quinta-feira, 31 de julho de 2014

A Influência dos Estádios de Futebol


Quando o Estádio Presidente Vargas foi inaugurado em 1941, era chamado de Estádio Municipal, e podia receber cerca de 6,5% da população de Fortaleza, ou seja, 12 mil dos 182 mil habitantes.
Quando surgiu em 1973, o Castelão era capaz de reunir uma percentagem um pouco menor da população: 5,8%, pois o estádio tinha capacidade para 70 mil lugares, enquanto 1,2 milhões de pessoas já moravam em Fortaleza. As duas construções consideradas monumentais para o porte da capital cearense ao seu tempo, impressionaram muita gente. Tanto que para alguns memorialistas, os dois estádios causaram uma intervenção urbana sentida até os dias de hoje.

Estádio Presidente Vargas na década de 40 (Arquivo Nirez)

O bairro em que  foi construído o Estádio Plácido Aderaldo Castelo – Castelão, recebeu também o nome de Castelão. Com a sua inauguração, apareceu toda uma comunidade no entorno, formada por gente que de alguma maneira tentava sobreviver com a maior exposição daquela área, de acordo com o pesquisador Cristiano Câmara.
Antes da construção do estádio, cujas obras duraram quatro anos, a região se chamava Boa Vista, mas também era conhecida pelo nome original, Mata-Galinha.

 Castelão no dia da inauguração (postal da época)

O terreno de 25 hectares (500x500 metros) em que foi erguido foi desapropriado da Santa Casa de Misericórdia pelo Governo do Estado. A construção no local rendeu muita polêmica na época, já que ficava muito distante do centro. Pelo esforço empreendido pelo governador Plácido Castelo (1966-1971), o estádio recebeu seu nome.
Há quem discorde, no entanto, que o surgimento de estádios tenha causado alguma influência na formação urbana de Fortaleza. Para o professor Liberal de Castro, a única coisa que o Castelão fez foi acelerar a construção e a pavimentação de vias que dão acesso ao estádio, como as Avenidas Silas Munguba (antiga Dedé Brasil), Paulino Rocha e Alberto Craveiro.


Extraído da Revista Fortaleza, fascículo 8, de maio de 2006

quinta-feira, 24 de julho de 2014

O Cão da Itaoca

 Fortaleza na década de 30 

Dizem que foi o capeta quem botou a Itaoca no mapa. Por volta da década de 40, aquela região que hoje é conhecida como Grande Montese, era chamada de Pirocaia, que gramaticalmente se traduz por Aldeia dos “Pele Queimada”, uma alusão a alguma tribo que teria habitado essas plagas em tempos passados. 
O referencial maior do lugar eram as minas de águas potáveis, puras e cristalinas – a famosa água da Pirocaia – distribuída por toda a cidade em tonéis de madeiras sobre carroças puxadas a burros. O principal poço de fornecimento do precioso líquido ficava na Rua Romeu Martins, antigo Beco da Itaoca, situado entre a Avenida João Pessoa e a Rua Desembargador João Firmino, em terras do Dr. Manoel Sátiro.


Poucas eram as ruas que tinham denominação própria, a maioria das vias atuais eram conhecidas com a denominação de becos. E foi justamente a atual Rua Romeu Martins, o antigo Beco da Itaoca, que entrou para a história da cidade por ter sido palco de acontecimentos extraordinários, que movimentaram a opinião pública.
O ano era 1941. Europeus e Asiáticos se engalfinhavam num  conflito armado, que alguns meses mais tarde haveria de se espalhar pelo resto do mundo. E era esse conflito em terras tão distantes, o principal assunto dos jornais de Fortaleza: só se falava da guerra, dos ataques, dos mortos, dos bombardeios, das estratégias, das ações, dos envolvidos. O tema era uma fonte inesgotável de interesse por parte da população, e as noticias eram fartas.

 bairro Jardim América, tendo ao fundo, o antigo matadouro (foto Nirez) 

De repente, surge uma dessas histórias bombásticas, capaz de despertar o interesse da população, de matar de curiosidade os viventes da pacata cidadezinha de pouco mais de 180 mil habitantes, de deixar em segundo plano as noticias da guerra: a de que satanás em pessoa, estava dando o ar da graça numa casa localizada no Beco da Itaoca, lá pras bandas da Pirocaia, subúrbio de Fortaleza.
Segundo testemunhas, na residência de um certo tenente da polícia  chamado João Lima,  numa casa visivelmente perturbada por mãos imponderáveis e sutis, fenômenos  estranhos e  acontecimentos inexplicáveis, sugeria a ação de agentes invisíveis, que segundo os vizinhos, era o próprio capeta.
O proprietário do imóvel, homem honrado e trabalhador, andava assustado com os fatos de origem nada natural e sua família andava tomada de justificado nervosismo.
Alguns eventos foram presenciados até por um repórter do jornal Gazeta de Notícias, que visitou a casa, e descreveu o que viu: “Observamos verdadeiros aspectos trágicos na casa do digno oficial da Força Pública. Um santuário, sem que ninguém identificasse o autor do fato, foi lançado à distância, espatifando-se. As imagens que estavam no móvel, também se partiram, no choque contra o solo”. Disse ainda que, a maioria pensava  que aquilo era obra do demônio, e ele,  repórter, como certos deputados do passado parlamentar do Brasil, ficava com a maioria.
Em outra manifestação na casa, presenciada por vizinhos e moradores do bairro, o móvel atingido foi o fogão, todo de ferro, que deu umas piruetas pela casa e depois caiu sozinho, de pernas para o ar. Todos os utensílios da cozinha da casa voaram pelos ares; a chaleira parecia um zepelim, evoluindo pela casa toda; os garfos e facas dançavam;  os pratos tiniam;  areia e pedras eram jogadas de todos os cantos, enquanto distintas senhoras jogavam água benta pela casa. Tudo em vão. Um jarro que estava no chão, ergueu-se num voo rasante e quase atingiu uma delas.
Como os fenômenos se repetissem, a policia foi chamada. Em presença das autoridades policias – os delegados Leôncio Botelho e Madaleno Barroso, o comissário Mário Moraes, e auxiliares da DIC – nada se registrou de anormal, ainda segundo o repórter. 


No entanto, um verdadeiro terror se apoderou da vizinhança, chamando a atenção da população. A história das aparições na Itaoca se espalhou por toda a cidade, sendo manchete em três jornais e objeto de reportagem da PRE-9 (Ceará Rádio Clube), a única emissora de rádio da cidade. Até mesmo o sóbrio Jornal “O Nordeste”, de propriedade da Diocese de Fortaleza, se pronunciou sobre o caso, reclamando providências.
Uma multidão de curiosos se aglomerava todos os dias na casa do tenente João Lima, na tentativa de observar as manifestações. As opiniões se dividiam: uns acreditavam em manifestações sobrenaturais, outros em farsa  de espíritos zombeteiros,  enquanto havia quem oferecesse explicações  naturais para os fatos. Os curiosos, procedentes de todos os bairros, de todas as classes sociais, de todos os credos, se movimentavam fascinadas  pelas plumas imponderáveis da superstição e da curiosidade.


Quintino Cunha, grande humorista cearense, era vizinho da casa onde o cão fazia as estripulias, e arriscou um palpite: para Quintino aquilo era obra de almas bêbadas, talvez dos que foram ébrios em vida. No meio da polêmica até a Federação Espírita do Ceará se propôs a examinar a questão, intervindo, se necessário no caso da Itaoca.
De repente, tão inesperadamente como chegou, o capeta sumiu, os fenômenos cessaram e os objetos da casa voltaram ao seu estado de inércia. O mesmo repórter que deu início às reportagens que divulgou o fenômeno, deu sua explicação para o fim do caso: Lúcifer deixou a Itaoca com medo dos catimbozeiros de lá, e resolveu retornar à Europa, onde a demência assumia formas mais trágicas.


Dizem que a história do Cão da Itaoca não passou de uma grande invenção, uma história criada por um jornalista  entediado com a escassez de noticias locais. Provavelmente não contava com a repercussão nem com as proporções que o caso assumiria.
Com a divulgação do fenômeno envolvendo o Cão, o nome "Itaoca" se firmou em nível local. Atualmente a Itaoca é um bairro situado entre o Montese e a Parangaba.


pesquisa:
Sobre o fenômeno das aparições - os jornais da época:
Gazeta de Notícias, edições de 20, 21, 22 de março de 1941
O Nordeste, de 22 de março de 1941. 
Sobre o ambiente local das aparições: Livro "De Pirocaia a Montese", de Raimundo Nonato Ximenes

segunda-feira, 21 de julho de 2014

A Aldeota Pobre

Conta onde passeia hoje esse teu olhar... 
Quantas fronteiras ele já cruzou, no mundo inteiro de uma só cidade?
(Eduardo Gudin , Costa Netto)

O crescimento desordenado dos grandes centros urbanos, aliados a processos de urbanização diferenciados acabaram mostrando as diversas faces que uma mesma cidade pode apresentar, dependendo do bairro e da classe social da população que o ocupa. A face mais visível é a existência de duas cidades dentro da cidade, que convivem e coexistem pacificamente, lado a lado: de um lado a cidade legal onde se encontra presentes todos os serviços e infraestrutura urbana, e de outro, a cidade ilegal ou clandestina, que se caracteriza pela ausência de normas legais e urbanísticas.
Em Fortaleza essa convivência entre os social e economicamente desiguais se verifica em quase todos os bairros, mas o processo é mais visível em bairros considerados de classe média e alta, como a Aldeota e o Meireles, por exemplo, onde o contraste é gritante.  

 em frente à comunidade das Quadras o altíssimo muro do tradicional Colégio Santa Cecília demarca o limite espacial entre duas realidades, que convivem mas não se comunicam 

A ocupação da Aldeota começou por volta dos anos 40, quando as famílias detentoras de recursos mudaram do Centro para os bairros do Benfica Jacarecanga, e mais tarde, para a Aldeota, até então uma região quase desabitada, conhecida por sua flora abundante. O Meireles foi só um prolongamento da Aldeota, a origem é a mesma. 
Mas o antigo bairro do Outeiro já possuía os seus moradores, constituídos principalmente de famílias de pescadores, que viviam da pesca em jangadas, e outros trabalhadores de baixa renda, de ocupações variadas. Todos moravam em casas simples, à beira-mar, na região hoje conhecida como Meireles e Mucuripe. Com a construção da Avenida Beira-Mar, no início da década de 1960, esses moradores foram expulsos para outras partes da cidade, dada a súbita valorização da área, e a descoberta do potencial econômico daquele trecho da orla marítima.

Avenida Santos Dumont na década de 1950 - foto do IBGE

Rua José Villar

Com a chegada dos ricos, que começaram a ocupação pela Avenida Santos Dumont, foram construídas mansões e mais tarde, edifícios luxuosos; o Capital e a especulação imobiliária transformaram a orla marítima da zona leste de Fortaleza no metro quadrado mais caro da cidade, e atraíram para aquela região hotéis, restaurantes, muito investimento por parte do poder público, serviços de toda espécie, muitos visitantes, muitos turistas.
E a partir daí esse passou a ser o perfil conhecido da Aldeota e seus vizinhos: imóveis caros, local de boas moradias, muitas opções de lazer, grande oferta de bens e serviços, a zona nobre da cidade.
Mas alguns dos moradores antigos, menos abonados, resolveram ficar por lá, num aglomerado de casas simples, que  por não acompanharem o padrão das construções recentes, viraram “comunidades”.
  

Um desses espaços de resistência, localizado no Meireles, entre as Ruas José Villar e Nunes Valente  é a Comunidade do Campo do América, onde residem cerca de 4 mil famílias. O local existe, segundo moradores mais antigos,  há mais de 100 anos, e as casas foram construídas em torno de um antigo campo de futebol que teria pertencido ao América Futebol Clube. Medindo 4.378 metros quadrados, o chamado Campo do América, que deu nome ao lugar, foi apropriado pela comunidade, e passou a receber diversos eventos.  

Campo do América, em 2013 e atualmente 

No início de 2014 o Campo do América foi urbanizado e entregue à comunidade, encerrando uma longa disputa pela posse do terreno, entre prefeitura e INSS que alegava ser o proprietário daquela área.
Outro gueto localizado na Aldeota é A Comunidade Santa Cecília conhecida por “Comunidade das Quadras”, localizado entre a Avenida Virgílio Távora, e as Ruas Beni de Carvalho, General Tertuliano Potiguara e Vicente Leite. A comunidade surgiu por volta de 1956, quando os  primeiros moradores se fixaram no local, dentro dos conceitos de cidade ilegal, sem infraestrutura, sem serviços básicos, e invisível aos olhos do poder público. 

  
Os casebres foram construídos de forma irregular, sem alinhamento, invadindo calçadas e terrenos alheios. Havia casas até junto ao muro do Colégio Santa Cecília. A proposta de urbanização foi feita pela então primeira dama do estado, Dona Luiza Távora, a partir de uma visita realizada na comunidade, após ter recebido uma carta de um líder comunitário da época. Naquela ocasião, fins dos anos 70, o governo do Estado (Virgílio Távora – 1979-1982),  instituía o PROAFA – Programa de Assistência às favelas da Região Metropolitana, que visava não a remoção de favelas, mas a sua urbanização e a manutenção das famílias na área. 
Foram construídas inicialmente cerca de 100 residências num terreno de esquina das ruas Beni de Carvalho com José Bonifácio, de propriedade da justiça. Depois construíram mais cem até se completar a urbanização do local. As residências eram todas iguais, construção de boa qualidade. A urbanização serviu para reordenar o espaço urbano naquela região, além de delimitar a área da comunidade, e inibir seu crescimento.


Com o crescimento da cidade, a gradativa diminuição de áreas disponíveis para novos empreendimentos, a supervalorização e o consequente recrudescimento da especulação imobiliária na Aldeota, é provável que essas comunidades venham a ser desalojadas de seu espaço de moradia e convivência. Apesar da vigência do Estatuto da Cidade (que a prevê a legalização da posse nos assentamentos urbanos  irregulares através de mecanismos legais), as áreas ocupadas pelas comunidades nunca deixarão de ser lembradas como alternativas para novas habitações com o padrão Aldeota de ser.


Sites consultados:

Medeiros, Moíza Sibéria Silva de Primeiro damismo no Ceará: Luiza Távora na gestão do social. / Moíza Sibéria Silva de Medeiros Dissertação (Mestrado) Universidade Estadual do Ceará,Disponível em http://www.uece.br/politicasuece/dmdocuments/dissertacao_moiza_siberia.pdf
Estatuto da Cidade - para compreender  


domingo, 13 de julho de 2014

No Tempo dos Lampiões de Gás

A primeira cidade a ter iluminação a gás carbônico foi Londres, em 1812,  utilizando o gás extraído da hulha ou carvão-de-pedra. O Rio de Janeiro inauguraria essa modalidade de iluminação em 1854, quarenta e dois anos  depois de Londres. 

 Rua Floriano Peixoto 

Visando dotar Fortaleza desse serviço, o Presidente da província João Silveira de Souza assinou a lei nº 838, de 2 de outubro de 1857, que não se materializou. Nova tentativa ocorre em 1859, quando o contrato para a prestação do serviço é formalizado pelo presidente Silveira de Souza, na Lei 918 de 13 de setembro de 1859, sendo beneficiário da concessão Joaquim da Cunha Freire; também nada de prático resultou dessa norma.
Em 1864, é renovado o privilégio de explorar a iluminação pública pelo período de 59 anos. Dificuldades naturais levaram o empresário cearense a associar-se a Thomas Rich Brandt, com o qual procedeu a negociações internacionais em busca de soluções. Dessa negociação resulta a constituição de um grupo de investidores que, em 1865, institue a firma The Ceara Gaz Company Limited, com sede em Londres.
As operações de transferência para o grupo britânico foram aprovadas pelo governo da província, que inclusive assegurou o terreno adjacente à Santa Casa de Misericórdia, onde foi instalada a usina de gás e a residência do gerente. 


ladeira da Misericórdia, vista no sentido praia/centro com a estrutura do gasômetro e no alto, ao fundo, a Santa casa de Misericórdia

A empresa instalou-se em Fortaleza ocupando o prédio situado à Rua Formosa n° 52, com escritórios e o terreno com frentes delimitadas pelas ruas Senador Pompeu, Formosa e Senador Jaguaribe, na então chamada rampa da Santa Casa, onde foi providenciada a construção do gasômetro e usina de processamento do gás e a edificação da residência do gerente local.
A festiva inauguração oficial da iluminação a gás em Fortaleza ocorreu a 17 de setembro de 1867, após uma experiência  que a Ceara Gaz realizou no dia 7, com atendimento parcial de ruas, do Clube Cearense e outros prédios, todos no centro da cidade. Diante dos resultados positivos do contrato original com a Ceará Gaz, outros benefícios e privilégios foram concedidos pelo governo. Decretos provinciais de 1868 e 1869 concederam isenção de impostos sobre a importação de material de uso na empresa. 


 o gasômetro funcionava ao lado da Santa Casa de Misericórdia 

Fortaleza convivia com um novo serviço urbano que lhe conferia prestígio e modernidade. A aceitação popular e à seriedade com que a empresa inglesa operava o serviço, soma-se a atitude prudente do governo provincial, que transformou em lei o regulamento para fiscalização da iluminação a gás de Fortaleza (Lei n° 1578, de 18 de setembro de 1873).
O crescimento da rede de iluminação pública se processa de acordo com a expansão urbana. Em 1879, por contrato específico de 25 de novembro, é autorizada a instalação de 50 combustores no Passeio Público. No dia 27 de maio de 1888, há um acréscimo de 120 combustores. Dos novos bicos de gás, 80 são localizados no Boulevard Visconde de Cauípe (atual Avenida da Universidade), 22 na Praça de Pelotas (atual Clóvis Beviláqua), 9 na General Sampaio e 9 na Rua Major Facundo. 

 Avenida Visconde de Cauípe (atual Av. da Universidade) e a iluminação a gás


Devido aos bons resultados obtidos e o pelo reconhecimento da população aos serviços prestados, o governo continuava favorecendo o grupo inglês, tanto na isenção de impostos como na prorrogação de privilégios de exploração da iluminação pública. A Lei 1052, de 1911, prorroga o prazo de concessão até 16 de janeiro de 1958, mas estabelece uma condição que será fatal: a Ceara Gaz Company deverá substituir a iluminação a gás pela luz incandescente, a elétrica, na iluminação da capital. Nada ocorreu, entretanto, nesse sentido.

 A Praça Clóvis Beviláqua era um logradouro muito amplo e bem iluminado 

Outro fator de ameaça a Ceara Gaz surge em 1913, quando também em Londres é constituída uma nova empresa a Ceará Tramway Light and Power Company, que no ano seguinte, já instalada em Fortaleza, passa a explorar o transporte de bondes elétricos, a oferecer energia para empresas e residências e a intermediar operações comerciais de compra de motores e implementos elétricos na Inglaterra. A par disto, com a ocorrência da I Guerra Mundial, os custos operacionais cresciam e o fornecimento de gás perdia a vantagem econômica. 

 Primeiro gerador instalado pela Ceará Light em Fortaleza - foto do livro de Ary Bezerra Leite - História da Energia no Ceará 

Novas estratégias deviam ser buscadas pelos dirigentes da Ceara Gaz. Precisavam assegurar a manutenção do privilégio da iluminação pública e defender seu mercado de fornecimento de gás para consumidores comerciais e residenciais. No primeiro caso, consegue relativo sucesso, pois sobrevive por mais 20 anos, encerrando suas atividades de 68 anos a 25 de outubro de 1935. Quanto a clientela particular, é mantida pelo esforço de marketing, quando se tem registro da primeira batalha entre dois produtos concorrentes na história da publicidade no Ceará.


Extraído do livro História da Energia no Ceará
De Ary Bezerra Leite   
fotos do Arquivo Nirez
      

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Sobre Sete Colinas


Vista aérea do Outeiro da Prainha em 1900

À semelhança de Roma, Fortaleza cresceu entre sete colinas. Aproximando-se da cidade pelo mar avistava-se a primeira dessas elevações, ao nascente e fronteiro a praia: O Outeiro da Prainha. Despontando de seu barranco, no alto de suas ladeiras que já serviram de arraial de índios, o par das afuniladas torres da Igreja de N.S. da Conceição, dava o rumo aos navegantes. A origem dessa igreja deveu-se a secular veneração em Lisboa pela confraria da Imaculada Conceição. 


Escolheram para sua construção um local distante da cidade, quase deserto, com noites estreladas e dias luzidos pela belíssima paisagem de coqueirais, que se perdia lá em baixo, ao longo da costa verdejante, vivamente movimentado pela brisa vinda do mar.
Houve um tempo em que os muros da igreja eram pintados de preto. Ressaltava-se assim, o sentimento grave e místico daquele sítio perdido no areal, rodeado por um respeitoso silêncio, só quebrado pelas constantes peregrinações de seus fiéis, clareando o morro com seus círios luminosos.
Quando o casario começou a ladear a igreja, alguns membros da família Borges foram morar ali em graciosas mansões, e doaram ao templo preciosos objetos de arte e devoção: o primogênito Antônio doou uma imagem de Santo Antônio, vinda de Portugal que media sete palmos de altura. Também deixou ali uma grande cruz de madeira prateada. Outro membro da família ornou o altar mor com a imagem da padroeira Nossa Senhora da Conceição, com seu hábito de cetim branco, manto azul e coroa de prata, que ainda se encontra no templo.
Atrás do Outeiro da Prainha situava-se a Elevação da Aldeota, no sítio em que mais tarde findaria a linha de bondes da Cia. Ferro-Carril, organizada e dirigida por Tomás Pompeu de Sousa Brasil. Nesse elevado em tempos remotos, os índios vindos da Vila Velha erigiram ali uma aldeia, de onde vem a denominação Aldeota.


 antigo Quartel de 1ª Linha, atual 10ª Região Militar 

No lado oposto do Outeiro da Prainha, na margem esquerda do regato Pajeú e estendendo-se até a praia, estava a Colina da Misericórdia. Nesse local se levantou o Forte de N.S. de assunção, o Quartel de Primeira Linha, hoje ocupado pela 10º região Militar, o Passeio Público, a Santa Casa de Misericórdia – o primeiro hospital da cidade – e a Casa de Detenção, hoje ocupada pela EMCETUR,  centro de turismo e artesanato.
A Oeste da Misericórdia subia o Morro do Croatá e com ele se formou o antigo Campo da Amélia, atual Praça Castro Carreira. Neste local foi instalado o observatório construído pela Comissão Científica de Exploração, uma iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico, executada por iniciativa do Imperador Pedro II, cujo objetivo era estudar os locais menos conhecidos do Brasil.


Praça Castro Carreira fins do século XIX 

No lado poente desse largo, em terreno pertencente a sesmaria de Jacarecanga e doado pela família Braga Torres, criou-se, em 1848, o primeiro cemitério da cidade, o São Casemiro que não demorou muito a ser desativado, por conta das areias que o vento trazia das dunas vizinhas, soterrando aquele campo santo. Antes da existência desse cemitério os sepultamentos da cidade eram feitos sob os pisos ou nas paredes das igrejas ou em seus arredores. Somente em 1865 seria inaugurado o Cemitério São João Batista.
Na parte setentrional do Campo da Amélia, do alto de seus 15 metros, inaugurou-se em 1880  Estação central da Estrada de Ferro Baturité. A obra iniciada em 1879, segundo o plano do austríaco Henrique Foglare, foi elogiada por todo o império, pela solidez e beleza de seu traçado dórico-romano. 


Estação central da Estrada de Ferro Baturité em 1926

Por trás do atual Parque da Liberdade e à margem direita do riacho Garrote situava-se o Alto da Pimenta. Em seu declive o Boticário Ferreira construiu uma igrejinha sob a invocação de N.S. das Dores, sem, contudo, poder concluí-la. Mais tarde seria construída neste local, pela família Albano, a Igreja do Coração de Jesus, sobre um morro de dois metros de altura e curiosamente chamado de Morro do Pecado.


Igreja do Coração de Jesus, construída em 1848 no alto do Morro do Pecado. 


A colina do Taliense  apresentava seu ponto mais alto no sobrado do Conselheiro Rodrigues Junior, onde hoje está o Edifício Diogo. Recebeu esse nome por estar nela localizado o Teatro Taliense, originado do teatrinho particular Concórdia, que já exibia seus espetáculos em 1824, ao lado da Igreja do Rosário. Com o nome de Teatro Taliense, foi o Concórdia em 1842, para a Rua Formosa, atual Barão do Rio Branco. O Teatro Taliense funcionava num sobradão, então número 112, servindo além de teatro, de salão de bailes de máscaras. Ao ser demolido em seu lugar se instalou a Casa Singer, na Rua Barão do Rio Branco. 
A Colina do Taliense e a colina ao sul do córrego do Garrote, onde começava o sítio do Benfica, serviam de referência as estradas que por ali passavam a estrada de Jacarecanga e a de Arronches.


Rua Guilherme Rocha, antigas estrada de Jacarecanga e Travessa Municipal
  
A estrada de Jacarecanga era continuamente molhada pelas águas que escoavam da baixada da Lagoinha. Essa estrada, mais tarde chamada de Travessa Municipal, nascia na Rua do Rosário, passando em frente ao prédio da Intendência Municipal, formando assim a face setentrional da Praça do Ferreira. Atravessando todo o centro da cidade, esta estrada se dirigia ao poente, entrando no bairro do Jacarecanga.


Extraído do livro Ideal Clube – História de uma sociedade
De Vânius Meton Gadelha Vieira
fotos do Arquivo Nirez
  

sábado, 5 de julho de 2014

O Escuro Tenebroso das Ruas

Todos os dias tem alguém reclamando da escuridão que passou a tomar conta das ruas de Fortaleza. E não só nos bairros periféricos, historicamente preteridos pelo poder público em termos de serviços, estrutura e melhorias. Desta vez o escuro das vias públicas é bastante democrático, até ruas e avenidas da Aldeota e outros bairros de classe média foram alcançados.

 Rua no Parque Manibura, com longo trecho totalmente as escuras 

Em outros tempos mais românticos e quando a violência e a insegurança pública eram muito poucas ou nenhuma, Fortaleza já ficou carente de iluminação pública. Por ocasião da Guerra de 1914 o fornecimento do carvão de pedra tornou-se deficiente, pelo que a concessionária de energia Ceara Gaz Company Ltd. apagou metade dos combustores da cidade. E para atender melhor a iluminação da Praça do Ferreira e de outras, transportou para lá alguns dos combustores que estavam nas ruas. E assim ficou a outrora bem iluminada Fortaleza: praças iluminadas, ruas e travessas escuras.

 Rua Floriano Peixoto em 1909, nos tempos do Contrato com a Lua  

Em outras oportunidades, a Capital ficava propositalmente sem iluminação pública. Era nas noites de lua cheia, quando a luz de prata banhava a cidade, e as luzes dos combustores permaneciam apagadas, resultado de uma parceria unilateral imposta pela companhia de energia, que os cronistas da época apelidaram de “Contrato com a Lua”. Boêmios, poetas, seresteiros, namorados invadiam as noites da pequena cidade e cantavam seus amores tendo a lua por testemunha. Não havia nenhum risco para os notívagos naquelas madrugadas festeiras.
O tipo de iluminação mudou com o tempo, passou da era do azeite de peixe para a do  gás carbônico, mas o "Contrato com a Lua" foi sendo renovado até 1934/35, data da chegada da luz elétrica.

 Rua Major Facundo, início dos anos 1900

Na Fortaleza de 1887, vagar de madrugada pelas ruas desertas não era proibido, e podia-se largar a voz no mundo, fazer o barulho que quisesse, tendo por testemunha a lua mais bonita que Deus fez, econômica lua, com quem uma vez os administradores fizeram um incrível contrato, tão simples e peremptório, que só deu certo porque os filhos da cidade eram também meio lunáticos. (Mozart Soriano Aderaldo, em Crônicas da Cidade Amada) 

Mas as noites escuras dos tempos atuais não mais atraem poetas românticos e sonhadores, e sim outro tipo de público, pessoas nefastas, indivíduos indesejáveis, marginais inescrupulosos, covardes de toda ordem, que surgem  e desaparecem nas sombras, beneficiários que são, da inércia e da indiferença de gestores incompetentes.
Para comprovar a falta de prestação do serviço, no início de junho, denunciei a lâmpada queimada de um poste no bairro Parreão e solicitei a sua substituição. Liguei para o número 156 – Central de atendimento da Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos de Fortaleza. Pediram nome, CPF, ponto de referência, e logicamente, identificaram meu endereço: Prazo para atendimento: 36 horas.
Passados mais de 30 dias, ninguém apareceu para fazer o conserto. Liguei inúmeras outras vezes e a resposta é a mesma: a solicitação está com a equipe, que está na rua, executando serviços. O número do protocolo é 1765400012. 
A “agilidade” da equipe explica a cidade às escuras e o aumento da insegurança em Fortaleza. Dá para confiar num serviço desses? 


  fotos antigas do Arquivo Nirez