Fortaleza, como todas as cidades do mundo, sempre
teve prostitutas. Claro que, nos primórdios tudo era muito escondido. Nos
séculos XVIII e XIX as adolescentes escravas resolviam as taras dos elementos
masculinos no próprio ambiente doméstico, com a conivência silenciosa da Sinhá.
Mesmo depois da escravatura as criadas continuaram a serem as iniciadoras das
práticas sexuais dos rapazes de família. Muitas foram vítimas de uma macabra
receita para curar blenorragia, o chamado “esquentamento”. Naqueles tempos
anteriores à penicilina, corria a lenda de que, para se curar a indesejada
doença venérea era preciso fazer sexo com uma virgem. Dá pra imaginar o tamanho
da propagação da temida DST desde os tempos coloniais.
Há noticias de francesas e polacas que teriam
desembarcado na capital, vindas do Recife e que, alojadas em sítios da Aldeota
(na época, quase uma floresta) e do Benfica, serviam a certos figurões da
sociedade. Depois que envelheciam, recebiam qualquer um por qualquer preço.
sobrado onde funcionou a Pensão de Dona Amélia Campos
(foto Fortaleza em Fotos)
(foto Fortaleza em Fotos)
Nos anos 40, na Pensão da Amélia Campos, chegou uma
francesa que não falava nada de português. Como a função dela não era
propriamente falar, o idioma não seria empecilho. Um comerciante rico, foi
abordado pela francesa nestes termos – “voulez-vous coucher avec moi?” O homem se apavorou com o que entendeu como proposta
estranha e foi comunicar a um amigo, professor do Liceu:
– esta francesa é
doida, me perguntou “se eu sei fazer a cocheira velha miar”. O que diabo é
isso? O professor se aproximou da mulher e esta repetiu a
pergunta, que foi rapidamente traduzida pelo professor como “você quer dormir
comigo?”
Outras mudavam de profissão, talvez pela melhor remuneração, ou pela menor dificuldade no trabalho. Foi o caso da mulher que um dia encontrou na feira, sua ex-empregada, Graça. Apesar de ter notado a maquiagem carregada e a saia muito curta, não se apercebeu de sua nova profissão, cumprimentando-a com carinho. Mas Gracinha resolveu aproveitar a oportunidade de reencontrar a patroa para mandar um recado para o ex-patrão: Dona Maisa, diga ao seu marido, que eu agora virei puta. Mas lembre a ele que, lá no cabaré não me conhecem como Graça, não. Meu nome lá é Pirrita.
O Palacete Guarani acolheu uma das mais famosas
pensões de Fortaleza, a Boate Guarani (foto Fortaleza em Fotos)
Mas a maioria das mulheres que exerciam o meretrício era
prata da casa, as filhas de sertanejos, expulsas do interior pelas secas e
privações de toda sorte.A reação das senhoras do lar era veemente.
Todas se benziam e faziam um ar de repugnância quando se referiam às “mulheres
do mundo”, as “decaídas”. As próprias prostitutas assumiam sua lastimável
condição, usando expressões como “quando eu me perdi”, “fulano me fez mal”.
Outras mudavam de profissão, talvez pela melhor remuneração, ou pela menor dificuldade no trabalho. Foi o caso da mulher que um dia encontrou na feira, sua ex-empregada, Graça. Apesar de ter notado a maquiagem carregada e a saia muito curta, não se apercebeu de sua nova profissão, cumprimentando-a com carinho. Mas Gracinha resolveu aproveitar a oportunidade de reencontrar a patroa para mandar um recado para o ex-patrão: Dona Maisa, diga ao seu marido, que eu agora virei puta. Mas lembre a ele que, lá no cabaré não me conhecem como Graça, não. Meu nome lá é Pirrita.
Painel recuperado durante a reforma do sobrado Dr. José Lourenço, na Rua major Facundo. Herança do tempo em que o sobrado abrigou a Boate Marajó na década de 1950. (foto Fortaleza em fotos)
Quando ocupou a chefia de polícia, ainda nos anos 30, o capitão Cordeiro Neto procurou tirar as meretrizes das ruas, que não puderam mais pegar clientes no centro da cidade. Os cidadãos abastados, trabalhando em causa própria, conseguiram uma solução para o problema: as mulheres de melhor aparência se instalariam discretamente no Centro, nos altos dos velhos sobrados das ruas Major Facundo e Barão do Rio Branco. É que esses velhos casarões, antigas residências dos barões do final do Século XIX e começo do Século XX tinham sido desocupados quando, a partir dos anos 20, Fortaleza sofrera a primeira grande mudança espacial, com o surgimento dos bairros do Benfica, do Jacarecanga e da Praia de Iracema. Para lá se mudaram as famílias ricas e seus antigos solares viraram casas comerciais. Mas o comércio só ocupava o térreo, ficando os altos vazios. Quando do Decreto do chefe de Polícia, surgiram arrendatários para esses sobrados e ali foram montados os cabarés.
Rua General Sampaio na descida de acesso ao Curral
das Éguas
(arquivo Nirez)
(arquivo Nirez)
Por outro lado as raparigas em fim de carreira,
velhas e desdentadas, foram situadas num gueto infame conhecido por Curral das
Éguas, numa larga faixa de terra que compunha o Arraial Moura Brasil e que
começava logo abaixo da Ladeira da Misericórdia, tomando toda a área do Morro
do Moinho e grande parte da Avenida Leste Oeste. Era um amontoado de casebres
desalinhados em inúmeros becos infectos, e certamente, perigosíssimos. O velho
Curral, no entanto, consolava as vontades dos amantes humildes, soldados,
estudantes lisos, vendedores ambulantes, carregadores, velhinhos de minguada
aposentadoria e desocupados em geral.
Rua Franco Rabelo, na zona de baixo meretrício (Nirez) |
O fato dos cabarés ficarem nos altos dos prédios, atendia à questão do isolamento das profissionais do sexo da chamada sociedade regular. Uma ocorrência do final dos anos 30, explica a origem de famosa expressão ainda hoje corrente em Fortaleza. Uma das lojas da Rua Floriano Peixoto sofreu um incêndio em plena manhã de sábado. Nos altos do sobrado havia uma pensão de mulheres. As inquilinas, que tinham trabalhado até de madrugada, ainda dormiam quando começou o alvoroço na rua. Populares tentavam apagar o fogo com baldes d’água, enquanto as chamas subiam perigosamente, já ameaçando o sobrado. As mulheres, despertadas pelos gritos da multidão, do alto das janelas, pediam socorro, braços erguidos, descabeladas, ainda em seus trajes de dormir, gritavam no maior desespero: salvem a gente pelo amor de Deus!!! .Foi quando um gaiato, numa explosão de sadismo, gritou da rua: “Queima Raparigal”
A Rua Barão do Rio Branco com seus inúmeros
sobrados. Quando os proprietários se mudaram do Centro, os casarões ficaram
disponíveis para o comércio de dia e para as pensões à noite. (postal antigo)
Nos altos do Palacete Guarani (na foto acima, o prédio com telhado inclinado), construído no início
do século XX, funcionou a partir dos anos 50, a Boate Guarani, uma grande casa
de espetáculos. Promovia festas especiais em que as mulheres eram praticamente
uniformizadas, pois embora com modelos diferentes, seus vestidos naquela noite
tinham a mesma cor. No aniversário da madame era o Baile azul. Mas tinha no decorrer
do ano tinha o baile vermelho, o cor-de-rosa, e assim por diante.
extraído do livro
Sábado, estação de viver - histórias da boemia cearense,
de Juarez Leitão
Um comentário:
O sessentão de hoje que nunca foi num cabaré que atire a primeira pedra. Faltou falar no incomensurável Senadorzão e Leila, esta já nas bandas da João Pessoa. Pena que o amadorismo marrom matou o bom profissionalismo de outrora. "Eu vou tirar você deste lugar", quem nunca se apaixonou por uma quenga não sabe o que é bem viver.
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