Planta do Porto e Vila de Fortaleza, de autoria de Silva Paulet
Mesmo depois da separação de Pernambuco em 1799 e do
desenvolvimento do comércio de exportação do algodão, Fortaleza não reunia
condições econômicas e administrativas para iniciar um processo de
desenvolvimento capaz de romper a hegemonia até então, de Aracati. De início da
permissão para comercializar diretamente com Portugal não livrou a capitania da
intermediação de Recife. Muitos comerciantes locais continuaram a negociar por
meio de Pernambuco, mesmo porque o Ceará não possuía ancoradouros adequados
para receber novos navios a vapor, de
calado maior.
edifício da Alfândega (arquivo Nirez)
Fortaleza teve um crescimento lento. Os relatos que se tem
sobre o povoado, fossem de autoridades ou de viajantes estrangeiros, apontavam
nas décadas iniciais do século XX, uma
vila pequena, sem despertar atenção. Em um documento elaborado pelo primeiro
governador cearense pós-separação de Pernambuco, Bernardo Manuel de Vasconcelos
(1799-1802), a vila é descrita como um montão de areia profunda apresentando
dos lados pequenas casas térreas, onde existe falta absoluta de todas as coisas
de primeira necessidade, estando a riqueza depositadas nas mãos de dois ou três
dos seus moradores...
Havia nesse momento um esforço por parte das autoridades
coloniais de centralização do poder – o que perduraria por todo o século XIX –
de tornar a presença da Coroa mais forte por todo o Brasil e no Ceará, buscando
diminuir a autonomia gozada pelos senhores proprietários, que não raras vezes,
tomavam decisões que contrariavam os interesses metropolitanos.
Aqueles eram tempos difíceis e conturbados na Europa
(Revolução Francesa de 1789, período Napoleônico) e na América (Independência
das 13 colônias/Estados Unidos do Haiti). Portugal necessitava estar mais
presente no Brasil, sua principal colônia, o que por outro lado, poderia trazer
mais rendimentos econômicos para a decadente Coroa Lusitana.
Nessa conjuntura, a capital cearense passou a ser mais
valorizada, fosse com benefícios de ordem material e administrativa, ou como
centro de poder, de onde saíam decisões e vontades da Coroa para todo o
território da capitania.
Trapiche da Prainha (arquivo Nirez)
O fato fica evidente quando se percebe algumas medidas
tomadas pelas autoridades cearenses no começo do século XIX. Desse período
datam: a instalação de Mesas de Inspeção do Algodão (para garantir maiores
vendas por meio do controle de qualidade do produto, uma das exigências dos
importadores ingleses), não apenas nos portos de Aracati e de Acaraú (este
vinculado a Sobral), até então os dois mais movimentados do Ceará, mas
igualmente no precário e pouco dinâmico porto de Fortaleza; erguimento de um molhe e de um trapiche para
embarque e desembarque no litoral de Fortaleza – na Prainha, em frente à vila –
cuja precariedade era criticada; a construção de estradas ligando a capital ao
interior, para melhor escoar a produção sertaneja e igualmente impor mais
autoridade governamental sobre os latifundiários, o que ampliava igualmente o
raio de influência de Fortaleza; a decretação, em 1803, de lei determinando a
redução de 50% nas tarifas alfandegárias dos produtos exportados por Fortaleza;
instalação da Alfândega, da Junta da
fazenda (encarregada da arrecadação de impostos) e dos Correios.
Porto da Prainha (arquivo Nirez)
Outro elemento de ordem material e simbólica, que visava
demonstrar o poder da autoridade metropolitana do Ceará e em Fortaleza, foi a reconstrução em
alvenaria, na gestão do governador Inácio de Sampaio (1812-1820) do Forte de
N.S. da Assunção, o qual se encontrava em avançado estado de deterioração.
O forte foi reconstruído com base em projeto do arquiteto
português Antônio José da Silva Paulet e que contou com inúmeras doações de
latifundiários. Em torno do Forte, efetivamente ocorrera a colonização
portuguesa na terra e agora, era da Vila do Forte que cada vez mais sairiam as
ordens as quais todos deveriam se submeter.
Rua Major Facundo, início do século XX (arquivo Nirez)
Num sinal de crescimento lento de Fortaleza, mas também uma
evidência do poder da autoridade colonial foi elaborado o primeiro plano
urbanístico da capital cearense em 1818, pelo mesmo Silva Paulet. Adotou-se
para o povoado o traçado em xadrez ou retângulo, com as ruas se cortando em
ângulo de 90°, o modelo mais aconselhado e dominante então, e que seria mantido
em planos futuros.
Desejava-se com a Planta de Paulet, disciplinar o
crescimento da vila. Contudo, organizar e aformosear Fortaleza não podem ser
dissociados de uma forma de mostrar a força dos governantes, afinal era da
capital que emanavam as decisões que deveria controlar a vida da população.
Extraído do
livro de Artur Bruno e Aírton de Farias
Fortaleza,
uma breve história