Desde os tempos coloniais, as vilas brasileiras tinham em
suas fundações elementos que caracterizariam a presença administrativa e o
potencial de desenvolvimento da região. O pelourinho era um desses elementos,
pois justamente simbolizava a presença de uma justiça pronta para punir as
ações que fossem ao encontro de interesses metropolitanos e senhoriais. Outra edificação que era destacada nas vilas,
era a da igreja Matriz, pois simbolizava a presença da igreja católica, sempre
ávida em aumentar o número de adeptos no Novo Mundo, e controlar corpos e almas
dos fiéis.
Igreja de N.S. da Conceição em Jaguaribe-Mirim, em desenho de José dos Reis Carvalho, membro da Comissão Científica que visitou o Ceará entre 1859 e 1861.
E Fortaleza, mesmo depois do período colonial e até a
primeira metade do século XIX, travou uma batalha de décadas para ter uma
construção que servisse de matriz, e marcasse seu papel religioso como capital.
Numa sociedade inspirada por profundo sentimento de
religiosidade, o estado de suas igrejas poderia muitas vezes revelar a precariedade
das edificações em geral, notadamente numa vila pobre como Fortaleza. O bispo
de Pernambuco D. João Marques Perdigão, em visita ao Ceará em 1839, no dia 15
de agosto, foi celebrar sua primeira missa em Fortaleza.
Essa missa foi
revestida de especial aparato, dado que era oficiada pelo bispo e no preciso
dia da padroeira da capital: Nossa
Senhora de Assunção. O lugar da celebração deveria ser na Matriz. O culto
contava com um bom número de fiéis, entre eles,
nomes de destaque na administração pública e nos negócios da cidade. A
maioria em pé e alguns poucos sentados, numa disposição que era mediada pelas
diferenças sociais, diversos fiéis assistiam à missa proferida em latim.
Praça General Tibúrcio com a Igreja do Rosário ao fundo (arquivo Nirez)
Uma cerimônia religiosa desse porte só poderia transcorrer
na Matriz; mas não foi o caso. O desconforto de realizar a missa numa igreja
que não a Matriz transparecia evidente no discurso do bispo. E o motivo era
óbvio: em 1839 a capital do Ceará ainda não possuía uma Igreja Matriz,
que vinha sendo morosamente construída. O
local da celebração era a Igreja do Rosário, uma pequena capela que exercia
provisoriamente o papel de Matriz.
Na tarde do dia 17 do mesmo mês, D. Perdigão foi visitar as
obras da que seria a futura matriz de Fortaleza. Saiu decepcionado; as
observações do prelado sobre o futuro templo não foram nada estimulantes: “apesar de grande, contém alguns defeitos
essenciais, como são arco cruzeiro excessivamente alto e apertado, a capela-mor
muito estreita e o corpo da igreja muito apertado relativamente à altura”.
Mesmo na provisória matriz, a Igreja do Rosário, Perdigão
abriu a visitação numa procissão debaixo do pálio, acompanhado do clero, das
irmandades do Santíssimo Sacramento e de N. S. do Rosário, com uma plateia de
aproximadamente 1000 pessoas, incluindo o presidente da Província.
A antiga Igreja da Sé em 1914 (arquivo Nirez)
Em 1840, mesmo após a visita de D. Perdigão, as dificuldades
para a construção da matriz de Fortaleza não haviam sido superadas. Inquieto,
depois de tantos anos de tentativa, o então presidente da província Francisco
de Sousa Martins continuava buscando soluções. No ano seguinte, a obra recebia
um novo impulso. O Imperador determinou a criação de loterias para serem arrecadados 120:000$000 durante quatro anos. Nomeava
ainda, três nomes para a comissão da construção da igreja: José Joaquim da
Silva Braga, Joaquim Soares Silva e João Franklin de lima.
Enquanto a igreja matriz não era construída, a Igreja do
Rosário – a única da capital – era caracterizada como estreita. E nesse
estreito recinto, sepultavam-se vários cadáveres, de modo que os fiéis que costumavam lotar a
igreja, acabavam convivendo com um ambiente insalubre e altamente contaminado.
Igreja do Rosário atualmente (foto Fátima Garcia)
A incapacidade e a insalubridade da convivência entre mortos
e vivos no Rosário justificavam os planos provinciais para erguer na capital do
Ceará o cemitério do Croatá e a Igreja Matriz. Mas o tempo passava e a matriz
não ficava pronta. Em 1843 o presidente da província reclamava que á igreja
ainda nem havia sido concluída e suas paredes já sofriam a ação devastadora do
tempo. Em 1849, a obra foi mais uma vez
interrompida, por motivo de falta de recursos, pois a receita havia se
esgotado. No dia 21 de maio daquele ano, o Ministério do Império prometera a
extração da última loteria destinada a financiar a obra. A Matriz só foi concluída e inaugurada no ano
de 1854, com o nome de Igreja de São José.
dia da celebração da última missa na antiga Igreja da Sé. No dia seguinte, começou a demolição (foto do livro Geografia Estética de Fortaleza)
No dia 11 de setembro de 1938 a antiga Sé foi demolida. As razões da demolição eram
convincentes: uma forte rachadura nas bases da construção pelo lado do mar, levou
os engenheiros da década de 30 a emitirem o alerta de perigo. D. Manuel da Silva Gomes, então Arcebispo de Fortaleza, autorizou a demolição do templo.
Extraído do
livro
Entre o
Futuro e o Passado – aspectos urbanos de Fortaleza (1799-1850)
De Antônio
Otaviano Vieira Jr.
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