domingo, 23 de agosto de 2015

Você doou Ouro para o Bem do Brasil?

Em 1964 uma crise política alicerçada por uma inflação devastadora, contribuiu para a eclosão de um golpe de estado que levou o Exército a comandar o país na figura do marechal Humberto de Castelo Branco. Os cofres públicos estavam vazios e o Brasil sem reservas cambiais que pudessem conter a alta exorbitante do dólar.

O cinquentenário da Campanha Ouro para o Bem do Brasil ocorreu em 2014

Diante do quadro desolador, os Diários Associados – grupo empresarial de mídia comandado por Assis Chateaubriand – buscando quem sabe, aproximação com os novos governantes, lança uma campanha na qual os brasileiros doariam suas joias em ouro recebendo em troca alianças de latão e um diploma com os dizeres: “Doei ouro para o bem do Brasil”.  A ideia era obter lastro para a moeda nacional com o ouro arrecadado.

Com chamadas e campanhas pelo rádio e televisão, mais os jornais do então poderoso grupo empresarial, a população mais humilde de São Paulo, especialmente, se comoveu com a situação difícil da nação brasileira, se mobilizando mais uma vez em um ato de cidadania. Sugeria-se que as pessoas, sendo casadas, dessem suas alianças de ouro em troca de outras em metal com a gravação da campanha símbolo da Tupi.

Assis Chateaubriand (de branco) líder do grupo empresarial "Diários Associados"
 
Muitos fizeram isso e houve ainda quem doasse colares, brincos e outros objetos de ouro, até dinheiro do próprio bolso, para ajudar o país a se levantar dos infortúnios vividos no período que antecedeu à “Redentora”, denominação dada ao golpe de estado pelos favoráveis ao novo regime, que também foi chamado em outros setores de “Revolução de 1964”.

O nome para a campanha foi inspirado em outro movimento realizado durante a Revolução Constitucionalista de 1932, onde a população doou “Ouro para o bem de São Paulo”, criando uma “moeda paulista” que circulou em todo o Estado durante o boicote comercial imposto pela ditadura Vargas, impedindo São Paulo de efetuar qualquer atividade em nível nacional.

O lançamento da versão “Ouro para o Bem do Brasil” aconteceu no início de 1964 e contou com o apoio de uma parte da população e também de algumas empresas. Prefeituras chegaram a promover manifestações com desfiles em vias públicas onde escolares portando faixas, exibiam dizeres alusivos à campanha. 

Em 13 de junho de 1964, a revista “O Cruzeiro”  apresenta um balanço parcial informando que mais de 400 quilos de ouro e cerca de meio bilhão de cruzeiros haviam sido doados pelo povo e por autoridades civis e militares: “... a campanha, primeiro grande movimento dos ‘Legionários da Democracia’, foi aberta com a presença do senador Auro Soares de Moura Andrade, presidente do Congresso Nacional, que recebeu do Sr. Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Associados Paulistas, a chave do cofre em que será colocado o ouro e as doações em dinheiro que serão entregues, posteriormente, ao presidente da República, Marechal Humberto Castello Branco...”

“O Governador Adhemar de Barros doou, de livre e espontânea vontade, os seus vencimentos do mês de abril, num montante de 400 mil cruzeiros...”, informa ainda a publicação, salientando que mais de 100 mil pessoas fizeram doações desde as mais modestas, até as mais abastadas, depositando cheques de até 10 milhões de cruzeiros, vindos também de várias firmas, além de carros oferecidos pela indústria automobilística nacional, e inúmeras outras doações de grande monta.

As TVs Tupi Canal 4 e Cultura Canal 2, pertencentes aos associados, transmitiam ao vivo da sede da empresa, com o repórter, José Carlos de Moraes, o “Tico – Tico” narrando que os populares que doavam objetos de ouro de uso pessoal, tais como alianças, anéis e outros, recebiam em troca uma aliança de metal com os dizeres: ‘Doei Ouro para o Bem do Brasil’.

Quem doou uma aliança de ouro ganhou, como compensação, uma aliança de latão

Apesar da campanha, seguimentos mais esclarecidos da sociedade não se mobilizaram, evidentemente porque era previsível que não se alcançaria um valor suficiente para cobrir as reservas cambiais de um país do tamanho do nosso, suprindo aquilo que se arrecada nas atividades do comércio, da indústria e da agricultura que geram empregos e proporcionam os negócios de exportação e importação, estes sim capazes de tocar a economia.

Claro que a campanha não foi adiante, entretanto jamais foi informado sobre o que foi feito com todo ouro e o dinheiro arrecadado. Por parte do governo não houve sequer a uma nota de agradecimento.Em lugar nenhum da internet, ou nos arquivos dos jornais, encontramos números definitivos dessa campanha e nem o que aconteceu com o montante obtido junto aos abnegados contribuintes.  Nunca se soube do paradeiro da chave do cofre da campanha, entregue ao senador Moura Andrade, ou se ele ficou com ela de fato. Isso nos leva a crer que a campanha “Ouro para o Bem do Brasil” não passou de um golpe aplicado contra a população honesta, mais uma malandragem entre tantas, na história do país e o pior, com o uso da mídia.

Se hoje achamos que a ladroeira alcançou níveis nunca vistos, a história dessa campanha dos Diários Associados deixa claro que a picaretagem sempre agiu solta e o que muda é a maneira como se aplica o golpe.  O lamentável é que pessoas honestas, pais de família e suas esposas que doaram as alianças que simboliza a união abençoada por Deus entre os casais, foram enganados não para o bem do Brasil, mas daqueles que enriqueceram sem que o assunto fosse sequer apurado.


A Campanha Ouro para o Bem do Brasil teve alcance nacional, e em Fortaleza, a coordenação esteve a cargo da TV Ceará, afiliada dos Diários Associados, cabendo a Igreja Católica a arrecadação de ouro junto aos fiéis.


Fonte:

http://www.jornalmovimento.com.br/geraldo-nunes/245-na-campanha-ouro-para-o-bem-do-brasil-populacao-foi-enganada-e-nunca-se-soube-onde-foi-parar-o-dinheiro-

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Fortaleza no Tempo das Pensões Alegres

Fortaleza, como todas as cidades do mundo, sempre teve prostitutas. Claro que, nos primórdios tudo era muito escondido. Nos séculos XVIII e XIX as adolescentes escravas resolviam as taras dos elementos masculinos no próprio ambiente doméstico, com a conivência silenciosa da Sinhá. Mesmo depois da escravatura as criadas continuaram a serem as iniciadoras das práticas sexuais dos rapazes de família. Muitas foram vítimas de uma macabra receita para curar blenorragia, o chamado “esquentamento”. Naqueles tempos anteriores à penicilina, corria a lenda de que, para se curar a indesejada doença venérea era preciso fazer sexo com uma virgem. Dá pra imaginar o tamanho da propagação da temida DST desde os tempos coloniais.

Há noticias de francesas e polacas que teriam desembarcado na capital, vindas do Recife e que, alojadas em sítios da Aldeota (na época, quase uma floresta) e do Benfica, serviam a certos figurões da sociedade. Depois que envelheciam, recebiam qualquer um por qualquer preço.

sobrado onde funcionou a Pensão de Dona Amélia Campos 
(foto Fortaleza em Fotos)

 Nos anos 40, na Pensão da Amélia Campos, chegou uma francesa que não falava nada de português. Como a função dela não era propriamente falar, o idioma não seria empecilho. Um comerciante rico, foi abordado pela francesa nestes termos – “voulez-vous coucher avec moi?” O homem se apavorou com o que entendeu como proposta estranha e foi comunicar a um amigo, professor do Liceu:
 – esta francesa é doida, me perguntou “se eu sei fazer a cocheira velha miar”. O que diabo é isso? O professor se aproximou da mulher e esta repetiu a pergunta, que foi rapidamente traduzida pelo professor como “você quer dormir comigo?” 

O Palacete Guarani acolheu uma das mais famosas pensões de Fortaleza, a Boate Guarani (foto Fortaleza em Fotos)

Mas a maioria das mulheres que exerciam o meretrício era prata da casa, as filhas de sertanejos, expulsas do interior pelas secas e privações de toda sorte.A reação das senhoras do lar era veemente. Todas se benziam e faziam um ar de repugnância quando se referiam às “mulheres do mundo”, as “decaídas”. As próprias prostitutas assumiam sua lastimável condição, usando expressões como “quando eu me perdi”, “fulano me fez mal”.

Outras mudavam de profissão, talvez pela melhor remuneração, ou pela menor dificuldade no trabalho. Foi o caso da mulher que um dia  encontrou na feira, sua ex-empregada, Graça. Apesar de ter notado a maquiagem carregada e a saia muito curta, não se apercebeu de sua nova profissão, cumprimentando-a com carinho. Mas Gracinha resolveu aproveitar a oportunidade de reencontrar a patroa para mandar um recado para o ex-patrão: Dona Maisa, diga ao seu marido, que eu agora virei puta. Mas lembre a ele que, lá no cabaré não me conhecem como Graça, não. Meu nome lá é Pirrita. 

 Painel recuperado durante a reforma do sobrado Dr. José Lourenço, na Rua major Facundo. Herança do tempo em que o sobrado abrigou a Boate Marajó na década de 1950. (foto Fortaleza em fotos)

Quando ocupou a chefia de polícia, ainda nos anos 30, o capitão Cordeiro Neto procurou tirar as meretrizes das ruas, que não puderam mais pegar clientes no centro da cidade. Os cidadãos abastados, trabalhando em causa própria, conseguiram uma solução para o problema: as mulheres de melhor aparência se instalariam discretamente no Centro, nos altos dos velhos sobrados das ruas Major Facundo e Barão do Rio Branco. É que esses velhos casarões, antigas residências dos barões do final do Século XIX e começo do Século XX tinham sido desocupados quando, a partir dos anos 20, Fortaleza sofrera a primeira grande mudança espacial, com o surgimento dos bairros do Benfica, do Jacarecanga e da Praia de Iracema. Para lá se mudaram as famílias ricas e seus antigos solares viraram casas comerciais. Mas o comércio só ocupava o térreo, ficando os altos vazios. Quando do Decreto do chefe de Polícia, surgiram arrendatários para esses sobrados e ali foram montados os cabarés. 

Rua General Sampaio na descida de acesso ao Curral das Éguas 
(arquivo Nirez)

  Por outro lado as raparigas em fim de carreira, velhas e desdentadas, foram situadas num gueto infame conhecido por Curral das Éguas, numa larga faixa de terra que compunha o Arraial Moura Brasil e que começava logo abaixo da Ladeira da Misericórdia, tomando toda a área do Morro do Moinho e grande parte da Avenida Leste Oeste. Era um amontoado de casebres desalinhados em inúmeros becos infectos, e certamente, perigosíssimos. O velho Curral, no entanto, consolava as vontades dos amantes humildes, soldados, estudantes lisos, vendedores ambulantes, carregadores, velhinhos de minguada aposentadoria e desocupados em geral.

Rua Franco Rabelo, na zona de baixo meretrício (Nirez)
O cabaré é normalmente, um lugar onde se dança e bebe, uma casa noturna onde se assiste a espetáculos de variedades. Nas décadas de 40, 50 e 60 as casas que em Fortaleza, mais se aproximavam da ideia de cabaré, pois além da prostituição ofereciam a diversão artística, eram a América, a Império, a Monte Carlo, a Nena, a City, todas localizadas na Rua Barão do Rio Branco. A Ubirajara, a Estrela, a Fascinação, ficavam na Rua Major Facundo. A Amélia Campos, na Rua Pedro Borges; a Olímpia, na Rua Senador Alencar, a Cristalina na Rua Floriano Peixoto e a Casa de Mme. Nininha, na Rua Castro e Silva. 

O fato dos cabarés ficarem nos altos dos prédios, atendia à questão do isolamento das profissionais do sexo da chamada sociedade regular. Uma ocorrência do final dos anos 30, explica a origem de famosa expressão ainda hoje corrente em Fortaleza. Uma das lojas da Rua Floriano Peixoto sofreu um incêndio em plena manhã de sábado. Nos altos do sobrado havia uma pensão de mulheres. As inquilinas, que tinham trabalhado até de madrugada, ainda dormiam quando começou o alvoroço na rua. Populares tentavam apagar o fogo com baldes d’água, enquanto as chamas subiam perigosamente, já ameaçando o sobrado. As mulheres, despertadas pelos gritos da multidão, do alto das janelas, pediam socorro, braços erguidos, descabeladas, ainda em seus trajes de dormir, gritavam no maior desespero: salvem a gente pelo amor de Deus!!! .Foi quando um gaiato, numa explosão de sadismo, gritou da rua: “Queima Raparigal”  

  
A Rua Barão do Rio Branco com seus inúmeros sobrados. Quando os proprietários se mudaram do Centro, os casarões ficaram disponíveis para o comércio de dia e para as pensões à noite. (postal antigo)

Nos altos do Palacete Guarani (na foto acima, o prédio com telhado inclinado), construído no início do século XX, funcionou a partir dos anos 50, a Boate Guarani, uma grande casa de espetáculos. Promovia festas especiais em que as mulheres eram praticamente uniformizadas, pois embora com modelos diferentes, seus vestidos naquela noite tinham a mesma cor. No aniversário da madame era o Baile azul. Mas tinha no decorrer do ano tinha o baile vermelho, o cor-de-rosa, e assim por diante. 


extraído do livro
Sábado, estação de viver - histórias da boemia cearense,
de Juarez Leitão 

   

domingo, 16 de agosto de 2015

Os Antigos Cafés eram redutos de Intelectuais

Fossem  nas grandes capitais ou em pequenas cidades, os cafés e bares eram pontos de encontro e muita conversa fiada em torno dos mais variados assuntos, alguns de grande, outros de nenhuma importância. E eram nos cafés que ocorriam as grandes discussões sobre literatura e os assuntos relevantes da época. Os bares e cafés eram redutos masculinos, a única mulher que era vista nesses estabelecimentos do centro, se chamava Rachel de Queiroz, isso a partir dos anos 30.


Praça do Ferreira cruzamento das ruas Major Facundo e Guilherme Rocha. O sobrado mais alto, à esquerda, pertenceu ao comendador Machado, onde no térreo, funcionava o Café Riche. Na outra esquina, em frente ao sobrado, ficava a Maison Art-Nouveau. Atualmente, nesse mesmo cruzamento estão o Excelsior Hotel e o edifício Granito. Foto da 1ª metade dos anos 20 

As constantes modificações nos hábitos urbanos contribuíram para o desaparecimento dos cafés, espaços de alta expressão na vida das cidades, como foco de debates de ideias, de comentários políticos e às vezes de mexericos sociais. Alguns desses cafés, permaneceram por longos anos, servindo como ponto de encontro da elite intelectual  de Fortaleza. 

Café Java


Foi um dos pioneiros e o mais famoso deles. Por volta do ano de 1892, a boemia elegante e intelectual que marcou época em Fortaleza, fazia sua parada obrigatória no Café Java, um quiosque modesto, armado no canto da Praça do Ferreira, em frente ao edifício da Rotisserie, hoje Caixa Econômica. Naquele local nasceu a controvertida Padaria Espiritual, assinalando uma das épocas mais curiosas da história de Fortaleza.

O Café Java tinha na figura do seu proprietário, que se chamava Manoel Pereira dos Santos, e atendia pela alcunha de Mané Coco, um dos tipos mais bizarros daqueles tempos. O Mané Coco – segundo a descrição de Antônio Sales – era uma excelente pessoa, muito inteligente, embora destituído de cultura. Apreciava aquela mocidade que, a pretexto de um cafezinho no seu estabelecimento, vinha prosar e poetizar.

Primeiro chegou Antônio Sales, o dos Versos Diversos de 1890. Depois se juntam 34 moços, metade poetas: funcionários da alfândega, caixeiros, migrantes. Estava formado o embrião do grupo literário que ficou conhecido como “Padaria Espiritual”. 

Na reforma feita na praça na primeira gestão do Prefeito Godofredo Maciel , em 1920, os quiosques foram demolidos. Sobre o episódio, Antônio Sales escreveu estas palavras de mágoa: esta noite, ao sair do cinema, parei defronte dos destroços fúnebres do Café Java, sacrificado à estética da Praça do Ferreira, que é o centro vital de nossa urbe. E nessa contemplação, veio-me uma grande tristeza e uma grande saudade. Ali reinou Mané Coco, o fundador dessa instituição popular que era o café, hoje desaparecido. 

Maison Art-Nouveau


Surgiu em 1907 no cruzamento das ruas Major Facundo e Guilherme Rocha, no lugar do atual Edifício Granito. Fora uma casa de louça e vidros – Casa Almeida – de que era sócio José Rola. Ao mudar-se para a esquina das ruas Guilherme Rocha e Barão do Rio Branco, ele abriu um bar-confeitaria e um teatrinho, onde funcionou o Cinema Di Maio e depois o Cinema Riche. 

Do Art-Nouveau era seu sócio o genro Augusto Fiúza Pequeno, que ficando responsável pelo negócio, associou-se a Hildebrando Acioli. Esteve a Maison daí por diante, ora nas mãos do dono, ora dos arrendatários.

Os dois irmãos Eugênio a exploraram durante largo período – 22 de junho de 1922 a 12 de outubro de 1928, dia em que a repassaram para Edilberto Góis Ferreira. O russo Jacó Braunstein foi o último arrendatário.

A história elegante e literária de Fortaleza não pode ser contada sem a Art-Nouveau, pois veio ela a suprir velha lacuna, propiciando ao mundo chique  e literário os mais eufóricos encontros, num intercâmbio de amizades, camaradagens e trocas de ideias. O Art-Nouveau reunia em suas mesas, palestrantes, poetas, homens de letras, cronistas, historiadores e humoristas, os mais diversos. Presenças que conferiam prestigio ao estabelecimento, mas que pouco rendiam em termos financeiros.

A abertura do Café Riche, em frente, abalou sensivelmente o movimento da Maison, porém foi retomado à medida que aquele fracassava, invadida as suas mesas por malandros e gente de menor aceitação. Paralelamente ocupavam bancas da Art-Nouveau muitos empregados do comércio, que aproveitavam para isso o pequeno intervalo do almoço; quase todos os alunos da Escola de Comércio Fênix Caixeiral e clientes com menor poder aquisitivo. A Maison encerrou suas atividades ao ser consumida por um incêndio por volta de 1930. 

Café Riche


Foi inaugurado no dia 21 de setembro de 1913, de propriedade de Alfredo Salgado e Luiz Severiano Ribeiro, o futuro rei do cinema no Brasil. Ocupava o andar térreo do sobrado, enquanto nos andares superiores funcionava o Hotel Central. Vizinho, um casal de americanos havia iniciado a exploração do restaurante Black and White, gerenciado por João Quinderé. Como não tinha condições de se manter, foi anexado ao Café Riche, que foi ampliado com uma seção onde eram servidas refeições.

O edifício do Café e do Hotel era o sobradão mandado construir em 1825, pelo Comendador José Antônio Machado. A construção foi confiada ao Coronel Conrado Jacó de Niemeyer (o mesmo homem que atuou como presidente da Comissão Militar responsável pelo fuzilamento dos heróis da República do Equador, em 1825, no Passeio Público).   

Por esse tempo havia a crença de que o solo arenoso, de areias frouxas não suportaria a construção de uma casa daquela altura. Até os pedreiros mostraram receio, mas foram obrigados a levantar a obra com o auxilio dos presos da Cadeia do Crime. E nenhuma construção da cidade enfrentou tão bem as intempéries.

A sua demolição ocorreu em 1927, quando estava o sobrado na posse e domínio do capitalista Plácido de Carvalho. Para isso, no ano anterior, o Riche havia sido fechado. Antes, habitaram os dois andares de cima, a Família Gradvohl, ocupados os baixos pela Loja Boa Fé, de Gradvohl & Picard, firma que transformou em Gradvohl Frères.

O Café Riche apresentava relativo luxo e servia bem, razão pela qual ia sendo procurado, em prejuízo da Maison. A roda de intelectuais que ali assistia destacou-se pelo bom padrão dos seus integrantes. Para maior bem estar da freguesia eram colocados, à tarde, mesinhas desarmáveis num tablado que avançava contra a Rua Major Facundo, cobrindo a sarjeta e, assim, ampliando a calçada. As mesas internas eram de mármore, oitavadas e de tripés de ferro prateado, imitando galhos retorcidos.

Na alvura do mármore, muitas poesias foram escritas, reproduzidas ou ali mesmo improvisadas.   De repente o Café Riche começou a decair, ao ter suas mesas invadidas por malandros e pessoas de menor aceitação. Os clientes tradicionais debandaram em busca de novos espaços, e o café fechou suas portas em 1926.

Fonte:
Raimundo Girão – Geografia Estética de Fortaleza
Otacílio de Azevedo – Fortaleza Descalça
fotos do Arquivo Nirez 

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Os Arquivos da Igreja

A prática do registro civil – nascimento, casamento – óbitos, etc,  remonta à Antiguidade, embora somente as pessoas consideradas importantes é que se submetiam à referida estatística. Não havia o cartório como o concebemos hoje.


 Registro de batismo de 1896. Não é tarefa fácil pesquisar documentos antigos: além da má caligrafia, em muitos casos os dados são divergentes ou incompletos

Com a queda do Império Romano e a ascensão da Igreja Católica, esta herdou a tarefa de proceder ao registro de nascimentos e mortes, mas ainda assim somente de um grupo seleto, como nobres, reis, eclesiásticos e demais pessoas consideradas importantes. Na prática, a Igreja apenas deu continuidade a uma tradição.

A França detém o título de país pioneiro na prática do registro universal de nascimentos e mortes, cuja datação aponta para meados do século 16, uma iniciativa da Igreja Católica. Poucos anos depois, com o término do Concílio de Trento (1563), a Igreja oficializou e difundiu a prática do registro civil e do registro de mortos para ricos e pobres.


Inaugurada em 1841, a Igreja da Conceição da Prainha registrou o batismo, casamento e morte de muitos fiéis. 
 
No Brasil, até meados do século XIX  os grandes arquivos do país estavam sob a responsabilidade das igrejas. Como o Estado e a Igreja estavam relacionados e o catolicismo era a religião oficial do País, apenas a Igreja católica efetivava esses registros. Somente a partir da segunda metade é que a Igreja perde para os municípios o dever de proceder a tais registros. Em 1863, por meio de um decreto, o governo imperial deu efeito civil aos registros de casamentos de pessoas não católicas e em 1874, também por meio de decreto, D. Pedro II regulamentou o registro de nascimento, casamento e de óbito no Brasil. Esse ato marca o surgimento dos cartórios no Brasil. O primeiro cartório de Fortaleza foi instalado em 17 de novembro de 1888, com o nome de "1° ofício de registro civil das pessoas naturais", conhecido por Cartório João de Deus, localizado no Centro.  

  
Documento de batismo de Antônio Vicente Mendes Maciel, que ficaria conhecido na história do Brasil como Antônio Conselheiro.  Registro  no Livro de Assentamentos de Batizados da Paróquia de Quixeramobim, de 22 de maio de 1830. 

A Somente a partir de 1875, as grandes cidades brasileiras deram início a essa determinação, e a partir de 1888, a Igreja deixava, oficialmente, de cumprir com essa obrigação, cujas recentes mudanças foram outorgadas pelas constituições republicanas.
A separação entre a Igreja e o Estado foi efetivada em 7 de janeiro de 1.890, pelo Decreto nº 119-A, e constitucionalmente consagrada desde a Constituição de 1.891. Até 1.890, enquanto o catolicismo era a religião oficial do Estado, as demais religiões eram proibidas, em decorrência da norma do art. 5o da Constituição de 1.824. O catolicismo era subvencionado pelo Estado e gozava de enormes privilégios.

Até os dias de hoje as Igrejas mantém arquivos e documentos. No entanto, esses documentos só se referem a ritos da Igreja Católica, como batizados e casamentos. Os demais registros civis, nascimento, casamento civil e óbitos são feitos exclusivamente em cartórios. 

Em Fortaleza, documentos antigos, como o arquivo de toda a capitania do Siará datado do século XVIII, bem como toda a documentação antes da República, estão armazenados na Sala de História Eclesiástica do Ceará. O lugar guarda e preserva a memória histórica do Ceará, como um todo. Não só da Igreja, mas também das histórias que se desenvolvem das relações pessoais. Todo  o acervo foi formado por documentos das paróquias de Fortaleza e de livros ou documentos  pertencentes a padres e bispos.


Seminário da Prainha em 1890: nesse ano houve a separação entre Igreja e Estado

Com estantes cheias de livros antigos, arquivos guardados em pastas, jornais arquivados e uma mesa grande para apreciar o material, o local fica na parte interna da Faculdade Católica de Fortaleza, no prédio do Seminário da Prainha. No mesmo lugar, outro ambiente, que guarda os arquivos da Cúria Metropolitana de Fortaleza, faz parte da sala. O acervo, reúne livros de registros de batizados, casamentos e óbitos das primeiras paróquias de Fortaleza e são muito procurados para pesquisas genealógicas.  

Fontes: