quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O Entrudo e os Velhos Carnavais

Rua Major Facundo, início do século XX, vista a partir do Passeio Público (Arquivo Nirez)

O controle e o disciplinamento que foram impostos à população em tempos antigos em Fortaleza, abrangeram várias tradições populares. Uma das mais expressões populares mais controladas foi o Carnaval. Originária do entrudo português (de introitum, entrada da Quaresma). 
Mais ou menos entre os anos 1830 e as décadas de 1870/1880, Fortaleza apresentava animados carnavais, a ponto de contemporâneos afirmarem que a cidade “virava ao avesso”. Aos gritos e risos os brincantes traziam baldes de água para molhar os transeuntes  nas ruas e praças, usando cuias, canecas, e até penicos. Invadiam residências e não respeitavam  nem os doentes, pintando-lhes os rostos com zarcão e fugindo em disparada, deixando para trás móveis quebrados e muita sujeira.
Para os que resistiam à brincadeira, vinha o pior, o batismo, isto é banho total, ou tinham a cabeça introduzida à força nos recipientes.  Conta-se que um dos brincantes mais fervorosos era o Boticário Ferreira, presidente da Câmara Municipal.
Para os senhores proprietários, o entrudo era uma brincadeira de vagabundos, vadios e moleques, inadequada a uma cidade que se desejava civilizada e moderna; exigiam providências contra aquela orgia pública.

 Praça do Ferreira com o jardim 7 de Setembro. Alguns clubes realizavam bailes de carnaval na praça, em espaços devidamente isolados, para que o povo não tivesse acesso (Arquivo Nirez)

Após 1870 os agentes civilizadores e disciplinadores da sociedade cearense começaram a combater o entrudo, paulatinamente, até proibi-lo de vez. Naquele mesmo ano exigiu-se que ao invés de baldes ou bacias de águas, os brincantes usassem apenas laranjinhas de borracha com água de cheiro; depois veio a exigência de se usar apenas confetes, serpentinas e lança-perfume nas festas.
O entrudo, no entanto, ainda resistiu por alguns anos até desaparecer. Em 1893, a Secretaria de Justiça baixava um edital proibindo a festa, e em 1905, o intendente Guilherme Rocha reiterava a proibição. 
Percebe-se claramente que essas normas decretadas pelo poder público se enquadravam na lógica das elites de combater comportamentos incivilizados da população, e evidenciavam, por outro lado, a resistência das massas em manter seus costumes.

 desfile de automóveis, o chamado corso, no carnaval da Avenida Duque de Caxias anos 50
(foto Ah, Fortaleza!)
 
Enquanto se fazia repressão contra o entrudo, a "boa sociedade" frequentava os bailes carnavalescos realizados pelos clubes elegantes, nos quais, obviamente, o povo não tinha acesso. Eram bailes nos moldes do carnaval veneziano – da cultuada civilidade europeia, e caracterizava-se como uma festividade bem comportada, luxuosa e com uso de fantasias de modelos importados (pierrôs,  arlequins, colombinas, etc). a partir dos anos 1880 percebeu-se até uma acirrada competição entre os clubes e suas respectivas sociedades carnavalescas – o Clube Cearense com os Dragões do Averno e o Clube Iracema com os Conspiradores Infernais – para saber qual promoveria os melhores bailes carnavalescos em seus salões e nas praças. 

A sofisticada sede do Clube Cearense, que realizava concorridos bailes de carnaval em fins do século XIX, início do sec XX (foto, Ah, Fortaleza!)
 
No caso destas, as festas ocorriam numa alameda cercada dentro da Praça do Ferreira, sem acesso para os populares.  Realizavam igualmente, nos moldes venezianos, desfiles de pomposos carros alegóricos pelas ruas da cidade.

Fonte:
História do Ceará, de Aírton de Farias

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