sábado, 11 de agosto de 2012

Espaço Urbano de Fortaleza e distribuição espacial das Classes Sociais


O crescimento de Fortaleza se deu de forma rápida, desordenada e sem planejamento, com grandes disparidades sociais e mais recentemente, com especulação imobiliária. A própria formação espacial da cidade evidenciou a questão da segregação e diferenciação social e de classes – ou seja, áreas ocupadas por determinadas camadas sociais e com tratamento diferenciado pelo poder público.

 Familia no Passeio Público em 1908  (foto do álbum de vistas do Ceará)

 O Passeio Público foi um dos primeiros espaços segregados da cidade. No inicio do século XX, foi rodeado de grades, e dividido em três planos ou avenidas.
A elite frequentava a Avenida Caio Prado, de frente para o mar.
A classe média frequentava a parte central denominada Avenida Carapinima,e os pobres ficavam na Avenida Padre Mororó.(arquivo Nirez)
 
Os migrantes e as camadas pobres se alojavam preferencialmente na periferia da cidade, especialmente nas zonas oeste e sul, nas proximidades de ferrovias, nas estradas de acesso à cidade e nas praias. Ocorria, não raras vezes, a ocupação de dunas e das margens de riachos e lagoas, gerando complicações ambientais com a destruição daquelas áreas e problemas sociais com inundações dos casebres em épocas chuvosas. Essa situação se verificava comumente na região ribeirinha do rio Cocó, atingindo moradores do Lagamar e da Aerolândia, antigo Campo da Aviação.

parte da comunidade do Lagamar, instalada às margens do Rio Cocó (foto arquivo do Blog) 

Na região Oeste, onde as áreas até então não tinham urbanização nem contavam com infraestrutura, os terrenos tinham preços mais em conta para as massas, que em muitas oportunidades os ocupavam clandestinamente, daí a urbanização irregular, com a propagação de lotes de tamanhos irregulares, casas modestas e favelas, becos e ruas estreitas, tortuosas e sem saída, inexistência de espaços públicos e áreas de lazer.  Nestas áreas era comum a existência de chafarizes com filas enormes para obter água, ou de cacimbas nos quintais,  (perto de fossas), montanhas de lixo, terrenos baldios, logradouros sem calçamento ou saneamento. A atenção do poder público era mínima.

 Rua no Pirambu (arquivo do Blog)

Na periferia, eram raros os supermercados. Os produtos essenciais e gêneros alimentícios eram oferecidos por pequenas unidades familiares de comércio, as bodegas. Normalmente o estabelecimento funcionava na frente da casa, enquanto o bodegueiro e sua família moravam na parte de trás. O sistema de pagamento era o fiado, ou seja, o freguês comprava antecipadamente, o valor era anotado em cadernetas para ser pago quando saísse o salário.
Não por acaso, nestas áreas periféricas da zona Oeste, várias fábricas se instalaram, de têxteis, de confecções e de beneficiamento de óleos vegetais, a exemplo dos bairros Antônio Bezerra, Parangaba e, sobretudo, na Avenida Francisco Sá, que na verdade corresponde ao conjunto de favelas do Pirambu.  

 Fábrica de Tecidos São José, de propriedade de Pedro Philomeno Ferreira Gomes. Instalou-se em 1926, no bairro Jacarecanga

A ideia das indústrias era aproveitar a disponibilidade de terrenos de baixo preço e explorar a farta e barata mão-de-obra da zona oeste. As indústrias instaladas, por sua vez, atraíam mais pessoas humildes em busca de trabalho, as quais, em virtude dos baixos salários, dificuldades de obter moradia própria ou pagar aluguel, acabavam se deslocando para as favelas.

 Fábrica Brasil Oiticica, que em 1934 foi instalada na Avenida Francisco Sá.(foto IBGE)

Processo parecido, de instalação de indústrias, deu-se num trecho da zona leste, no entorno do Porto do Mucuripe, pela óbvia facilidade de transporte. Também naquele trecho  surgiram vários bairros operários e favelas, visto que o Porto e as indústrias necessitavam de muitos trabalhadores braçais.
Com a construção do Porto do Mucuripe na década de 1930/40 e depois da Avenida Beira Mar, nos anos 1960, a zona de meretrício, até então localizada no entorno do Arraial Moura Brasil e Poço da Draga, foi se deslocando para a área do farol do Mucuripe (Serviluz), enquanto os pescadores eram empurrados para o alto das dunas e para a Rua Manuel Jesuíno, onde havia sido erguida em 1945, a Vila dos Estivadores.

 Casa de jangadeiro na Praia do Meireles. Nos anos 1960, com a súbita valorização da área, os jangadeiros foram obrigados a morar noutros locais. (foto IBGE)

A formação de favelas foi provavelmente, a única maneira dos migrantes ficarem em Fortaleza. Normalmente, assim que chegava à cidade, o migrante permanecia por um pequeno período em casa de amigos ou parentes. Depois, ao resolver a questão onde morar, acabavam se fixando numa favela ou ocupando um lote vago, erguendo casebres frágeis, geralmente de taipa, com cobertura de zinco ou palha. Se o Estado ou particulares não criassem problemas, a ocupação avançava, atraindo outras pessoas em situação semelhante. Acontecia também de pessoas sem renda, instalarem seus casebres em espaços públicos, destinados às ruas e Praças, situação em que os proprietários vizinhos não podiam reclamar, pois seus lotes estavam livres.  Esta situação criava problemas de circulação e irritava os setores imobiliários, pela desvalorização da área, provocada pela proximidade da invasão.
Em 1953, calculava-se em 18.100 o número de habitações do Arraial Moura Brasil e do Pirambu onde moravam, sobretudo, pescadores, operários, e outros trabalhadores sem qualificação, onde  muitas das casas ali existentes, foram erguidas sobre as dunas.

Casas construídas sobre as dunas: no Pirambu...
e na Barra do Ceará (fotos arquivo do Blog)

No início dos anos 1960 acirrou-se a disputa por terras no Pirambu. Moradores denunciavam a pressão e a violência praticadas por supostos proprietários dos terrenos, que exigiam a saída da comunidade – na verdade, era a especulação imobiliária na área, visto que a maioria das pessoas morava em terrenos da União.
Diante dessa ameaça, lideres comunitários, muitos deles ligados à Igreja Católica, como o Padre Hélio Campos e ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), se articularam, para garantir às famílias a posse legal dos seus pequenos lotes de terra. A 1° de janeiro de 1962, foi organizada a Marcha do Pirambu sobre Fortaleza, com cerca de trinta mil pessoas dirigindo-se ao centro para chamarem a atenção da sociedade e das autoridades  sobre os problemas da comunidade.

 Padre Hélio Campos, um dos grandes benfeitores do Pirambu

Apesar do medo que o evento provocou entre os setores abastados da cidade, não houve  nenhum confronto, tratando as elites e a Igreja de evitar qualquer  ato de radicalismo. Emissoras de rádio acompanharam o evento, a população em geral foi convocada para participar daquele evento, por um mundo melhor, e o próprio bispo da capital, Dom Antônio Lustosa, esteve presente. A Marcha do Pirambu foi um sucesso – em maio de 1962, no governo do presidente João Goulart (1961-1964), foi baixado um decreto desapropriando a área.

Extraído do livro de Artur Bruno e Airton de Farias
Fortaleza: uma breve história

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