No mesmo ano da inauguração do cine Majestic Palace (1917),
veio à tona a primeira greve cearense realmente operária, a dos trabalhadores
da Ceará Light and Power, movimento que se repetiria em 1918, 1925 e 1929.
Antes já houvera as paralisações dos trabalhadores da Estrada de Ferro Baturité
em 1891, e a dos catraieiros, em 1904.
No período em questão, o movimento operário no país, como um
todo, revitalizava-se com as greves gerais anarquistas, a influência da
revolução bolchevique na Rússia em 1917 e a emergência do Partido Comunista
Brasileiro, em 1922. Em Fortaleza, para fazer frente à politização do
operariado, o patronato local criou o Centro Industrial Cearense em 1919.
Grupo Escolar Visconde do Rio Branco, fundado em 1919
O problema da educação, ponto de vital importância para a
produção do novo trabalhador que se desejava treinado, competente e civilizado,
não podia ficar de fora das estratégias dos setores governamentais. Nesse
sentido o governo de Justiniano de Serpa (1920-1923), realizou ampla reforma do
ensino primário através do educador paulista Manuel Bergstrom Lourenço Filho,
especialmente contratado para esse fim.
Ressalte-se, porém, que a reorganização
do sistema educacional empreendida por Lourenço Filho não se limitava apenas à
educação pública. Outros itens considerados básicos e indissociáveis também
foram observados, como higiene, arejamento e conforto das salas de aulas e
novos edifícios colegiais.
Grupo Escolar do Benfica, inaugurado em 1923
Como o embelezamento da cidade compunha o dispositivo
disciplinar urbano que envolvia saúde-saneamento-racionalidade, as novas
escolas ganharam estilo neocolonial – numa tentativa de criar uma versão
nacional do ecletismo arquitetônico – projetado pelo arquiteto Armando
Oliveira, do Rio de Janeiro.
De fato, o aformoseamento continuou como uma das questões
centrais do anseio de remodelação urbana da Capital. A década de 1920
evidenciando as preocupações nesse sentido viu surgirem expressivas obras
públicas e privadas, que reformulavam os espaços e criaram outros. Dentre esses
espaços estavam o Parque da Liberdade, a nova reforma da Praça do Ferreira e a
constituição de bairros elegantes.
Praça do Ferreira em 1919, com o Cine-Teatro Majestic Palace e o Café Elegante. O café, juntamente com outros três que ocupavam os quatro cantos da Praça, foram demolidos no ano seguinte, na reforma promovida pelo prefeito Godofredo Maciel.
O Parque da Liberdade, na antiga lagoa do Garrote, localizado
no centro urbano de então, recebeu completa reforma em 1922. Realizada por
Ildefonso Albano, que substituíra Justiniano de Serpa, falecido em 1923, o
Parque veio repartir as opções de lazer com o Passeio Público. O logradouro
recebeu cerco de gradil de ferro, muretas de alvenaria em estilo colonial,
grande portão de entrada com azulejos portugueses e demais ornamentos internos.
No alto do portão da entrada principal,
deveria ser implantada uma cópia em tamanho pequeno da Estátua da Liberdade, de
Nova York, sendo, no entanto, substituída por um índio que partia dos grilhões
da submissão colonial.
Na gestão de José Moreira da Rocha (1924-1928), além da
inauguração do serviço de abastecimento de água e esgotos, obra que se
arrastava desde o início do século, foi procedida ampla reformulação da Praça
do Ferreira, a principal da cidade. A obra foi exigida por motivos higiênicos e
estéticos, mas, sobretudo, para racionalizar a circulação de pedestres, bondes
e automóveis.
A nova praça do Ferreira também recebeu amplo piso de
ladrilhos, mas sacrificou os quatro quiosques, tipo chalés de madeira, que se
localizavam nos quatro cantos da praça.
Avenida Pessoa Anta
Em 1927 concluía-se um sistema de avenidas ligando o centro
à praia. Em seu trajeto as novas vias passavam pelo Quartel Federal, Praça da
Sé, Alfândega, armazéns de exportação e
Secretaria da Fazenda.
O projeto das avenidas não alterou o traçado da cidade,
posto que foram aproveitadas vias já existente, mas com ocupação rarefeita
(valorizando, consequentemente, os terrenos desocupados da área). Estas vias
que se transformam em avenidas nos anos 20, já estavam previstas na planta
urbanística feita por Adolfo Herbster em 1875, cujo plano em forma de xadrez,
antecipou o crescimento disciplinado da cidade, sem necessidade de grandes
intervenções urbanas.
A Avenida Duque de Caxias é uma das três avenidas mais antigas da cidade - era um dos boulevards criados por Adolfo Herbster, na Planta da Cidade de Fortaleza e Subúrbios, de 1875
A planta de Herbster, porém, foi perdendo sua força
sistematizadora ainda naquela década, principalmente a partir dos anos 1930.
Estudiosos dos dias atuais, que se debruçam sobre a formação
do espaço urbano de Fortaleza, concordam que a Capital sofre um crescimento
desordenado a partir dos anos 30. Diante
da constatação do problema, em 1932, o Prefeito Tibúrcio Cavalcante alerta
sobre a necessidade inadiável de ser adotado um plano de sistematização urbana.
Coube, porém ao sucessor, Raimundo Girão, contratar o arquiteto Nestor de
Figueiredo, cujo plano de remodelação, o primeiro depois de Herbster, foi
abandonado na gestão municipal seguinte, do prefeito Álvaro Weine, sob a
alegação de que a cidade precisava de outras realizações mais necessárias.
No que diz respeito às camadas dominantes, a expansão e a
movimentação pública do perímetro central nos anos 20 foram suficientes para
fazê-las se transferirem do centro para áreas periféricas desocupadas. Estas
redundaram na formação dos primeiros bairros ricos.
Avenida Philomeno Gomes, no Jacarecanga
Na verdade, o deslocamento burguês começou lentamente a
partir de 1915, poucos anos após a revolta urbana de 1912, em razão do medo
causado pelas depredações, saques e incêndios e no momento da entrada de
flagelados na Cidade, vindos do sertão, devido a seca de 1915.
As primeiras mansões levantadas no lado oeste da cidade, no
arrabalde de jacarecanga, aproveitando a continuação da Travessa Municipal
(atual Rua Guilherme Rocha).
A ocupação do Jacarecanga e, em menor escala, da Praia de
Iracema pelas elites a partir da década de 20, configura o surgimento dos
primeiros bairros elegantes da Capital, delineando com maior visibilidade os
novos espaços burgueses e reforçando a segregação sócio-espacial entre ricos e
pobres.
Inquestionavelmente, naquele final de Primeira República, a
tensão social entre os diversos segmentos sociais urbanos se agravou em
Fortaleza, como de resto em todo o país. O perímetro central crescia com o
movimento acelerado de carros, lojas, armazéns, oficinas, cinemas, parques e
clubes.
O movimento da multidão na Capital também se adensou – a
população em 30 atinge os 100 mil habitantes – e na sua maior parte era formada
pela massa que o poder procurava
disciplinar - e que ao mesmo tempo produzia operários e demais categorias de
trabalhadores, os desempregados, os mendigos, os menores abandonados, as
prostitutas e todos os pobres em geral, com suas aparências e comportamentos
tidos como selvagens, nocivos e inadequados.
Avenida Santos Dumont
A resistência das camadas populares ante os variados mecanismos
disciplinadores que lhe afetavam cotidianamente tanto nos espaços públicos como
privados, expressou-se sob as mais diversas formas: além das já apontadas,
houve relutância em receber vacinas, a conservação de certos hábitos, crenças e
posturas, o desapego ao trabalho sistematizado. Mas houve também resistência
por parte das classes dominantes, pois se tratava de um enfrentamento de forças
sociais em todas as horas, dias, lugares e relações.
fotos do Arquivo Nirez
Extraído do livro de Sebastião Rogério Ponte
Fortaleza Belle Epoque: Reformas Urbanas e Controle Social
(1860-1930)