maior sufoco, enquanto lutavam em desespero para recobrir a beleza exposta.

A Esquina da Broadway em diferentes épocas: ainda com o Sobrado do Comendador Machado (demolido em 1927) no lugar do Excelsior Hotel e sem o edifício Granito 

Os desocupados de sempre, frequentadores contumazes da Praça do Ferreira, logo perceberam que na confluência das Ruas Major Facundo com Guilherme Rocha, o vento canalizava com força, aumentando a frequência  do desnudamento das recatadas senhoritas e madames. Nasceu então a Esquina da Broadway, nome da loja do Bardawil que funcionava ali. 

A mesma esquina - cruzamento das Ruas Major Facundo com a Guilherme Rocha já com o Excelsior Hotel (inaugurado em 31 de dezembro de 1931)

Era o ponto estratégico dos desocupados. Diziam que algumas jovens faziam opção pelo trajeto de modo a expor, como numa vitrine, suas formas. Mas a maioria das mulheres evitava passar por ali e, se o faziam, tomavam as devidas precauções.  Mas da mesma maneira que a esquina da Broadway – ou Esquina do Pecado, como também era conhecida – e imediações, como a calçada do futuro Cine São Luiz, cujos tapumes ensejavam também o aumento da ventania, valiam como uma passarela para o desfile das beldades, por lá passava constantemente uma figura muito popular na Fortaleza daqueles dias: a Ferrugem.
Os que viveram naqueles tempos recordam da Ferrugem, uma pobre mulher com forte perturbação mental, que cortava o cabelo a quase zero, o que aliado a seus traços fisionômicos um tanto másculos, davam-lhe uma aparência masculina.

A Esquina da Broadway com o Edifício Granito - inaugurado em 1934 - e o Abrigo Central, inaugurado em 1949. 

Na década de 60, sem o Abrigo Central, na Praça do Ferreira reformada pelo prefeito José Walter, e uma profusão de prédios nos arredores

Logo a molecagem percebeu que a mulher perdia o pouco de razão de que dispunha quando via  sua feminilidade ser posta em dúvida. E quando ela passava, os gritos da canalha podiam ser ouvidos de longe: é homem! É homem! A Ferrugem então desatinava por completo: em plena esquina do pecado, ou na calçada do São Luiz, caprichava em provar seu verdadeiro sexo.  Se as outras mulheres naquele local, se esforçavam para impedir a ação do vento, Ferrugem, ao contrário, não tinha o menor problema em exibir a magreza de seu corpo maltratado. Estava aberta a função, o espetáculo característico daquele local de Fortaleza.


fotos do Arquivo Nirez
Extraído do livro
Sessão das Quatro, cenas e atores de um tempo mais feliz
De Blanchard Girão        

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