segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Dez Bairros de Fortaleza, uma Breve História

 

No início do século XX, a cidade já apresentava uma divisão por bairros em nível social. O primeiro "bairro chique" a se configurar foi o Jacarecanga, formado em sua maioria pela elite que antes residia no Centro.


Foto Brasiliana Fotográfica ( O. Justa)

Alguns tiveram seus nomes modificados ao longo do tempo, e em épocas diversas, de modo que existiam bairros cujas denominações foram apagadas do mapa da cidade, como o bairro Antônio Diogo, localizado na região do Mucuripe, hoje Praia do Futuro II, Jardim Glória no Distrito de Messejana, Cachoeirinha, no distrito de Antônio Bezerra, hoje bairro Padre Andrade, e Marupiara, no distrito da Parangaba, hoje bairro Demócrito Rocha. Mas novos bairros foram criados em função do crescimento e da expansão dos horizontes de Fortaleza. Atualmente a cidade está dividida em 12 secretarias executivas regionais e 121 bairros. Esta é uma breve história de 10 bairros de Fortaleza.

1 – O São Gerardo ocupa uma parte do antigo Alagadiço (SER 3)


Bairro São Gerardo - Lagoa do Alagadiço 


A exemplo de muitos outros bairros, o São Gerardo se formou no entorno da igreja. A primeira capela dedicada a São Gerardo nasceu da iniciativa de um grupo de fiéis, que conseguiram a doação de um terreno localizado na Avenida Bezerra de Menezes, no ano de 1924, quando o lugar ainda era conhecido como Alagadiço Grande, e ficava no percurso do bonde do Alagadiço.

A capela, inaugurada em 18 de outubro de 1925, foi reformada e ampliada em 1934, e elevada ao status de Paróquia de São Gerardo Majella pelo Arcebispo Dom Manoel da Silva Gomes. O bairro, nascido e criado a partir desse ponto, herdou o nome da igreja.

Hoje o São Gerardo é considerado de renda média, teve um período de alta valorização de imóveis e com forte perfil comercial, tendência que ficou acentuada a partir 1991 com a inauguração do North Shopping, o maior daquela região. A instalação do shopping atraiu grande número de novos comércios e prestadores de serviços dos mais variados, tendência que se reverteu em parte, devido a nova configuração da Avenida Bezerra de Menezes, que baniu estacionamentos e retornos, e dificultou o acesso aos estabelecimentos comerciais.

O São Gerardo está localizado entre os bairros Ellery, Monte Castelo, Farias Brito, Parquelândia e Presidente kennedy.


2 – O Bairro Autran Nunes era chamado de Alto do Bode (SER 11)

No início, era quase desabitado, com terrenos cobertos de mato e barro vermelho. A dona-de-casa Raimunda Sousa de Carvalho, conhece bem a história do lugar, porque foi uma das primeiras a chegar ao bairro. Moradora do Autran Nunes há mais de 40 anos, Raimunda mudou-se para a região com o marido Raimundo, e sete filhos pequenos.

Nos idos dos anos 1960, ela abriu um comércio que virou ponto de encontro. Nessa época, o bairro já era conhecido pela alcunha de Alto do Bode. Quem denominou, segundo Raimunda, foi o seu próprio marido - que morreu nos anos 1970. Pelo menos uns 50 anos antes, o casal morava ainda no bairro ao lado, o Antônio Bezerra. Nesse tempo, um vizinho, que criava bodes, sentiu falta de um par de caprinos. Deram conta de que os animais estavam amarrados no Alto do São Vicente, a região onde fica o atual Autran Nunes.

Os bodes não foram recuperados nem o ladrão localizado, mas a alcunha pegou. Mais tarde, arrependido, seu marido tentou de tudo para emplacar o nome Alto do São Vicente com placas e faixas. Foi em vão, todos conheciam por Alto do Bode. Depois, o bairro foi batizado com um novo nome: Autran Nunes, em homenagem a um juiz amigo, que promoveu algumas ações sociais em benefício dos moradores.

Localizado na zona Oeste, o Autran Nunes fica entre os bairros Antônio Bezerra, Dom Lustosa, Henrique Jorge e Genibaú.

3 – Bairro Vila União (SER 4)


Vila União - monumento ao vaqueiro

O bairro Vila União foi fundado pela prefeitura de Fortaleza em 23 de agosto de 1940. Antigamente o lugar era chamado de Barro Preto, terras de propriedade da Sra. Maria de Conceição Jacinto, natural da cidade de União, hoje Jaguaruana. Em 1938 as terras foram vendidas para o Dr. Manoel Sátiro, que loteou as terras e batizou o loteamento de Vila União.

O loteamento se expandiu rapidamente justificando a criação do bairro. Em 1942 foi criada a linha férrea que corta o bairro ligando a Parangaba ao Mucuripe; em 1965 foi inaugurada a Avenida Luciano Carneiro que se tornava o principal acesso ao Aeroporto Pinto Martins. A avenida atualmente dá acesso ao terminal de cargas do aeroporto.

O Vila União conta com vários equipamentos públicos, como parques, hospital infantil, clube social, e shoppings de revendedores. Fica entre os bairros Aeroporto, Parreão e Montese.

4 – Bairro Conjunto Ceará (SER 11)


Avenida no Conjunto Ceará

Na década de 1970, vários conjuntos habitacionais foram edificados em Fortaleza, com base na política do Banco Nacional de Habitação, que utilizava recursos do FGTS para financiar habitações populares a baixo custo. A maioria dos conjuntos foi implantada em terrenos baratos e distantes, na direção do Distrito Industrial de Maracanaú, e junto ao leito das linhas férreas – tronco Fortaleza – Maracanaú e tronco Fortaleza – Caucaia.

O Conjunto Ceará foi inaugurado em 1978, na área do bairro Granja Portugal. A exemplo de outros conjuntos habitacionais populares, o lugar era totalmente desprovido de infraestrutura, que foi sendo implantada aos poucos, mediante reivindicações dos primeiros moradores. 

As primeiras 996 casas do novo conjunto habitacional foram entregues em 1977, por meio de sorteios promovidos pelo sistema da COHAB (Companhia de Habitação), responsável pela política de construção dos conjuntos. O lugar cresceu tanto que virou bairro de Fortaleza.

O Bairro Conjunto Ceará foi criado em 11 de outubro de 1989, através da lei 6.504, que desmembrou o Conjunto Ceará da jurisdição do Bairro Granja Portugal. Segundo o Censo Demográfico de 2010, do IBGE, a população do Conjunto Ceará era de 42.894 habitantes, sendo 19.848 homens e 23.046 mulheres. Esse número de moradores era maior do que a de 141 dos 184 municípios cearenses. Depois o bairro foi dividido entre Conjunto Ceará I e Conjunto Ceará II.

5 – Bairro Pici (SER 11)

O nome Pici vem do antigo Sítio Pici, localizado às margens do Riacho Cachoeirinha, adquirido em 1927, pelo advogado Daniel Queiroz, pai da escritora Raquel de Queiroz. O bairro já teve área bem maior, com grandes sítios seguidos de grandes vazios urbanos, num tempo em que a Santa Casa de Misericórdia e a Legião Maçônica eram detentoras de grandes lotes de terrenos na região. 

A geografia do Pici mudou radicalmente no início dos anos 40 quando os extensos sítios ganharam uma vizinhança inusitada, com a instalação de uma base militar norte-americana, de onde partiam e chegavam aviões de bombardeios e dirigíveis, estranhos objetos voadores, desconhecidos do grande público, que monitoravam a costa cearense.

Depois que os americanos foram embora, chegou a universidade e ocupou parte das instalações da antiga base. Atualmente o campus da Universidade Federal ocupa a maior parte da área do Pici que abriga também importantes equipamentos esportivo e culturais, como a sede do Fortaleza Esporte Clube e do Maracatu Nação Pici.

O Pici está localizado a Oeste de Fortaleza, entre os bairros São Gerardo, Parquelândia, Amadeu Furtado, Bela Vista, Panamericano, Demócrito Rocha, Jóquei Clube, Henrique Jorge, Dom Lustosa, Padre Andrade e Presidente Kennedy.

6 – Bairro Presidente Kennedy, antigo Monte Picu (SER 3)


Parque Rachel de Queiroz - bairro Presidente kennedy - imagem G1


O Guia Turístico da Cidade, editado pela Prefeitura Municipal de Fortaleza em 1961, não registra a existência de alguns bairros localizados na zona Oeste de Fortaleza. Assinala no lugar, uma área denominada Alagadiço, delimitada ao Norte pela Avenida Sargento Hermínio; a Leste Rua Padre Frota, Rua Prof. Castelo e Rua Prof. Anacleto; ao Sul, Avenida Jovita Feitosa e a Oeste pelos limites dos Distritos de Parangaba e Antônio Bezerra. O Presidente Kennedy surgiu nessa região, provavelmente pelo parcelamento do Alagadiço, cuja área era bem maior do que a correspondente ao atual bairro São Gerardo, tido como o antigo Alagadiço.

O bairro tem sua origem na ocupação por populações vindas do interior, ficando conhecido como Monte Picu. Lá foi construído um conjunto habitacional, durante os anos 60, nomeado Conjunto Castelo Branco, para abrigar essa população retirante. No entorno do conjunto, só havia áreas verdes virgens e algumas áreas alagadas. Atualmente, poucas casas sobraram desse habitacional. Com a inauguração de um grande shopping center na região, a abertura de novas avenidas, o lançamento de unidades residenciais direcionados à classe média e a conclusão do Parque Rachel de Queiroz, o Presidente kennedy vem sendo alvo de profunda especulação imobiliária.

Limita-se com os bairros Parquelândia, São Gerado, Ellery, Floresta, Padre Andrade e Pici.

7 – Bairro Eng. Luciano Cavalcante – antigos Santa Luzia do Cocó, Salineiro do Cocó (SER 7)

Antigamente o bairro era chamado de Salineiro do Cocó, e o que mais tinha naquela região, eram salinas. Em fins dos anos 60, início dos 70, foi construída no local, o Conjunto Habitacional Santa Luzia do Cocó, pela COHAB (Companhia de Habitação Popular), utilizando recursos do BNH (Banco Nacional de Habitação).  O habitacional, com 294 unidades residenciais, representou um redirecionamento das ações do BNH, que até então era voltado para construções de conjuntos habitacionais populares para pessoas de baixa renda. O Santa Luzia do Cocó atendia a uma faixa de renda mais elevada e de maior poder aquisitivo no caso os servidores públicos municipais e estaduais. 

O terreno onde foi erguido era distante e isolado, a infraestrutura era precária e não havia serviços regulares. A população precisava se deslocar para outros bairros ou para o Centro, sempre percorrendo grandes distâncias, em busca de serviços e gêneros de abastecimento. O acesso ao transporte público era difícil, pois não existiam vias de tráfego, apenas pequenas vielas de calçamento, cercadas de mato.

Essa realidade mudou quando, nos arredores do Rio Cocó, o engenheiro Luciano Cavalcante fundou uma fábrica de canos de PVC, e por seu intermédio, foi realizada a primeira obra de infraestrutura do bairro, a eletrificação da região, que também ganhou pavimentação, abertura de novas ruas e linhas regulares de ônibus. Com estas melhorias, e as que se seguiram, outras empresas se estabeleceram no local.

O lugar se desenvolveu rapidamente a partir dos anos 80, quando começaram a surgir os inúmeros edifícios de apartamentos, casas de alto padrão, faculdades, shoppings e supermercados. O bairro foi criado oficialmente, no dia 31 de maio de 1968, através da lei 3549/68, quando o bairro Salineiro do Cocó passou a chamar-se engenheiro Luciano Cavalcante.

Localizado na zona Leste, entre os bairros Jardim das Oliveira, Salinas, Guararapes, Edson Queiroz, Parque Manibura e Cidade dos Funcionários.

8 – Bairro De Lourdes (Ou Dunas) – SER 2


Bairro Dunas

O bairro surgiu a partir de um grande loteamento, lançado pelo ex-deputado Jeová Costa Lima, que ia da Avenida Trajano de Medeiros à Dolor Barreira, por trás da Igreja Nossa Senhora de Lourdes. O acesso ao loteamento, construído no alto das dunas remanescentes da Praia do Futuro, só era possível com a utilização de uma camionete Rural, que transportava combustível para os tratores que aplainavam o terreno.

Até o ano 2000 era praticamente deserto. A partir da inauguração do marco zero, a Cruz do Cruzeiro, o lugar começou a crescer demograficamente, levando o nome da paróquia local, Nossa Senhora de Lourdes.

O bairro, de baixa densidade demográfica (apenas 3.370 habitantes em 2010 segundo o IBGE), formado de mansões e condomínios de luxo, foi criado oficialmente pela lei Municipal 8945, de 2005, desmembrado da Praia do Futuro. Fica entre os bairros Praia do Futuro, Manuel Dias Branco, Papicu e Vicente Pinzon.

9 – Bairro Jacarecanga (SER 1)


Jacarecanga - Avenida Francisco Sá

Localizado na zona Oeste, próximo ao centro, o bairro surgiu nas proximidades do riacho do mesmo nome, onde se aglutinaram em sobrados, os representantes das elites comercial e agrária, tornando-se um local privilegiado, com mansões e chácaras com plantas e fachadas copiadas de revistas e publicações especializadas europeias. 

A partir do cruzamento com a Avenida Imperador, a Travessa Municipal formava um corredor diferenciado pelo seu conjunto de luxuosas residências. Era o início do bairro. Hoje, a maioria das residências construídas no período do apogeu, foi demolida,  descaracterizada ou se encontra em precário estado de conservação.

O Jacarecanga perdeu sua condição de área nobre a partir de meados do século passado, quando a sua avenida principal, a Avenida Francisco Sá, começou a ser ocupada por uma série de indústrias de transformação e com a instalação do ramal ferroviário e das oficinas da Rede Viação Cearense. Os novos equipamentos atraíram vizinhos de menor poder aquisitivo, que se alojaram em vilas operárias ou ocuparam irregularmente as terras situadas entre a principal avenida do bairro e a zona litorânea, dando origem ao que viria ser a maior favela de Fortaleza, o Pirambu.

Fica entre o Oceano Atlântico, e os bairros Moura Brasil, Centro, Farias Brito, Monte Castelo, Carlito Pamplona e Pirambu.


10 – Bairro Prefeito José Walter (SER 8)


Bairro Prefeito José Walter  

Concluído no início dos anos 1970, dentro da mesma ótica que norteou o lançamento de vários conjuntos habitacionais, financiados com recursos do Banco Nacional de Habitação (BNH), que utilizava valores do FGTS para financiar habitações populares. O Conjunto Habitacional Prefeito José Walter, foi primeiro deles, localizado na zona Oeste de Fortaleza, construído entre 1967 e 1970.

As propagandas referentes a esses Conjuntos Habitacionais se utilizavam do sonho da casa própria, que seria construída em um local distante da cidade, porém com toda a infraestrutura necessária, como água encanada, fornecimento de energia, saneamento básico, escolas, igrejas, parques, posto de saúde, transporte. Propagandas em grande parte enganosas que fizeram com que muitos se aventurassem e fossem morar num bairro isolado localizado no distrito de Mondubim. Na realidade, o conjunto foi entregue somente com as casas.

Estes conjuntos foram fundamentais para a expansão da cidade porque, os moradores, uma vez instalados, passaram a exigir infraestrutura e serviços, os quais favoreciam a valorização dos vazios urbanos.

O habitacional começou a ser habitado em 1970, numa área originalmente ocupada pelo antigo Núcleo Integrado Habitacional do Mondubim, que era habitada por inúmeras famílias pobres. Foi projetado pelo arquiteto Marrocos Aragão seguindo o modelo de cidade planejada. Possui 4 etapas tendo o modelo original projetado com 5500 casas. Em sua inauguração foi considerado o maior conjunto habitacional da América Latina.

O Conjunto está limitado ao Norte pelos bairros Passaré e Parque Dois Irmãos; Ao Sul, pelo Bairro Pajuçara (Maracanaú); a Leste pelo Conjunto Palmeiras; e a Oeste, pelos bairros Mondubim e Planalto Airton Sena.



Fotos: Fortaleza em Fotos feitas entre 2012 a 2015

 

domingo, 11 de setembro de 2022

Cem Anos do Rádio no Brasil

 

A história da Radiodifusão no Brasil começa oficialmente no dia  7 de setembro de 1922, com a transmissão um discurso do então Presidente Epitácio Pessoa, em comemoração ao centenário da Independência do Brasil. Porém a instalação do rádio de fato ocorreu efetivamente alguns meses depois, em 20 de abril de 1923 com a criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. A existência do rádio foi possibilitada pela união de três tecnologias: a telegrafia, o telefone sem fio e as ondas de transmissão.



cartão de divulgação distribuído pela Rádio Iracema (imagem internet)

A emissora pioneira não tinha vínculos governamentais nem patrocinadores empresariais, legalmente, constituiu-se sob a forma de associação, reunindo inúmeros associados, popularmente chamados filiados, que contribuíam mensalmente com certa quantia monetária para mantê-la e cobrir as despesas normais de funcionamento.


Seus idealizadores foram intelectuais de diversas áreas, influenciados por Henrique Morize e Edgar Roquette-Pinto, e a emissora tinha uma proposta de caráter educativo, inclusive com aulas disciplinares na programação. Em fins dos anos 1920, surgiu uma outra emissora que revolucionou a maneira de fazer rádio no Brasil. Trata-se da Rádio Mayring Veiga, também no Rio de Janeiro, que se tornou a primeira emissora comercial do país e criou o rádio espetáculo, com apresentadores e cantores fixos, e programação que serviu de   modelo para diversas emissoras criadas no país naquele período.


No Ceará, a primeira emissora oficialmente instalada, foi a Ceará Rádio Clube – PRE 9, inaugurada em 1934, iniciativa do comerciante José Demétrio Dummar, sírio que migrara para o Ceará em 1910. Dummar já vinha fazendo diversas experiências para instalar uma emissora de rádio local desde 1931. Mesmo ainda não tivesse emissoras no Ceará, os aparelhos de rádio podiam captar sinais de emissoras de outros estados e até do exterior.




Fachada do prédio da Ceará Rádio Clube, em 1936, no bairro Damas  (fotos Rádio Universitária)

Programa de auditório na Ceará Rádio Clube: a partir da esquerda: Keyla Vidigal (cantora); Barbosa (locutor-radioator); Nozinho Silva (cantor); Mirian Silveira (radioatriz); Ismy Fernandes (radioatriz); Guilherme Neto (cantor e produtor); João Ramos (locutor-apresentador); Maria José Braz (radio atriz); Laura Santos (radio atriz) e Marilena Romero (cantora).
do livro de Marciano Lopes - Os Dourados Anos


A PRE-9 começou a funcionar precariamente em 1933, sendo oficializada a 30 de maio do ano seguinte.  O número de aparelhos era reduzido – na verdade, era um artigo de luxo, acessível a poucas pessoas, da mesma forma que era o aparelho de TV na época da inauguração da televisão no Ceará, em 1960 – embora, depois tenha se popularizado.


Apenas em 1948 a PRE-9 ganharia uma concorrente, com a inauguração da Rádio Iracema de Fortaleza, iniciativa dos irmãos José e Flávio Parente, associados a José Josino da Costa. A nova emissora foi instalada no Edifício Vitória, na esquina das ruas Guilherme Rocha e Barão do Rio Branco, onde ocupava o segundo andar e a “terrace” da cobertura.


O rádio viveu seu apogeu nos anos 40 e 50, e ao final da década de 1950, Fortaleza é a sétima capital brasileira com cinco estações de rádio: Ceará Rádio Clube, Rádios Iracema, Uirapuru, Verdes Mares e Dragão do Mar. Entrevista personalidades e políticos, cobre partidas de futebol, transmite concursos de misses, encena grandiosas novelas,  populariza cantores, atores e locutores e conta, para quem está em casa, as tragédias e comédias das ruas.



Prédio da Rádio Uirapuru, no centro, na esquina das ruas Clarindo de Queiroz e general Sampaio (imagem Arquivo Nirez)


Não se efetivavam inaugurações ou comemorações oficiais sem a presença de microfones. O rádio está em toda a parte, fala dos estádios, dos teatros, do Palacio da luz, do Aeroporto; não falta nem às festas públicas nem às despedidas dos que se vão.



Auditório da Rádio Nacional no Rio de Janeiro (foto agência Brasil EBC)

Um capítulo à parte no rádio cearense, foram os programas de auditório, criados na Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, e que aqui se tornaram célebres, com apresentadores e estrelas locais, apresentados nas dependências da Ceará Rádio Clube e Rádio Iracema de Fortaleza. Os auditórios eram frequentados por todas as classes sociais e até a chamada classe A comparecia, a prova eram os carrões da época estacionados em volta das sedes da PRE-9 e da Rádio Iracema: “Cadilaques, “Aero-Willys” e “Chambords”. Sem outras opções além dos cinemas e das sorveterias, os programas de auditório eram um convite à descontração e ao mais puro relax.

    

Nas palavras de Marciano Lopes, o rádio praticado no Ceará nas décadas 40 e 50, tinha o glamour que naqueles tempos coroava todos os acontecimentos relacionados com a arte. E se o rádio não tinha a magia da imagem, como o cinema e a já emergente televisão, possuía, por outro lado, o fascínio e mistério daquilo que não se vê, só se ouve.


O rádio foi o principal veículo de comunicação no Estado até 1960, quando a televisão se tornou uma realidade para os cearenses, dez anos depois de chegar ao Brasil, o que não impediu a criação de novas emissoras de rádio a exemplo da Rádio Assunção, criada em 1962.


A pegadinha de Orson Wells

 


O poder da rádio sobre o comportamento das pessoas ficou comprovado com o histórico episódio de "A Guerra dos Mundos", uma transmissão radiofônica feita nos Estados Unidos, por Orson Wells, em 1938. 

 

Na noite de 30 de outubro, a rede de rádio CBS interrompeu sua programação musical para noticiar uma suposta invasão de marcianos. A "notícia em edição extraordinária", na verdade, era o começo de uma peça de radio teatro, que não só ajudou a CBS a bater a emissora concorrente (NBC), como também desencadeou pânico em várias cidades norte-americanas. "A invasão dos marcianos" durou apenas uma hora, mas marcou definitivamente a história do rádio.


O programa narrou a chegada de centenas de marcianos a bordo de naves extraterrestres à cidade de Grover's Mill, no Estado de Nova Jersey. A adaptação, produção e direção da peça eram do então jovem e quase desconhecido ator e diretor de cinema norte-americano Orson Welles.


A dramatização, transmitida às vésperas do halloween (dia das bruxas), em forma de programa jornalístico, tinha todas as características do radio jornalismo da época, às quais os ouvintes estavam acostumados. Reportagens externas, entrevistas com testemunhas que estariam vivenciando o acontecimento, opiniões de peritos e autoridades, efeitos sonoros, sons ambientes, gritos, a emoção dos supostos repórteres e comentaristas. Tudo dava impressão de o fato estar sendo transmitido ao vivo.


A CBS calculou, na época, que o programa foi ouvido por cerca de seis milhões de pessoas, das quais metade o sintonizou quando já havia começado, perdendo a introdução que informava tratar-se do radio teatro semanal. Pelo menos 1,2 milhão de pessoas acreditou ser um fato real. Dessas, meio milhão teve certeza de que o perigo era iminente, entrando em pânico, sobrecarregando linhas telefônicas, com aglomerações nas ruas e congestionamentos causados por ouvintes apavorados tentando fugir do perigo.


O medo paralisou três cidades e houve pânico principalmente em localidades próximas a Nova Jersey, de onde a CBS transmitia e onde Welles ambientou sua história. Houve fuga em massa e reações desesperadas de moradores também em Newark e Nova York. O jornal Daily News resumiu na manchete do dia seguinte a reação dos ouvintes: Guerra falsa no rádio espalha terror pelos Estados Unidos”  

  

 

Fontes consultadas:

LOPES, Marciano. Coisas que o Tempo Levou. A Era do rádio no Ceará. Fortaleza, 1994.

Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Disponível em https://atlas.fgv.br/verbetes/radio-sociedade-do-rio-de-janeiro

Jornal Diário do Nordeste – edição de 22.12.2007

1938: Pânico após transmissão de Guerra dos Mundos. Disponível em https://www.dw.com/pt-br/1938-p%C3%A2nico-ap%C3%B3s-transmiss%C3%A3o-de-guerra-dos-mundos/a-956037


 

  


quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Feitosas x Montes - As Poderosas Famílias do Sertão dos Inhamuns

Uma das várias versões para a origem da família Feitosa, é que o tronco do clã é um português de nome João Alves, nascido numa ilha chamada Feitosa. Daí que ficou conhecido como João Alves Feitosa que um dia deu com os costados em terras brasileiras; teria, supostamente, chegado ao Brasil na primeira metade do século XVII, casando-se com uma filha do coronel Manuel Martins Chaves, alagoano de Penedo. Tiveram dois filhos: o comissário Lourenço Alves Feitosa, casado com Antônia de Oliveira Leite, e o coronel Francisco Alves Feitosa, casado com Isabel do Monte.


As Sesmarias eram terrenos doados pelo governo português para exploração e povoamento. Eram preferencialmente instaladas próximas a cursos d'água,  como o Rio Jaguaribe (foto do IBGE nos 60) 

Residentes no Engenho Currais de Serinhaém, em Pernambuco, a família Feitosa, que se supõe haver-se comprometido em levantes ocorridos na província, e temendo sofrer perseguições, fugiu para o interior do Ceará, onde se fixou nas proximidades do Icó. Lourenço Alves Feitosa, o chefe da família, que aqui tomou o título de Alferes Comissário, deixou sua família em Pernambuco e veio em companhia do irmão, Francisco Alves Feitosa, do Coronel Pedro Alves Feitosa e de Manuel Ferreira Ferro. Lourenço se estabeleceu na Fazenda Cachoeirinha, que adquiriu no riacho Cariuzinho.


Francisco Alves Feitosa se casou com uma viúva irmã do Capitão- Mor Geraldo do Monte, e em pouco tempo os cunhados se desentenderam por questões de negócios e de posse de terras. Os coronéis Francisco Alves Feitosa e Lourenço Alves Feitosa ao chegarem ao sertão dos Inhamuns estruturam a maior comunidade rural da Capitania do Ceará. O comissário Lourenço Alves Feitosa chegou a ter 22 sesmarias e com o seu irmão Francisco Alves Feitosa dominaram uma área de aproximadamente 30.000 quilômetros quadrados.


A família da esposa de Francisco Alves Feitosa, era contemporânea dos Feitosas, cujo chefe era Geraldo do Monte, procedente da Vila de Penedo, que veio para a Capitania do Ceará trazendo consigo filhos, sobrinhos e outros parentes que se espalharam pelos sertões, adquirindo fazendas de criar gado, nos últimos anos do século XVII ou início do século XVIII.

 

Francisco do Monte, irmão de Geraldo, fixou-se no Icó, e lá perdeu uma filha, que para pesar de sua mãe, foi enterrada no campo por falta de uma igreja. Seu marido para a consolar, prometeu que os restos mortais da filha seriam transferidos para uma igreja, e para isto, tratou de estabelecer um patrimônio de meia légua de terras, no centro do qual edificou uma capela a Nossa Senhora da Expectação, ainda na primeira metade do século XVIII. Algum tempo depois a capela serviu de matriz à freguesia criada no Arraial do Icó.


Igreja N.S. da Expectação, em Icó, era originalmente uma pequena capela construída por Geraldo do Monte (imagem IBGE)


Francisco Alves Feitosa, receoso da fama de valente de seu cunhado Geraldo do Monte, retirou-se para uma fazenda que possuía na ribeira dos Bastiões, e durante sua estadia naquele sítio travou relações com o chefe da tribo dos índios Jucás, que o levou a um local onde assistiam na ribeira do riacho Jucá, um dos afluentes do Jaguaribe, que se lança nele, abaixo de Arneirós.


Os Feitosas foram informados por esse irmão da grande oportunidade que era essa ribeira para a criação de gado, e resolveram solicitar por sesmaria, mas não guardaram o devido sigilo, e Geraldo do Monte, informado das descobertas feitas pelos Feitosas, então seus inimigos declarados, antecipou-se ao cunhado e solicitou a posse dos terrenos de Jucá, no que foi atendido.


Mas a concessão de sesmarias estava sujeita a prazos para ocupação, demarcação e medição das terras. Como esse prazo não foi cumprido, Francisco Alves Feitosa conseguiu, 6 anos depois, anular a concessão dada a Geraldo do Monte, obtendo a posse do território do qual fora descobridor, e providenciou a medição e ocupação.


Geraldo do Monte, despeitado com a atitude do cunhado, tentou de todas as maneiras evitar a posse dos terrenos. Depois de uma longa questão entre os dois poderosos rivais, estes acabaram lançando mãos das armas e deram início a um longo conflito entre as duas famílias. A partir dessa primeira desavença, houve uma série de confrontos que foram ficando cada vez mais mortíferos. Os chefes de uma e outra parte viviam incessantemente debaixo de armas e prontos a atender a qualquer demanda. Toda a capitania acabou sofrendo as consequências dessa luta. A população, refém, viu-se obrigada a pronunciar-se em favor de uma ou de outra parte, porque a neutralidade era vista como crime capital.


Os Feitosas abandonaram as imediações do Icó território dos inimigos e foram se aquartelar nas terras do vale do Jucá e do Alto Jaguaribe, cuja população se pronunciou a favor deles. Dos encontros sangrentos havidos entre os dois grupos, muitas localidades receberam denominações que ainda conservam, provenientes de algum episódio desta contenda. Na Ribeira do Salgado existem o Sítio das Emboscadas, Tropas, Arraial da Pendência; no Jaguaribe encontra-se o das Almas, dos Defuntos, dos Ossos, das Trincheiras, do Bom Sucesso, o Saco das Balas e muitos outros, celebrizados por algum incidente sinistro.


O conflito teve início em 1714 e terminou em 1724, depois de muitas intervenções do governo, que nomeou juízes, mediadores, ouvidores e até governadores para intermediarem a contenda. As mortes de indígenas, colonos, fazendeiros foram incontáveis, visto que não havia controle sobre os embates. Depois que o governador da capitania decidiu desarmar as duas famílias e sendo o coronel Feitosa avisado por um oficial, refugiou-se em sua fazenda Buriti, no Piauí. Já Geraldo do Monte foi forçado a abandonar sua fazenda das Cabaças, recolhendo-se ao Boqueirão, na margem do Jaguaribe, onde se supõe, terminou os seus dias.  


O comissário Lourenço Alves Feitosa, que foi o maior sesmeiro do Ceará, perdeu mulher e seu único filho, e quando faleceu deixou toda a sua fortuna para seu irmão Francisco Alves Feitosa, que passou a condição de maior latifundiário do sertão dos Inhamuns.


Sertão dos Inhamuns - imagem recente (fonte Diário do Nordeste)

Os descendentes dos Feitosas continuaram a ocupar a região, no sertão dos Inhamuns, onde fundaram a Vila de Cococi, situada dentro de uma grande fazenda. Depois foi elevado à categoria de Distrito, anexado ao município de Tauá. Em 1956, o distrito do Cococi passou a fazer parte do recém-criado município de Parambu. Pela lei estadual nº 3858, de 17 de outubro de 1957, o distrito de Cococi foi elevado à condição de município, desmembrado de Parambu.


No Censo demográfico realizado em 1960, o município do Cococi contava com 4.064 habitantes, 2.181 homens e 1.883 mulheres. Passados pouco mais de oito anos, uma nova lei estadual, a de n° 8339, de 14 de dezembro de 1965, extinguiu o município de Cococi que voltou a ser distrito subordinado a Parambu.


Casa abandonada no Cococi (imagem Pinterest)

Os motivos nunca ficaram claros: a versão mais conhecida conta que o prefeito teria cometido irregularidades como desvio de verbas destinadas ao município, o que teria desagradado ao Governo Federal, que teriam determinado a extinção. Mas podemos observar que a extinção de Cococi foi viabilizada por meio de uma lei estadual (8339), no Governo Virgílio Távora (1963-1966). Pelo mesmo instrumento legal, vários municípios cearenses foram extintos, sendo que a maioria teria essa condição revogada mais tarde, recuperando o status de cidades com autonomia administrativa. 

   

Na sua curta existência como município, Cococi teve 2 prefeitos, ambos da família Feitosa. O município estava instalado em terras particulares, de uma única família. À época da extinção, o prefeito, secretários e vereadores tinham todos o mesmo sobrenome Feitosa. Tinha uma boa estrutura, contava com prefeitura, câmara municipal, uma praça, hotel, cartório, posto fiscal, escola, amplas residências e uma igreja matriz.


Igreja de N. S. da Conceição, no Cococi, construída em 1771 pelo coronel Francisco Alves Feitosa. (imagem Diário do Nordeste)

A cidade e atual distrito do Cococi nasceu com a chegada dos Feitosas e morreu aos poucos, à medida que eles se foram. Dos velhos tempos, restaram a igreja matriz, uma meia dúzia de moradores, e quase nenhuma expectativa, a não ser a vinda de alguns curiosos, que de vez em quando visitam as ruínas e o velho cemitério, que paradoxalmente, são as maiores atrações do lugar.

 

Fontes consultadas:

O Clã dos Inhamuns, de Nertan Macedo. Edições UFC, 1966

IBGE – Enciclopédia dos Municípios Brasileiros – 1959

O Ceará dos Anos 90, censo cultural.

A Memória dos Conflitos Territoriais entre Famílias na construção da Sociedade nos Sertões dos Inhamuns, de Cristiane e Castro Feitosa Melo. Disponível em  https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/24857/3/2012_art_cecfmelo.pdf